Capitulo 16

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Era como se mãos pesadas sobre meus ombros repousassem, a pender o meu corpo para baixo, pele nua, descoberta para a noite cruel tempestuosa, sendo devorado, a deslizar suavemente pela garganta da noite, a penumbra tempestuosa. Era como se a gravidade da terra quisesse me engolir, como se ela soubesse de todos os meus desejos e então louvasse pela minha queda, pela sucumbição ao inimigo. Como se eu, prostrado, joelhos sobre vidros estilhaçados perante si — não para o Altíssimo, mas sim por dor e melancolia. Era sentido que tais mãos, com longas unhas, a pele descoberta puxava, a agarrando, carne abaixo de suas garras, meu couro, ardente, toque cálido sobre mim, aos poucos a perder tom amante, que para enganar era por si assumido, logo já era extinto, a se avultar tal impetuosidade que era mantido dentro de seu ser, a corroer tudo que era puro. A imagem pintava um vestido de noiva, sendo manchado lentamente pelo sangue escarlate, pouco a pouco, levando qualquer um a desesperar-se pela ruptura de tal brilho, tal tecido branco. Esse era o silêncio, que transgredia meus ouvidos, eu precisava ouvir! Mas isso já não era ofertado. Por ele eu era agredido. Me corroia, de dentro a fora. Um peso em meu coração, como se suas batidas estivessem mais fracas. Como membros dentro da água, não movendo-se de maneira ágil. Como se meus medos estivessem atrás da porta e Jesus fosse voltar amanhã.

Não parecia tarde demais quando para cima meus olhos foram, mas o tempo logo findou-se, este que em espera deixei, sem pestanejar, o ponteiro a rodar, voltas infinitas, fixamente o vendo partir, algo em mim se foi junto, naquela certa madrugada, tão específica, que jamais poderia ter se passado a viver.
O ar se tornava tão pesado que os pulmões não eram eficazes em exercer suas funções, sendo então inúteis, como eu, incapazes. E jamais, em vida, eu havia chegado tão perto de ser a estátua de um Santo. Porcelana pura. Pesada. Sem movimentos. Mesmo que a distância se mantivesse, o silêncio discorrendo entre diálogos, por mim sendo vista de cima, eu a teus pés, como prostrado, como um servo, sem razão de algo proferir. Sentada acima de mim, em meu colchão, em vestes brancas tão amassadas contra a pele, caindo sobre os ombros, relâmpago no céu, de trás de seu corpo, a iluminando, como algo ilícito de se olhar. Algo que poderia meus olhos queimar, caso eu passasse tempo o suficiente observando. Tão puro e tão vil. Ao mesmo tempo. Um anjo condenado a vagar entre a humanidade. Um demônio que teve como provação trabalhar pelas ruas de cristais do paraíso.

As vestes postas sobre teu corpo, leve como um penar, trevas adormecidas, em seu repouso. Teu corpo gritava Céu e Inferno. Eu pude afirmar no silenciar de pensamentos voluptuosos, se daquele corpo se fizesse santo, tão puro quanto uma rosa, não haveria pessoa que por si não se tornaria devoto. A razão do findar do ateísmo. Outras religiões cairiam, a tomariam para si, como sagrada verdade. Posta ao lado da mãe de Cristo. No Altar dos santos. O rosto outrora tão expressivo, congelado em uma expressão contemplativa. Eu assumiria pata mim mesmo, me tornaria um fanático. Adepto a loucura de sua santidade. Onde tudo para mim se tornaria para si. Meu mundo, a aquele corpo pertenceria. Eu me tornaria o artista a esculpir, ou em uma tela por cada um de seus detalhes. Eu viraria Sacristão, para seu manto adornar todos os dias. Lavando suas vestes em minhas próprias lágrimas, oferecidas somente a ela, para brancas mantê-las.

—Você está certo, Santo. Nada sei eu sobre ti. Mas muito menos sabe sobre mim. A diferença, é que sobre um de nós, paira o desejo ardente de conhecer, conhecer o proibido. Tenha uma ótima noite, repouse em Cristo.— A voz que outrora era árdua, agora, tornou-se mansa, como as águas de Mara, como na Bíblia citada, amargas, que doces se tornaram.
As palavras que a meus ouvidos eram chegadas, emitindo significados os quais eu não era capaz de compreender de início.
Seu corpo agora, se jogava na minha cama, entre lençois era engolida, pronta para repousar, a chuva mostrava indícios de calmaria, menos agressiva, mas ainda cruel, apenas menos estrondosa, ainda igualmente sagaz. Que fazia entre gotas pós gotas me perder, como em um labirinto, em que minha cabeça decapitada no meio se encontrava, e meu corpo sangrento, sem cérebro para os comandos o fazer, buscava o encontrar, sempre indo por caminhos errôneos, onde minha cabeça batia sobre teus muros, caminhos sem saída. Os ponteiros do relógio a percorrer, seu som a estalar, me causava arrepios. E ouvir a respiração da mulher que estava acima de mim, não era de utilidade para a minha calmaria, a cada vez que eu podia ouvir teu corpo girar sobre o colchão, era automático para mim prender o ar que implorava para escapar de meus pulmões.

Tuas palavras em minha cabeça permaneciam a rodar, em voltas eternas, como brincadeira de criança, correndo em círculos infinitos, que me deixavam tonto. Seria eu parvo? Para não entender palavras que simples pareciam. Sem sequer uma palavra que me era desconhecida, sequer um vocabulário ataviado, composto por dialetos que numa cidade tão pequena quanto Santana seria hábil de ensinar. Não. Pelo contrário. Eram apenas palavras, pouco enfeitadas, que um mistério sobre ali pairava. Eu pensei que nunca seria hábil a descobrir sua acepção. Mas logo caiu a tona. O sacrilégio que se mantinha nos escombros, no fundo de alma corrupta, que se escondia em pureza em meio a uma batina tão branca, onde tão vazio era que se podia ecoar, o ouvir, daquilo que me assassinou.

“Pecador”. Pude ouvir a ressoar. Eu era. Era eu.

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Notas da autora

Espero que tenham gostado desse capítulo.

Finalmente acabamos a saga da hilda no convento, proximo cap ela ja ta na zona, nem parece que so se passou uma madrugada ne? Pela quantidade de capitulo parece mt tempo.

Agora é só ladeira abaixo. Bjs.

A meretriz - Hilda Furacão Onde histórias criam vida. Descubra agora