Capítulo 49

3K 131 3
                                    

Acordei no dia seguinte e antes que Madu acordasse eu saí de casa. Dirigi até Realengo pra falar com Tony e assim que cheguei na barreira do morro fui parado. Talvez porque depois que eu subi de cargo, nunca mais pisei aqui, eles não me conheciam.

- Fala tu, vai pra onde irmão? - um dos vapores me perguntou quando eu abri o vidro do carro. Ele olhou pra pistola no banco do carona e me olhou apontando a arma dele pra minha cabeça.

- Quero falar com Tony, avisa a ele que o Sombra tá aqui. Ele sabe quem é. - ele concordou lentamente e puxou o radinho, sem tirar minha cabeça da mira.

- Chefe, tem um Sombra aqui na barreira. Quer falar contigo, eu deixo subir? - segundos depois Tony respondeu.

- Sombra? - ele pediu pra confirmar e o rapaz concordou. - Porra, manda subir. Tô aqui na boca.

O vapor liberou minha entrada e eu dirigi até o local que eu já conhecia. Nada mudou aqui em dez anos, tudo ficava no mesmo lugar.

Saí do carro vendo que os vapores na entrada da boca tavam me olhando. Dei duas batidas fracas na porta do final do corredor, que eu sabia que era a sala do Tony e ele liberou minha entrada.

- Meu irmão, quando ouvi teu vulgo nem acreditei. - ele se levantou da cadeira e fez toque comigo. - Porra, tá um homem, nem parece o molequinho que saiu daqui.

- E tu tá mais velho, meu parceiro.

- Vai tomar no cu, viado. Me lembra não. - ri e ele sentou de novo e apontou pra cadeira na frente dele pra que eu sentasse também. - O que te trouxe aqui? O que tá rolando?

- Muita coisa aconteceu, chefe. - ele concordou com a cabeça. - Mas quero ir logo direto ao ponto, porque o tempo tá curto. Eu quero sair dessa vida.

Ele me olhou espantado e se ajeitou na cadeira.

- Sair porque? Tu sempre quis chegar onde tá agora, vai vazar assim do nada?

- Chega uma hora que é preciso, irmão.

- E tu já sabe que o conselho vai tirar tudo de ti né não? - eu concordei com a cabeça. - Me diz o que tá rolando na tua vida, Rafael.

- Porra, tô com umas responsabilidades bem mais importantes que meu cargo agora. Mulher e filho que...

- Puta que pariu. Tá com mulher? E ainda com filho? Quem diria ein, Sombra. - ele bateu palmas. - Mas tá fazendo bem. Quem me dera ter a coragem que tu tá tendo. - ele disse e olhou pra baixo. Sei que ele se referia a mulher que se afastou e levou a filha dele pra longe desse mundo. E ele não fez questão de ir atrás porque queria ver o bem das duas.

- Mas é isso irmão.

- Bora fazer o seguinte. Passa cinquenta por cento de tudo pro nome da tua mulher ou de outra pessoa. Passa metade do dinheiro da tua conta pra conta dela. E arranja outra coisa com esse dinheiro. O conselho vai tirar tudo de ti, mas não vai mexer no dinheiro dela, principalmente se não souberem quem é ela.

- Tem certeza? - ele concordou com a cabeça.

- Vai pra outro canto pra não te caçarem, leva tua mulher pra viver uma vida de princesa e faz tudo o que eu não fiz. Tu tem meu total apoio e respeito, Rafael. Homem de verdade faz assim.

- Valeu aí, irmão. Vou ver com a dona o que nós vai fazer.

- Vai voltar aqui qualquer dia desses pra gente assar uma carne? - ele perguntou e eu respondi que ia ver. - Ah, quase esqueci. Fiquei sabendo do Rei que tá foragido.

- Ele mexeu com a minha mulher, porra. Não matei porque ainda não encontrei com ele, mas assim que eu achar...

- A tua mulher é filha de polícia, Rafael? - ele perguntou baixo. - Eu soube que ele mexeu com a filha do delegado, é tua mulher? - fiquei calado. - Porra, Sombra. Aí tu fode a gente, os cara do conselho vão aceitar isso não. - ele continuou falando baixo, quase sussurrando.

- Eles não precisam saber, e se eles souberem, eu vou saber que foi tu meu parceiro. - falei e ele assentiu ainda pensativo.

- De mim não vão saber de nada. - ele me confirmou e eu confiei, Tony sempre foi de confiança pra mim. - Mas tome muito cuidado, tu é visado pô.

- Deixa comigo, Tony. Valeu aí pela força. Qualquer coisa eu te ligo.

- Vai na fé irmão, e ligue mesmo!

Fiz toque com ele e o cara fez questão de me levar até a entrada. Ele ia na moto na frente e eu ia com o meu carro atrás.

- Valeu aí, parceiro. Volte sempre. - ele disse na janela do carro. - Passa aqui no domingo, vai rolar churrasco e pagode. Traz a dona pra eu conhecer.

- Vou colar aqui. - confirmei presença e ele assentiu me dando espaço pra que eu passasse.

Voltei pro apartamento e subi pelo elevador. Quando entrei, dona Jane tinha posto a mesa do almoço e a barrigudinha já tava me esperando.

- Finalmente você chegou, já estava com fome. - ela falou e me beijou.

Sentei na mesa quieto e dona Jane se sentou na nossa frente pra comer também. Madu estava do meu lado e começou a se servir.

Dona Jane trocava algumas palavras com Madu enquanto comiam e eu não prestava atenção em nada. Pensava em mil outras coisas mas tentava acompanhar o que as duas estavam falando, mesmo sendo um assunto por minuto.

- Você não concorda, meu filho? - eu olhei pra dona Jane que foi quem perguntou e ela me encarava esperando uma resposta.

- Não prestei atenção, foi mal. - falei e elas reviraram o olho juntas, me fazendo rir.

- Estamos falando do enxoval do bebê, Maria disse que é muito cedo pra comprar, mas quanto antes começar as compras, tem menos chance de esquecer algo.

- Mas a gente ainda não sabe se é menino ou menina. - Madu contestou.

- Aposto que é uma menina, pra deixar Rafael de cabelo branco. - arregalei o olho e neguei com a cabeça.

- Ainda bem que meu porte de arma tá em dia. - eu falei e elas riram.

O CHEFE DO TRÁFICOOnde histórias criam vida. Descubra agora