Capítulo 14 parte 2

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Eu não soube o que fazer, era curioso a forma que simples palavras poderiam acarretar em um terremoto, ou sendo melhor dito, Furacão. A forma como em poucos segundos provoquei sua pólvora, acendendo seu fogo. De uma forma, mesmo sem sabendo como proceder, eu pude realizar o poder que tinha nas mãos, como eu podia tão facilmente a conduzir.

Era curioso. Tudo naquela mulher era inusitado, tão insólito em meu viver, coisas que meus olhos jamais pensaram presenciar, desde sua aparência, e seus modos finos, ao mesmo tempo que vinha com aviso de cuidado, pois havia em seu corpo risco para quem de si se aproximasse. E este, chamado perigo, tão temível, tão cruel, amargo a língua, como fél, que afligia, que trazia tribulações, tão ameaçador, mas com uma voz envolvente, que me deixava em deslumbros, sussurrando em meu ouvido, ia me cativando, me chamando, lentamente proferindo meu nome, tão perto de minha orelha que todo meu corpo se eriçava. Como as mariposas eram atraídas pela luz, ardente, que as faziam perder a lucidez, assim eu era seduzido, enganado por meu desejo pelo saber sobre o desconhecido.

-Passe a geleia para cá!- 

Não pude deixar de agitar-me, pois ao ouvir sua voz chegar a meus ouvidos, a lucidez por ela me foi devolvida, um pequeno pulo, e então olhei para seu rosto, que revelava seu emburreciemento perante a mim, seus lábios em um pequeno bico, as sobrancelhas a franzir, tornando seu rosto expressivo, e nos olhos, o mesmo brilho, aquele qual eu jamais poderia me abituar.

Então estendi a geleia para ela, que esticou a mão, de forma abrupta, agora ela não estava a proferir tal cortesia que vinha de companhia com a forma que de seu corpo e rosto provinham, sua face me mostrava brandura, distinta a tantas outras, entretanto, comigo sequer uma vez isso foi revelado. Comigo era sempre aspereza, sem sequer um toque de doçura, ela a mim manifestava todo seu rigor, com sua voz rouca e áspera. E eu gostava disso, não poderia mentir, eu tinha ternura, sentia gosto pela forma que era tratado, seu tom ríspido, suas palavras rudes, tão incivil. Me trazia prazer, a maneira tortuosa que a mim ela se referia, júbilo a mim era prometido, eu gozava em sua indiferença a mim, me deleitava no desprezo com que tinha sobre meu penar.

Sua mão esquerda firmou-se ao redor do pote, quando arrancou-o de minhas mãos, o abriu com a direita, a mesma que o penetrava com o dedo indicador, pegando uma porção, uma divina porção, e o levando para os lábios, que se abriram para o receber. O aroma de jabuticaba a rescender pelo ambiente, me causando embriaguez, enquanto podia vê-la se deliciando, lambendo toda porção, cada resquício que lá tinha, e então, o processo era feito outra vez, para a satisfazer, ela lambia, chupava, se fartando de tal sabor tão revigorante, e me olhava, com seus olhos que simulavam seu agrado, mantidos em mim, quando de sua boca o dedo era saído, então podia ouvir-se um estalar que pelo ar ecoava, entrava em meu corpo, a me deixar tonteado. O sabor que tocava sobre sua língua, que me deixava salivar, que a tornava gulosa, que fazia eu manter apenas a vontade de poder provar.

-O sabor te apetece?-

Perguntei. A tentar buscar por semelhanças entre nós, tendo em visto que a paixão pelo doce, tão açucarado, com um pequeno sinal de acidez pela fruta deixado, que por horas em um caldeirão, a fogo máximo fora mexido, para proporcionar a textura suave que se tornava como um fino lençol para nossas línguas, a se envolver por entre ela, causando sensações boas, arrepios, cócegas, era aprazível, tão acolhedor. Era assim que ela se sentirá sobre a geleia, eu tinha total noção, pois a forma que ela gemeu, mesmo que tão baixo, mesmo que tão macio tenha saído o som de sua boca, a maneira em que seu pescoço levemente se inclinou para trás quando sua fome havia sido saciada, o leve piscar em seus olhos, a forma que os cílios pareciam sobre si dançar, um calmo e sereno ballet, coisas que me indicaram seu fascínio pelo que colocava em sua boca.

-Eu gosto. Doces caseiros são meus favoritos. Tem algo aconchegante neles, a forma que parecem se casar com meus lábios. Não sei explicar, mas são melhores que industriais-

A meretriz - Hilda Furacão Onde histórias criam vida. Descubra agora