Olha pra mim

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"Sobre o último beijo
Eu queria que fosse o primeiro mais uma vez
Cê me chama de amigo
Mas que amigo é esse que rouba a minha lucidez?"
(Diego Martins)

Diego~

"Então..." Comecei a falar quando o maior entrou na cozinha, eu estava virado pro fogão, mas sabia que ele havia entrado no cômodo, pois sempre andava arrastando os pés. No começo me irritava, mas agora eu gosto de ouvir e saber que ele está por perto.
"Rafael me disse que a Thati pode me ajudar na questão do emprego." Senti suas mãos segurarem cada lado da minha cintura, suspirei com sua aproximação, me distraindo da minha tarefa principal: fazer mistos quentes perfeitos para o café da manhã, seus lábios deixando um beijo em meu pescoço, vergonhosamente me fazendo arrepiar com o contato. "Os pais dela tem uma livraria..." Continuei, Amaury passou o nariz em meu pescoço.
"Tão cheiroso." Ele sussurrou, eu bufei, o rapaz mais alto, parecendo mais carinhoso que o normal desde ontem.
"Você ao menos me ouviu?" Perguntei, tendo a ideia de merda de me virar de frente pra ele, nossos corpos quase colados, enquanto podia sentir o calor do seu hálito contra meu rosto, se eu inclinasse um pouco a cabeça para cima, a fim de olhar em seus olhos e erguesse meus pés apenas alguns centímetros do chão, eu poderia provar o gosto dos seus lábios nos meus, umedeci meu labio inferior, seu perfume gostoso entorpecendo meus sentidos e tirando minha razão, Amaury desceu os olhos para minha boca, como se tivesse realmente reparado nela, como os garotos geralmente fazem quando querem ou pretendem beijar alguém, ele olhou para meus olhos, sua expressão confusa, seu rosto se aproximando um pouquinho mais, me fazendo estremecer discretamente em ansiedade, ele não iria realmente me beijar... Mas ele parecia tão disposto a fazer.
Um som soando pela cozinha fez com que nós nos separassemos rapidamente, Amaury indo até o seu celular que tocava, jogado em cima da mesa e eu me virando como um furacão para o fogão, observando o pão com queijo e presunto como Leonardo provavelmente observou Mona Lisa, como uma obra super interessante e que necessitava da minha total atenção.
"Alô?" Ouvi quando Amaury atendeu a ligação, me virei, tentando não parecer um idiota nervoso, ele não ia me beijar, jamais beijaria, ele era meu amigo hetero, melhor amigo, que vivia com as mais diversas garotas por aí e me via como um irmão mais novo, odiava esse apelido em especial, eu não queria ser visto como seu irmãozinho. "Ahh claro... Podemos sim..." Eu estranhei, não conseguia imaginar quem era e o que Amaury poderia fazer, principalmente em uma terça as sete da manhã. "É, eu vou pra faculdade com o Di... Sim, ele mesmo... Na verdade ele até queria falar com você... Isso, nós nos encontramos depois das aulas, vocês conversam e aí nós dois saímos." Eu arregalei um pouco os olhos, não era possível, ele chegou ontem na faculdade, na porra do estado! E já estava sendo convidado para encontros, eu me sentei, abaixando a cabeça e tomando meu café em silêncio, Amaury não demorou a desligar o seu celular, se sentando e pronto para pegar o misto quente feito para ele, que estava em um prato no meio da mesa, fui mais rápido e puxei o pão para meu prato.
"Que isso?" Ele perguntou, olhando os dois pães no meu prato. "Esse não era meu?" Ele perguntou, eu estava enfiando o pão na boca o mais rápido possível, o meu amigo me encarando perplexo.
"Não!" Eu resmunguei, de boca cheia. "Se quiser faz, porém não vai dar tempo. Tem maçã na fruteira." O maior abriu a boca, parecendo perplexo.
"O que? Diego! Você disse que ia fazer as refeições, porque isso?" Eu revirei os olhos, porque você é um idiota, pensei, sentindo meu estômago afundar, uma sensação ruim, ao ser pego fazendo algo tão infantil, como roubar comida apenas porque fiquei chateado. Dei de ombros.
"É pois é, mas eu tenho que sair mais cedo hoje, estou saindo agora." Falei me levantando rapidamente, Amaury me olhando como se eu fosse um et, eu apenas peguei minha mochila e saí pela porta, não ousei me despedir ou olhar em seus olhos, para não dar tempo dele perguntar porque eu estava saindo meia hora mais cedo.
Quando atravessei a porta, sentindo o calor do Rio de Janeiro as sete da manhã, sem saber porque eu estava me sentindo tão mal com o fato do mais velho ter um provável encontro, eu já devia ter me acostumado com esse seu jeito, ele saia com qualquer ser que respirasse.
Passei em frente a uma loja com vidro espelhado, meu reflexo parecendo confuso e afobado, bom, não com qualquer coisa que respirasse, não comigo...
Balancei a cabeça negativamente, tirei esses pensamentos da minha cabeça, os guardando em uma caixinha dos pensamentos de pouco acesso, aqueles que não posso ficar relembrando, passei a mão por meu rosto frustrado com meus sentimentos, acabei decidindo ir para o campus da faculdade logo de uma vez.

Amaury entrou na sala, observando o local como se procurasse algo, ou alguém, quando seus olhos pousaram em mim pude vê-lo suspirar, ele não parecia chateado ao se aproximar, estava mais para confuso do que qualquer outra coisa.
"O que aconteceu com você?" Ele perguntou, eu sabia que não adiantava falar que não havia nada de errado comigo no café, afinal ele me conhecia melhor do que ninguém.
"Me desculpa, eu acho que toda a adrenalina de ontem me deixou agitado, acabei não dormindo bem e acordei de mal humor." Ele não tinha culpa de eu querer beijá-lo, não tinha culpa de eu ver sinais onde não tinha e até mesmo do sentimentos confusos que possuía por ele... Talvez se eu arrumasse alguém, se desse uma chance para que alguém se aproximasse, eu esqueceria essa merda.
"Di, tá tudo bem... Eu estou com você, podia ter conversado ou vindo dormir comigo." Eu observei sua mão segurar a minha. "Estamos juntos nessa." Ele disse, um sorriso doce em seu rosto bonito.
"Eu sei..." Falei meio sussurrando, minha garganta trancanda com mais coisas do que poderia realmente pensar em dizer... Então esteja comigo de verdade... Olhe pra mim... Eu olhei em seus olhos, passeando por todo seu rosto que conhecia de cor, sabendo até mesmo onde suas mínimas pintinhas se encontravam, será que só ele não percebia? Balancei a cabeça negando para mim mesmo. Nesse momento Thati e Rafael passaram pela porta, encarei os dois no segundo em que sorriram ao nos encontrar.
"Oie..." Thati disse sorrindo, mas seus olhos estavam em Amaury, nós dois respondemos, a garota se sentando na mesa ao lado do maior, enquanto Rafael se sentava ao meu lado.
"Di, falei com a Thati sobre a livraria..." Eu o encarei e sorri, ele realmente havia lembrado e se preocupado em conversar com ela sobre.
"Diego, eu vou adorar ter sua companhia, o que acha de ir pra lá hoje? Posso marcar com meus pais..." Ela dizia realmente parecendo animada, sorri também, quem sabe não formavamos uma amizade?
"Claro... Vai ser ótimo... Você me acompanha? Eu não sei andar por aqui ainda..." Amaury que ouvia tudo quieto, limpou a garganta.
"Ah... Amaury e eu vamos sair depois da aula..." Ela comentou parecendo sem graça por me deixar indiretamente na mão, olhei meu amigo, mordi o interior da bochecha, tentando evitar algum comentário azedo, eu não tinha esse direito. "Certo, claro... Você pode me passar o endereço? Eu..."
"Que bobagem... Eu levo você." Foi o que Rafael falou, eu suspirei aliviado por não precisar andar por ai com a cara enfiada no celular, sorrindo para o maior.
"O que? Se quiser, Thati e eu podemos passar lá, deixamos você..." Amaury se pronunciou. Eu o olhei, fazendo-o parar de falar, sabia que meu olhar estava cortando como uma navalha.
"Besteira, Rafael me leva... Não quero atrapalhar... Aliás Thati, senta aqui... Preciso mesmo falar com Gualandi sobre a matéria que tivemos ontem..." Falei me levantando, Thati sorriu animada, claramente feliz em sentar perto do garoto que estava interessada, Maury apenas me olhou e deu de ombros, como sempre fazia quando chegávamos a beira de algo parecido com um desentendimento idiota. Me sentei atrás de Gualandi, o rapaz se virando para mim na hora, enquanto a professora entrava na sala.
Era isso, hoje eu começaria minha desintoxicação do Amaury.

"Wow..." Falei, olhando a pequena livraria que se encontra ao lado do campus de artes cênicas e tecnologia, o lugar na real era uma livraria café e era lindo, suas paredes são de vidro e havia diversas cadeiras e mesas em ferro retorcido branco espalhadas dentro e fora do lugar, havia também muitas flores e plantas verdes que faziam o local parecer meio mágico em frente aos prédios, entramos e eu quis gemer em satisfação com o cheiro de bolinho e canela que a parte de dentro tinha, no lado direito havia um balcão com os mais diversos doces e máquinas de suco e café, junto com mesinhas que possuíam seus cardápios, no lado esquerdo havia várias estantes, com muitos livros, porém nenhum, aparentemente, didático.
"A ideia daqui é de descanso... Não vai encontrar nada de Michael Chekhov aqui... Talvez na bolsa da Thati, ou na sua." Rafael divagou, me fazendo soltar uma risadinha por sua fala.
"Por isso conhecem tão bem a Thati? Mesmo ela sendo caloura..." Comentei, juntando as peças do porque a garota parecia tão popular, sendo que também havia chego naquele ano e possuía minha idade.
"Dos atores da sua idade, você é o mais inteligente." Ele citou.
"Rafael, você está flertando comigo?" Perguntei, sabendo que mais cedo, durante a aula, o garoto havia me perguntado se eu gostava de Harry Potter, após ver meu chaveiro com o emblema da corvinal.
"Está funcionando?" Ele perguntou.
Geralmente, nesse momento, era onde eu me afastava, porque os garotos não despertavam tanto interesse em mim como deveria acontecer para que realmente valesse a pena ir mais a fundo e tentar uma relação, parecia um gasto de tempo e energia desnecessários e eu me negava a dizer o porquê e por causa de quem, mas eu precisava tentar, precisava me esforçar e tirar da minha cabeça e do meu coração esse sentimento que eu tenho em relação ao Amaury, eu fui burro de mais ao focar cem por cento do meu tempo nele, que mal percebi pra onde meus sentimentos estavam indo, eu preciso esquecer antes que seja tarde de mais e eu esteja completamente apaixonado, de um jeito que vai nos machucar e me machucar.
"Por incrível que pareça, sim." Comentei, fingindo jogar um cabelo inexistente.
"Então... Se eu te chamar pra sair amanhã as oito, você vai?" Eu arregalei um pouco os olhos.
"Claro... Porque não?" Eu disse sorrindo. "Mas agora, eu preciso realmente tentar conseguir esse emprego." Disse, apontando para o balcão, onde uma mulher de meia idade apareceu.
"Certo... Boa sorte." Ele comentou, mas parou parecendo pensar em algo, um brilho engraçado passando por seus olhos. "Um beijo de boa sorte?" Eu erregalei os olhos, surpreso pela forma como ele era direto, revirei os olhos. "Cedo de mais..." Ele falou se virando, segurei seu braço, o maior voltando para mim, antes que ele pudesse pensar ou reagir, deixei um selinho em seus lábios bonitos, me virando sem falar nada e caminhando confiante até a mulher, não havia borboletas no estômago nem aquela queimação nas bochechas, mas eu estava feliz que finalmente, alguém parecia cem por cento focado em mim.
"Oi... Meu nome é Diego, Thati me falou que precisavam de alguém pra trabalhar." Comentei, um sorriso simples em meu rosto, as mãos na alça da mochila, seguras, um sinal de nervosismo, eu não conseguia manter minhas mãos vazias quando estava tenso ou ansioso.
"Claro querido, ela me falou sobre você..." A mulher comentou simpática. "Meu nome é Maria, tem o Pedro que é meu marido, ele antes me ajudava aqui, mas abrimos outra livraria fora do campus e ele precisa trabalhar lá... Você tem quantos anos?" A mulher parecia realmente interessada e nada intimidante, isso fez com que eu me acalmasse um pouco com relação a entrevista.
"Dezessete, estudo aqui, faço artes cênicas também..." Comentei, me mechendo em meus próprios pés.
"Ótimo, quais são suas disponibilidades de horário?"
"Eu posso a partir das treze, quando acabam minhas aulas... Na sexta eu não estudo, então poderia o dia todo..." A mulher abaixou os olhos, observando um caderno e algumas anotações.
"Certo... Bom, você é colega da minha filha, ela disse que ia adorar te ter aqui..." Eu segurei a vontade de revirar os olhos, claro que ia... Eu aqui, significava: Amaury por perto. "Então podemos fechar seu horário das treze às dezoito? Na sexta também... A tarde aqui é mais cheio, de manhã damos conta." Eu arregalei os olhos, feliz pela proposta.
"Claro! Pra mim seria perfeito." Falei me empolgando e gesticulando com as mãos.
"Certo! Vamos fazer assim então, amanhã meu marido vem pra conversar sobre seu salário... Também veremos sobre sua idade e questão de registro... Agora, que tal eu te mostrar a loja e depois um chá? Ou café? Você me conta mais sobre você... Estava parecendo tenso." Eu apenas concordei, feliz pela primeira impressão que a mulher me passou, talvez mamãe tivesse razão quando diz que eu tinha um imã para boas pessoas.

No fim, acabei ficando na loja até as dezoito horas, chegando em casa apenas uma hora depois.
Quando Thati apareceu na livraria, ela parecia sorridente como todas as vezes que nos encontramos, nem mais e nem menos, isso não me deu nenhuma pista de como havia sido o encontro dela com Amaury, suspirei ao abrir a porta do apartamento, eu não devia estar preocupado sobre isso, fiz uma nota mental de não perguntar nada...
Tirei mesmos tênis, deixando na entrada, ao lado da porta, o par do meu melhor amigo, já ali.
"Hey..." Falei, vendo o maior jogado em nosso sofá, seu peito nu e sua cueca preta não facilitavam a minha vida, ele ajeitou a postura no sofá.
"Oi! Ia te ligar agora, saber se não precisava que eu te buscasse no ponto de ônibus." Revirei os olhos para sua preocupação.
"Claro que não..." Comentei, soltei a mochila no outro sofá, meu amigo abrindo seus braços, gemi internamente por ser fraco de mais e não resistir a tentação. Caminhei até ele, parando em pé, ao seu lado, sua mão grande envolveu meu pulso e ele fez força o suficiente para que eu caísse sobre seu corpo, fiquei sentado de lado, as minhas duas pernas em cima das suas, seu braço envolvendo meu ombro enquanto a outra mão começava um carinho em minha coxa.
"Como foi lá?" Ele perguntou, se referindo ao meu novo trabalho, sorri não conseguindo evitar a empolgação.
"Foi incrível... A dona Maria é bem legal, ela até mesmo disse que não preciso me preocupar em levar café da tarde..." Comentei. "Você sabe o quanto eu amo comer, acho importante." Amaury revirou os olhos, um sorriso largo em seu rosto, sabia que ele foi contagiado por minha empolgação.
"Claro... Claro que se preocupa, como o bom e velho taurino que é." Ele comentou, rindo, deu dois tapinhas em minha perna, eu fiquei atento ao que ia dizer. "Sei que sabe se cuidar, mas amanhã quando estiver chegando, eu te busco no ponto... Me avise quando estiver perto." Eu mordi o labio inferior, seu olhar calmo e sério sobre mim.
"Amanhã eu não venho no meu horário..." Ele arregalou um pouco os olhos.
"Hora extra e faculdade... Tem certeza que não vai can..."
"Não, não..." O interrompi, percebendo que havia entendido errado.
"Vou sair, com o Rafael." Sorri, tentando parecer mais empolgado e sonhador do que realmente estava, Amaury parou, sua boca se abrindo e fechando, achei estranho, ele amava verbalizar o que pensava sem filtrar como iria sair.
"Tem certeza? Conheceu ele ontem..." Eu revirei os olhos, me soltando de suas mãos e calor gostoso.
"Você conheceu a Thati ontem e hoje já saíram, vou tomar um banho e preparar nosso jantar." Não fiquei para ouvir o que ele tinha há dizer, ou ver sua reação.

Eita atrás de de eita
Vish atrás de vish

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