Capítulo 43

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RAFAEL

Era difícil pra mim mais uma vez abrir o jogo com Madu e desenterrar parte do meu passado.

- Eu não quis te contar, porque tava enterrado na minha memória e não é algo que eu faça questão de lembrar.

- Mas eu faço questão, me explica essa história. - ela falou e olhou nos meu olhos temendo o que viria a seguir, respirei fundo e puxei ela pra se sentar no meu colo.

- Minha mãe quando eu era moleque pegou Rei pra criar, adotou ele pois era o maior sonho da vida dela ter outro menino, eu tinha seis anos e Rei, que na verdade é Thiago, tinha quatro. Ele sempre foi recluso, não brincava na rua comigo e os outros meninos e nem falava com ninguém em casa, sempre foi na dele e nós não ligávamos muito porque era o jeito dele. Fomos criados como irmãos, na mesma criação. Até que com meus 13 anos, meu pai perdeu tudo, emprego, carro, quase perdeu a casa e se jogou na bebida com o dinheiro que minha mãe pegava como costureira. Depois daí foi ladeira abaixo, ele começou a abusar da minha mãe, batia nela toda vez que chegava bêbado e me batia ainda mais se eu tentasse defender ela. O conselho tutelar bateu lá em casa e tirou o Rei de nós porque disseram que ele estava em situação de risco, como eu era filho de sangue, não conseguiram me tirar também. Minha mãe entrou em uma depressão profunda e se culpava por tudo o que estava acontecendo.

- Meu Deus. - Madu ergueu as sobrancelhas.

- Em momento algum minha mãe expulsou ele de casa, deixava ele bater na gente porque tinha pena de jogar ele na rua. Meses depois a gente começou a passar fome, porque todo dinheiro ele gastava com bebida e começou a usar droga também, e tudo só piorava. Todos os dias eu ouvia os gritos da minha mãe e sabia que ela tava sendo abusada. Isso me dava muita raiva, ver minha mãe sofrendo tanto por escolha dela.

"Foi nesse momento que eu procurei ajuda na boca do lugar que a gente morava em Realengo, comecei no mesmo dia como avião, eu passei a ser ganancioso, todo dia era só vinte reais que eu ganhava mas obviamente eu não estava satisfeito. Queria mais. Subi no mês seguinte de cargo pra vapor e fui subindo até chegar em gerente geral da boca, bem do lado do dono de tudo. Nesse tempo eu já nem parava em casa mais, passava o dia trabalhando e odiava ficar na minha própria casa, só passava lá pra levar comida pro mês e não voltava mais."

"Eu ganhava muito dinheiro, era arriscado, mas eu não tinha nada a perder, conseguia colocar comida na mesa e sustentava a casa com quinze anos. Tony, o dono do morro de lá me fez a proposta de assumir o tráfico do Rio, porque quem assumia antes tinha desistido e acabou deixando vago o local. Eu aceitei de primeira mas ele me disse que pra entrar eu precisaria abrir mão de alguma coisa importante, pra provar que eu mataria e morreria por esse cargo. E foi aí que eu vi a oportunidade de eliminar meu pai das nossas vidas, mas quando eu cheguei em casa naquela noite, eu vi a cena que até hoje me perturba. Meu pai entregou minha mãe pra um outro homem, eles dois estupravam ela que sangrava e estava desacordada." - minha voz começou a falhar e eu engoli em seco.

- Rafael, você não precisa continuar se não quiser.

- Mas eu quero! Quero que você saiba de tudo na minha vida, quero que você saiba quem eu sou de verdade. - falei e ela assentiu com os olhos vermelhos de chorar. - Eu atirei na cabeça dele, sem pensar duas vezes, eu matei meu pai, minha mãe já estava morta, eles drogaram ela e ela morreu de overdose. A mídia queria tanto me culpar pela morte dos dois que alteraram o resultado da autópsia, eu fui preso, mas não tinham provas contra mim, só uma testemunha, mas ela não viu nada do que aconteceu, por isso me soltaram e eu paguei uma boa grana pra que tirassem meu rosto dos jornais e por isso hoje todos esqueceram do que aconteceu.

"Anos depois, soube que os pais biológicos de Rei encontraram ele e eles de todas as formas tentavam me afastar do filho deles porque sabiam quem eu era e o que fazia. Até que um dia eles me denunciaram pra polícia, disseram tudo da minha vida que eles sabiam. Meu antigo parceiro, Luan, teve a ideia de invadir a casa deles como vingança, mas eu não quis que fosse assim, então ele por si só foi até a casa, torturou e quando eu cheguei lá eles já estavam mortos."

- E porque você assumiu a culpa? - ela perguntou.

- Nada justifica, mas eu me culpei por não ter parado Luan na primeira oportunidade, me culpei por algo que eu não teria coragem de fazer, e carrego essa culpa comigo porque sei que no fundo a culpa é minha. E sobre não me arrepender de nada, eu realmente não me arrependo porque tudo o que eu passei fez eu me tornar quem eu sou hoje e me ensinou muita coisa.

- A culpa é somente de Luan. Não é sua, não carregue esse peso que não é seu.

"Thiago sumiu por anos e apareceu há dois anos atrás, envolvido no tráfico e em cargo alto também. Ele quer minha cabeça pra ocupar meu lugar e se vingar pelos pais, mas vai ser difícil, já que ele não é o único. Agora ele se juntou com seu pai e isso não me preocupa, seu pai não sabe metade da minha vida e o que ele sabe é o que Rei contou, e Rei só sabe um terço."

- Rei entrou na sua casa no morro, como ele conseguiu se é rival? - ela perguntou.

- Ele entrou durante uma invasão que teve ontem, entraram pela mata, não fizeram estrago nenhum e recuaram. Foi o tempo de ele entrar.

Senti meu celular vibrando com uma ligação e vi na tela que era Ester.

- Fala, buchuda. - eu falei e coloquei no viva voz.

- Seu filho da puta, sai arrastando meu marido pra missão e agora ele tá aqui no hospital baleado. Se Deus me livre, meu filho crescer sem pai, você que vai criar. - ela falou e eu sabia que estava brincando por isso só ri. - Vim trazer notícias. Ele acabou de sair da cirurgia, tiraram a bala e por pouco não perfurou o pulmão. Ele tá estável, tá desacordado ainda e sob efeito de medicamentos, mas tá bem.

- Vou aí amanhã cedo visitar ele. O cara é de ferro, te preocupa não. - falei e ela riu.

- Ninguém é de ferro, Rafael, e você já tá avisado, para de levar meu marido pra suas missões, arranja outra pessoa. - ela falou me ameaçando e Madu riu. - Madu fala pra esse maluco largar meu homem.

- Pode deixar, Ester. Vou garantir que Felipe não vai mais sair de casa. - olhei feio pra ela.

- Muito obrigada, gata. Eu vou pra casa descansar, o bebê ta chutando muito e eu não posso dormir aqui no hospital, então amanhã eu volto pra cá. - ela falou e suspirou.

- Te dou uma carona amanhã, beleza? - falei.

- Beleza então. Boa noite pra vocês, juízo. Não façam nada que eu não faria.

Rimos e ela desligou a chamada.

- Vamos deitar? - chamei Madu.

- Eu tô sem sono, não vou conseguir dormir agora. - ela falou e se levantou. - Vou assistir alguma coisa e depois deito.

- Vamos só ficar deitados então, você coloca alguma coisa pra gente assistir. - ela assentiu e eu cruzei as pernas dela na minha cintura e levei até o quarto.

Deitamos na cama e eu abracei a cintura dela, colocando minha cabeça em seu peito sentindo sua respiração.

- Você poderia morar aqui. - eu sugeri baixinho.

- Não poderia não, acabamos de começar a namorar, literalmente. Temos dois dias de namoro. - ela falou e eu dei de ombros.

- Pra mim não importa. Quero você perto todo dia. - ela gargalhou.

O CHEFE DO TRÁFICOOnde histórias criam vida. Descubra agora