Capítulo 18

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O calor do verão tomou por sua fúria o total domínio sobre a grande Belo Horizonte, mesmo em uma noite como aquela, com o céu prostrado pela escuridão, era devorado, onde as estrelas se escondiam, por de trás do véu, para não terem mesmo cruel fim. A lua pálida pela metade, era minguante, tão perto da nova, então, da janela, eram atentos os meus olhos curiosos a navegar por tão vasto esplendor, para mesmo no meio das trevas angustiantes poder contemplá-la, com todo cuidado para não a perder de vista por mais vezes, pois era grande o temor, tão bela e delicada, tendo uma vez desviado a atenção de sua sutileza, se esses olhos fossem inúteis e então dela abdicassem como poderia eu me perdoar? E se por um terrível acaso essas minhas íris não a encontrassem? Se mesmo com uma grande bússola, um telescópio, não fosse então mais capaz de me localizar? Mesmo sabendo minhas exatas coordenadas, eu estaria então perdido. Teria eu que no céu buscá-la. Minha alma era situada pela lua, e por Deus. Ambos eram minha guia. Com as mãos estendidas aos céus, e os olhos grudados nela, então, eu jamais estaria perdido, jamais só, mesmo em terra estranha.


O tempo era algo pelo qual eu já não permitia mérito algum. Que era o tempo? Este não era nada, se não cruel, apenas empecilho para a magnitude dos astros. Às vezes as horas pareciam correr, e em seguida, pareciam ser eternas. A concepção do significado de tal palavra, aquela que nunca para trás poderia andar, já não fazia sentido para mim, pois eu vivia em um dia obsoleto preso em minha mente, eu habitava retrógrado em minhas próprias vivências. Eu não vivia no hoje, muito menos no ontem, eu estava naqueles transcorridos dias, que apesar de breves eram eternos, todos os dias aqueles quais eu a vi. Esta de quem minha mente domina não é mais a lua, apesar de tantas semelhanças, a inconstância, que me fazia em confusão viver. Esta era ela. Hilda Furacão. Que me acorrentou, sem necessitar de algemas e cordas, que me calou, sem precisar de mordaças. Atos os quais apenas ela era capaz.

Seria ela humana? Ou um conceito criado em minha mente? Eu tentava encontrar a resposta, já não tinha mais certeza, apesar de recordar que um dia eu cheguei a pensar que tinha total fluência sobre ela. Mas eu nunca a conheci.

Hilda era algo inexplicável. Meu cérebro era inconcebível de reconhecer sua existência. Como eu poderia compreender algo que jamais poderia ser estudado?

Pois ela era tudo. Ela era arte abstrata, quais horas eu passava olhando, tentando desvendar os mistérios da mente do artista que a criou, calculando cada uma das pinceladas, os tons usados, os formatos, onde apenas fazia sentido para quem o sentiu. Sentir a arte. Eu não era capaz. Pois também, ela era arte clássica. Ela era uma obra renascentista, pintada por Da Vinci, teria um sorriso que tornaria o de Monalisa um nada. Ela era escultura, feita por mão de Michelangelo, que estruturou minuciosamente seu corpo, descobrindo enfim a perfeita anatomia. Ela era enredo de livro. Como a misteriosa Capitu. Ela era poesia. Era música. Era o som de um instrumento. Era a melodia. O ritmo. Era tudo.

Cento e trinta e quatro dias, foi quando parei de os contar. Os dias que não a via. Memórias de tal noite chuvosa, a água sobre Minas já não caia a tempo, não como naquele dia, calor infernal em dominância.

E eu estava me afogando, mesmo na margem, as ondas me puxavam. Morrendo no raso. O raso das horas, minutos, segundos daquela noite eterna, que se acabou. E eu nunca mais a vi.

Agora, a agonia tomava ainda mais meu corpo. Pois no meio do pecado ela estava. E eu o sabia. Era chegado a época em que os homens suas almas entregavam, se deixavam levar pela profanação. Pela nudez. As marcas do sacrilégio grudada na pele, impregnadas nas ruas, com teu estrondoso som, o som enganador, que atuava alegria, como em um teatro.

Mulheres pintadas, nuas, sem pudor algum, a dançar, dança diabólica, que duraria por toda a semana, mesmo que seus joelhos se cansassem. Homens como lobos, a beber seu álcool, se induzindo ao coma, cada gole, um seguido do outro, os queimando de dentro a fora, e tão pintados quanto as mulheres. Ambos, independentemente de seu sexo, se entregavam a isso, seja dama, seja cavalheiro, o pecado não fazia distinções, talvez esse era o motivo de tanta adoração a ele. Era pertencente a todos que se entregavam. Era assim o Carnaval. O feriado dos pecados.

Mesmo na capela, de tão longe, fechado por tantas portas de madeira pesada, os longos corredores, as paredes, estas não velaram o som, que me atingiu, como um despertador aos meus ouvidos, foi como um chamado. A noite que recém se fez sobre nós, ele não espera, ele tem sua pressa, o pecado sai de sua toca, e percorre pelas ruas daquela cidade, a contaminar, como uma epidemia. Aqueles que no meio da heresia viviam eram doentes, era incurável até mesmo para os médicos, pois o que se rompia, eram suas almas.

Pude ouvir bem, o som do tamborim, em meio a risadas, batidas em um pandeiro, a gritaria, fantasiada de diversão, a algazarra, o tocar do bongo não podia passar por despercebido. O som turvo, já me deixava em náuseas.

Agora já não me restava outra opção, mesmo que meus pensamentos tentassem me guiar em outra direção, momentaneamente eu lutava contra isso, mas então notei, como poderia eu o apelo ignorar? Eu não era ninguém, se não quem poderia a salvar. Era meu milagre. Para ser santo, o pecado teria que diante dos meus olhos se mostrar. Eu não conhecia o pecado. Eu o desejava.

As minhas pernas foram depressa a teu encontro, pois a voz rouca e doce me evocou. Eu senti. Como o canto da sereia, que eu me permiti sentir. Com o capuz branco em minha cabeça, corpo curvado, eu fui às ruas.

Olhos santos não são aqueles cegos, que o pecado nunca contemplou, mão santa não é aquela que de sangue nunca se sujou, lábios santos não são aqueles de quem nunca beijou. Os olhos santos são os olhos daqueles que o viram, mãos santas são aquelas que tocaram, lábios santos são aqueles que oraram.

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Notas da autora

Gostaram? Eu estava sumida por causa dos estudos, ano de entrar pra faculdade, então infelizmente as atualizações não serão tão frequentes, ainda mais se vocês desistirem de mim. Espero que comentem bastante, estou sentindo falta de alguns comentários.

E simm especial de Carnaval atrasado, era para eu ter postado mês passado, mas n rolou. E sim, ele tá indo pra zona Boêmia atrás dela!!

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⏰ Última atualização: Mar 13 ⏰

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