Capítulo 9

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Ao anoitecer, o crepúsculo a chega a Belo Horizonte, a penumbra a cobrir minha amada cidade como um véu de escuridão, a escuridão a engolir o sol, consumindo qualquer vestígio de tudo que ocorrera naquele dia que até então parecia que seria eterno, as estrelas por começarem a surtir no céu, o luar a minguar, sua palidez a surgir na imensidão, não em seu total esplendor, mas igualmente bela, tal como ela, entretanto, ela de fases não mudava, sempre estava em sua absoluta compleição, sempre a brilhar no topo, a deixar amantes por ela enlouquecer ao contemplarem toda a formosura que em seu corpo iluminado habitava, a lua já não seria mais então a inspiração de todos poetas insanos, perderia seu posto a Hilda Furacão, que nunca seria inconstante, seria eterna, não somente quando a noite caísse em Belo Horizonte, ela era o centro de tudo, tudo a orbitar ao seu redor, pois quando o dia raiasse, então ela se tornaria o sol, tão quente, tão brilhante, a despertar todos aqueles que desejavam jamais acordar, mas ao contemplá-la, então se tornaria um crime adormecer. Imaginei ser assim que os homens mundanos deveriam enxergá-lá, como o centro do mundo, a fonte da vida.

Deitado em minha cama, o cheiro das velas com um toque de canela que aliviava meu corpo ao entrar por minhas narinas, eu respirava profundamente para poder sentir aquele toque tão calmante a chegar em minhas entranhas, mas não era tão reconfortante como a essência que de seu cabelo emanava, entrava pelo meu corpo, a acalmar meus batimentos cardíacos, ao mesmo tempo que conseguia fazer algo em mim pulsar, a mistura adocicada de baunilha com um perfume floral, marcante, como seus olhos eram, que causaria loucura a qualquer abelha que perto dela pousasse, pois, ela era uma rosa, esses animais seriam sedentos por seu doce pólen, que todas outras rosas de todos jardins então se tornariam indesejáveis, amargas, com ela incomparáveis. Inconscientemente desejei poder me tornar uma abelha, para poder sobre ela voar em círculos, e então talvez ter o contentamento de depositar uma picada sobre sua pele, não para a machucar, mas sim para poder saboreá-la, mesmo que então, isso custasse a minha curta existência de abelha, a picada para mim fatal, mas tornaria uma experiência deleitosa. Um perfume tão forte, em uma mulher que parecia ter um sabor tão adocicado, como o doce que eu mais amava saborear, esse seria seu gosto sobre meu paladar, eu engoliria sem sequer precisar mastigar, pois, seria algo suave, sem nervos, macios, o sabor da minha amada jabuticaba.

Era como se eu ainda pudesse gozar do cheiro que de sua pele fluía, eu o sentia em mim, me lembrava em detalhes do momento em que seu corpo a mim se reverenciou, e o vento estendeu suas partículas diretamente para mim, onde me embriaguei com seu aroma.

Eu olhava para minhas mãos, levantadas sobre meu rosto, a partir de hoje a ela me tornei devoto, por o toque do selar daqueles lábios em sua superfície minha alma foi convertida. Existia um tom rosado que se fixou sobre meus dedos, como um lírio rosa que no meio de um jardim iria predominar-se, a deixar qualquer outra da horta a cobiçar para ser igual, uma missão impossível, pois nenhum tom poderia se comparar, tornando-as vermelhas ao serem consumidas por tanta inveja.

Cristo Redentor falará comigo, me mandará o que estimei durante anos de minha vida, ele se compadeceu de minha alma, um presente divino a eu foi ofertado.

Nas últimas semanas que se prosseguiam tudo acontecera tão depressa, ele estava comigo, me acompanhando a cada passo, sem deixar pelo caminho errado meus pés vacilarem, me guiando pelas veredas mortíferas, me guiando diretamente a ela, aquela de que minha alma tanto se compadecida, a mulher que de meu corpo necessitava para a salvação eterna, que estava tão perto de ser concedida.
O milagre estava perante a mim, o pai de todos me dando uma oferenda divina, eu era merecedor de todas suas bênçãos. Aquele selar de seus lábios em meus dedos. Eu podia sentir o gélido e molhado toque de sua boca em mim. Pouco faltava para que tudo se realizasse. Ela seria devota a mim, e seu corpo jamais usado novamente pelos homens cujo a alma era somente podridão, ela se tornaria pura de carne, tal como pura de alma, seria divina, livre de pecados, se tornaria um anjo, que quando sua longa estadia na terra findasse, para o céu retornaria, eu a conduziria para o caminho do paraíso, e por mim seria eternamente grata. Eu seria seu guia, sua salvação, perante seus olhos eu iria ser visto como consagrado. Era esta a vontade de Deus, ele falava comigo, me dava o dom de poder ler aquela mulher, como eu lia a sagrada bíblia, éramos dois opostos, mas ao mesmo tempo, da mesma alma compartilhamos, unidos por um milagre que mesmo ainda não realizado, já era possível sentir o suave toque milagroso em nossas mãos. A forma como ela não era capaz de tirar seus olhos de mim mesmo no momento que seu corpo se abaixou, em meu baixo ventre algo passou a consumir minha alma, a me devorar, sedentos por algo imensurável, eu estava ávido por algo cujo eu sequer tinha o conhecimento do que era. Eu queimava, como se estivesse no meio de um incêndio, o qual eu não seria salvo, meu corpo se tornaria apenas cinzas. Era como se eu estivesse febril, eu tremia, eu gritava.
O fogo a me assolar, enxameando-me, eu pulsava.
Minha mão, aquela que ainda possuía a essência de seu lábio, que tinha partículas de Hilda, possuía seu cheiro, emanava o calor de sua pele, sua boca fria, aquela que causou arrepio, que me esfriou, me esquentou, me acalmou, tirou minha paz, meu corpo a vibrar, a implorar por Deus. De meu manto ela se livrou, me deixando totalmente despido, eu estava nu de corpo e alma para o milagre, totalmente ao senhor eu estava rendido, entregue a aquele sentimento.
Uma nova forma de minha carne se apropriara, pude perceber ao ver meu corpo totalmente descoberto, uma forma cujo a mim era desconhecida, estava em brasas, o meio de meu corpo crescido, esticado, grande como nunca estivera outrora, eu estava pávido.

Busquei desesperadamente a fonte de todo meu desejo oculto. Meu corpo inteiro a vibrar, minhas mãos deslizaram, para cima, para baixo, esticando, puxando, eu estava entregue a insanidade. O milagre cresce cada vez mais. Era o sinal vindo lá de cima, Jesus me mostrava tudo que eu haveria de fazer por aquela alma, então minha mão mais rápido se movimentava, assim eu a alcançaria! Eu teria a resposta!
Era esse o sinal enviado diretamente do paraíso para meu corpo, estava acontecendo, estava perto, estava chegando lá, o meu milagre, Hilda Furacão.

A minha mão esquerda a deslizar para debaixo do travesseiro, onde alcancei seu sapato, enquanto a direita percorria pelo meu corpo, a glorificar ao senhor, subindo, para cima, para baixo, freneticamente, sentindo o milagre! A outra deslizava por entre o sapato, sentindo suas texturas, seus brilhos na ponta, as suas curvaturas, seu salto fino. Eu estava perto dos céus! Chegando a Deus! Estava quase lá!

Aos poucos me vejo enlouquecer, a razão de meu corpo se absteve por inteiro, a insanidade chegava e minha cabeça, eu não era capaz de raciocinar, eu sucumbi a loucura, minha alma a padecer.

-Hilda!-

A misericórdia de Deus chegou a mim. Completamente entregue ao divino, de coração, corpo e alma. Glorifiquei ao senhor. Meu corpo estava a formigar, eu tentava respirar, mas já não era possível. A glória eterna chegara ao meu corpo, para o paraíso meu corpo fora transportado, meu corpo se despejou, me desmanchei sobre a batina.

A meretriz - Hilda Furacão Onde histórias criam vida. Descubra agora