"Vou ser sincero com você
Acho que pra mim já deu
Faz um tempinho que não sou seu
Até a cama percebeu
Que esfriou demais
E seu toque não traz"
(Marília Mendonça)Diego~
"Vamos lá pessoal!" Glória, falou alto, batendo as mãos enquanto nós parávamos o ensaio para prestar atenção nela, na verdade era mais um momento de preparação. O teatro se encontrava uma bagunça, alguns alunos estavam responsáveis por montar o que seria usado como cenário, outros pelos figurinos, enquanto os que possuíam um personagem faziam alguns exercícios, principalmente Thati, Amaury e eu, que teríamos mais cenas e a maioria delas juntos. A professora sorria e isso fez com que eu respirasse mais aliviado, já que, aparentemente, não havia nenhum problema. "Agora eu quero que vocês sentem e deixem apenas nosso Charlie e Sam, no palco." Eu encarei Amaury, que também me olhava, nenhum dos dois sabendo o que aconteceria. Todos os alunos desceram e se posicionaram nas cadeiras do teatro.
"Amaury e Diego, esse será o primeiro ensaio de vocês! Escolham a cena e façam, quero trabalhar a química de vocês... E também a ansiedade de uma plateia." Ela disse, apontando para os nossos colegas de curso.
"Claro..." Falei e olhei Amaury, ele sorriu tranquilo e deu de ombros, deixando eu decidir qual cena faria. "Podemos fazer a primeira cena deles... A cena em que Charlie vai até as secretarias e pergunta sobre quem respondeu a carta de sua avó." Falei, Glória parando para pensar por um momento.
"Parece ótimo! Por mais que os dois não se conheçam, eles já passam ao público a sensação de que algo nascera. É isso que eu quero!" Ela concluiu, Amaury e eu fomos ao centro do palco, respirei fundo algumas vezes enquanto via Amaury se preparar também, nessa primeira cena não precisávamos das falas porque já conseguimos decora-las e era uma cena pequena também.
Amaury deu dois passos mais perto de mim, sua expressão mudando, ficando séria de repente.
"Eu posso saber, qual de vocês escreveu esta carta para minha avó, Claire Smith?" Ele perguntou, eu fiz uma expressão surpresa e dei um passo mais perto dele.
"Eu escrevi e nem acredito que vocês receberam..." Falei, vendo Amaury focar seus olhos nos meus, um sorriso em meu rosto... Ele me puxou para o lado, pulando uma ou duas falas, para que a cena ficasse mais curta naquele momento.
"Mas agora me diz, porque você fez isso?" Seu tom parecia o de um adulto falando com uma criança, eu estava amando vê-lo atuar.
"Eu achei... Que ela merecia uma resposta." Conclui, firme em minha escolha e o olhando um pouco confuso.
"Há cinquenta anos, sim! Mas não agora." Ele disse, indignação escorrendo por usa voz, fiz uma careta confusa antes de continuar.
"Desculpa... Mas o amor não tem data de validade." Pontuei, já me mostrando incomodado com a presença do mesmo.
"Amor verdadeiro?" Ele perguntou incrédulo. "Você tá de brincadeira? Tem ideia do que teria acontecido se ela não tivesse fugido?" Seu tom de voz um pouco mais alto e bravo.
"Tenho sim! Você não estaria aqui me incomodando." Falei debochado e sério, nós sorrimos um para o outro, saindo do personagem enquanto os alunos aplaudiam e a professora também.
"Lindos! Lindos... Admito que fiquei com medo de não conseguirem essa tensão, já que são melhores amigos... Mas Uau! Me surpreenderam." Ela concluiu, eu fiquei corado com o que a mulher disse, mas apenas sorri e acenei, não tinha muito o que dizer afinal.
Olhei Amaury, que sorria carinhoso para mim e agora eu sabia o que aquele sorriso significava, sabia que era um sorriso direcionado apenas para mim e que não havia nada de irmandade nele, isso deixou minhas bochechas mais quentes ainda, causando uma risada no maior, que me abraçou apertado, mesmo com todos olhando.
"Você foi incrível amor." Ele sussurrou no meu ouvido, fazendo meu estômago contorcer, o soltei e o vi se virar e sair, a professora já havia liberado todos.
"Vamos parar de babar e ir trabalhar." Thati me assustou, cortando meus pensamentos sobre como o Amaury era lindo até de costas, revirei os olhos e busquei Rafael pelo local, não o encontrando em lugar algum.
"Vamos sim... Eu quero te contar uma coisa..." Falei, passando meu braço sobre os ombros da garota e andando para fora do auditório.
♧
"Então..." Thati falou, assim que um cliente saiu da loja e nós dois finalmente ficamos a sós, ela trazia dois baurus e duas coquinhas. "Vai me contar o que?" A curiosidade em sua voz era grande, mas havia preocupação em seus olhos.
"Amaury e eu nos beijamos..." Segredei, falando sussurrado por mais que não tivesse ninguém ali, Thati suspirou.
"Amigo, eu ouvi a briga, suspeitei que tivesse acontecido algo... Isso foi tão ruim? Afinal, vocês dois parecem bem..." Eu neguei com a cabeça.
"Tata..." A chamei pelo apelido carinhoso. "Nós nos beijamos depois que ele voltou, depois da briga..." Ela arregalou os olhos surpresa com a minha confissão.
"O que? Como assim? Então teve algo antes e algo agora?" Ela perguntou, soltei um suspiro e mordi meu pão, o gosto do orégano e do queijo me fazendo gemer baixinho de fome.
"Sim... Antes dele ir, nós quase transamos, aí rolou a briga por um desentendimento... Agora que ele voltou, fomos conversar sobre e ele, Deus ainda parece loucura, ele disse que me ama também, que está apaixonado também..." Thati fez uma expressão culpada e eu fiquei confuso por meio segundo, até minha ficha cair. "VOCÊ SABIA?" Perguntei, ou melhor, gritei, incrédulo.
"Di... Me desculpa, por favor... Ele me contou sim." A garota confessou culpada.
"E você não pensou em me dizer? Sei lá, enquanto eu morria aqui com ele do outro lado da América?" Perguntei confuso por ela nunca ter me contado nada.
"Você ia gostar se fosse ao contrário?" Eu parei, ela tinha razão, era um segredo dele, só cabia a ele me falar sobre seus sentimentos, mesmo que Thati tentasse ajudar, não seria o correto a se fazer.
"Você tem razão... Me desculpa." Falei sorrindo, ainda chocado por Amaury ter confessado seus sentimentos para outra pessoa, tornando toda nossa conversa mais real para mim.
"O que vai fazer?" Minha melhor amiga questionou, eu sabia que ela falava sobre Rafael e o beijo.
"Contar a ele..." Suspirei, olhando para longe. "Ele merece saber, mesmo eu gostando dele e não conseguindo me ver junto com o Amaury agora... Eu não posso enganá-lo." Conclui, tentando colocar meus sentimentos no lugar, meu coração sendo uma bagunça, o medo de que algo me afastasse do meu amigo, sendo a emoção mais forte. "Não acho que nossa relação tenha um futuro..."
"Di... Eu não tenho direito de falar, mas como sou sua amiga... Você acha mesmo que o Rafael é uma boa escolha? Com Amaury, ou não." Eu olhei de volta para a garota, o refrigerante que estava prestes a beber ficando na metade do caminho.
"Como assim?" Perguntei, vendo Thati se arrumar na cadeira, parecendo desconfortável.
"Olha, eu sei que ele fez bem pra você, quando o Amaury não estava... Mas... Ele vive fazendo pequenas coisas que me incomodam como sua amiga." Eu fiz uma careta, sem ter um pingo de noção do que ela falava.
"Tipo o que?" Falei, prestando atenção nela.
"Tipo quando você conta uma piada e ri alto, ele sempre pede pra você diminuir, ou quando estamos com nossos amigos e você dança e canta, ele fala pra parar porque você não canta bem... O que é mentira. Ele nunca deixa você ser você mesmo..." Ela concluiu, parecendo aliviada, como se um peso tivesse sido tirado de suas costas. "Ele não te deixa beber, nunca está a fim de sair com você para lugares que gosta, sempre ele quem escolhe... Sei lá amigo... Parece que seu brilho some um pouco e isso me preocupa... Porque você deixa, sem ao menos perceber." Eu a encarava com a boca aberta, várias situações em que Rafael realmente agiu como ela falou que ele faz, passando em minha cabeça, a ideia de não perceber como eu mudei desde que comecei a ficar com ele rondando uma barreira de proteção que eu construí em meu cérebro.
"Eu... Eu acho que é porque ele é mais quieto, tímido sabe." Era uma desculpa, óbvio que era, estava na minha cara que eu estava agindo como vinha fazendo todos esses meses, Rafael me manda ficar quieto porque ele é tímido, Rafael não me deixa beber porque ele tem medo que eu passe mal, Rafael não me deixa dançar porque ele pensa que as pessoas podem falar de mim, ele não me leva nos lugares que eu quero porque quer me apresentar lugares melhores, ele não me apresentou a sua família e amigos próximos por causa da correria do dia a dia... Para cada pequena coisa que Rafael fazia comigo, eu tinha um porque preparado para defendê-lo.
"Você está fazendo de novo... E sabe disso. Eu só não quero que se machuque, ou que comece a cavar um buraco fundo de mais, um do qual você não consiga mais enchergar a luz." Mesmo não entendendo direito meu coração se apertou.
"Ele mentiu para a mãe dele, com relação a mim." Thati abriu a boca surpresa, ela provavelmente esperava uma discussão ou algo assim, eu não era tão passional a ponto de ouvir o que ouvi calado, mas estava com medo, medo de coisas estarem acontecendo bem na minha frente e eu não enchergar, confuso por, pela primeira vez, perceber que talvez eu estava inserido em um relacionamento errado.
"O que quer dizer com isso?" A garota questionou.
"Que eu fui a sua casa e o encontrei com sua mãe, ele ficou desesperado, quando a mulher perguntou se eu era um amigo, ele fez questão de deixar claro que eu era um colega." E eu tive uma desculpa pra esse comportamento também, quis acrescentar, mas não fiz.
"Diego... Vai ter uma parada lgbti, fim de semana que vem, porque nós não vamos, você chama ele e eu prometo que se ele agir como um namorado legal, eu esqueço esse assunto." Eu sorri, animado porque amava as paradas lgbti e queria ir nessa com meus amigos e também porque seria uma forma de provar para essa vozinha insistente em minha mente, que tudo que Rafael fazia era para me ver bem e o jeito dele, que eu não fui tão cego.
"Vou chamar ele! Tenho certeza que vai ser incrível."
♧
"Oi amor..." Ele disse, entrando na sala e me beijando, sem se preocupar se Amaury estaria ali ou não. Sorri por seu bom humor e retribui o beijo, sabendo que meu amigo não está em casa ainda e com um pouco de culpa, por não arrumar coragem pra falar com ele sobre o beijo, minha cabeça uma bagunça, após o que Thati me falou.
"Oi..." O soltei, mais rápido do que realmente faria em um dia comum. "O que acha de uma cerveja?" Perguntei, sem ao menos me tocar, logo corrigindo minha fala. "Ou um refrigerante?"
"Cerveja não né e quanto ao refrigerante, tô seguindo uma nova dieta... Você deveria fazer o mesmo, quem sabe ganhe massa e fique mais... Masculino..." Eu o encarei perplexo, tudo o que fiquei pensando e relembrando a tarde toda vindo a minha memória.
"Então tá." Decidi mudar de assunto, dando mais uma oportunidade a minha noite terminar tranquila. "Seguinte, meus amigos vão em uma parada lgbti, queria ir com você... O que acha?" Ele fez uma careta e gemeu frustrado.
"Você sabe que eu não gosto de roles assim." Eu suspirei, fechando os olhos para organizar meus pensamentos.
"Bom... Então eu vou, com a Thati, a Tata e o Rafa." Conclui, tomando coragem, eu não podia deixar de fazer o que gostava, porque o Rafa nunca queria o mesmo.
"Como é?" Ele perguntou, se levantando da cadeira em que havia sentado. "Sozinho? Não é lugar de quem namora estar!"
"Não tem dessa! Vou estar com meus amigos." Conclui, era verdade, eu sabia bem o que estava fazendo, sabia que estávamos indo por um caminho perigoso, mas eu queria que ele cedesse, que fosse comigo. Queria uma prova de que eu não fui tão cego por todos esses meses, de que eu não estava tão desesperado pra me sentir amado que acabei moldando minha vida e personalidade para ele, porque ele me fez bem, fez eu me apaixonar e sorrir, isso tudo foi apenas uma ilusão minha? "Eu quero ir, porque eu estou vendo um programa que se tornou muito importante pra mim..." Comecei, minhas mãos tremiam, isso era o que eu não tinha dito pra ninguém ainda, mas que eu estava ensaiando para fazer e a parada seria um lugar perfeito.
"Do que você está falando Diego?" Eu sabia que ele estava sem paciência para a conversa.
"Eu estou vendo um reality de drag queens, eu... Eu quero ir montada." Eu vi que o rapaz ficou vermelho, mas não o deixei falar. "Eu acho incrível o que as drag fazem, as maquiagens, roupas e eu amo dançar e cantar... Pensei que queria ser..."
"NÃO!" Ele gritou, me assustando e fazendo com que eu desse dois passos pra trás. "O que as pessoas vão pensar disso? Você pirou? Eu não vou sair com você assim na rua! VOCÊ NÃO VAI SAIR ASSIM NA RUA." Ele apontou o dedo para mim, meu coração estava acelerado e meus olhos cheios de lágrimas por sua reação.
"Você é louco..." Eu falei, negando com a cabeça, sem acreditar no que estava ouvindo, no que estava bem na minha frente esse tempo todo.
"SUA FAMILIA SABE?" Gritei, perdendo toda a noção do bom senso, cansado de toda aquela merda.
"Que?" Ele recuou, parecendo assustado.
"ELES NÃO SABEM, NÃO É? VOCÊ ME ESCONDEU ESSE TEMPO TODO! FEZ ATE MESMO EU MUDAR MEU JEITO! EU NÃO PERCEBI O QUE ESTAVA BEM NA MINHA CARA." Ele balançou a cabeça, levantando as mãos no ar como quem se rende, raiva estampada em todo seu rosto.
"VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE SE SWNTIR ENGANADO! VAI ME DIZER QUE NÃO TÁ CRIANDO ESSA CONFUSÃO TODA, PORQUE AQUELE BOSTINHA VOLTOU!? VOCÊ SABE QUE TAVA TUDO ÓTIMO ANTES..." Eu balancei a cabeça, sem acreditar que ele queria me culpar por aquilo, eu errei em beijar o Amaury e sabia disso, mesmo que ele nãosoubesse ainda, mas ele estava errando comigo por quase todo esse ano e eu não percebia, eu não via...
"Sai daqui!" Pedi. Sem forças, me apoiei na mesa, meu coração acelerado, a minha respiração começando a falhar por toda a descarga de sentimentos, eu queria estar em casa, minha vida estava de cabeça para baixo e meu coração machucado.
"EU NÃO VOU... EU NÃO TERMINEI..."
"ELE MANDOU VOCE SAIR!" Olhei assustado, vendo Cauã puxar o mais alto pelo ombro... Rafael se bateu, tentando se soltar e falando algumas coisas.
"QUE FOI? TÁ ENCANTADINHO PELA PUTA TAMBÉM?" Ele gritou, antes de eu ouvir um impacto e um gemido, a porta se fechou.
"Diego..." Caiu chamou, antes de se jogar ao meu lado no chão e me abraçar, eu negava com a cabeça, a crise de choro não me deixando respirar.
"Xiu, vai ficar tudo bem..." O rapaz sussurrava, fazendo carinho em meu ombro enquanto eu não conseguia falar nada.
Em meio a todo o choro, a dor de cabeça e no peito que eu sentia, em algum momento adormeci nos braços do rapaz, ainda sem conseguir falar ou explicar algo...Daqui pra frente é só....???
Espero que gostem!
Beijos!
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Mirror
FanfictionNem todo o primeiro amor é a primeira vista, nem sempre o reconhecemos a partir do momento em que o vemos, mesmo estando embaixo do nosso nariz. Muitas vezes pequenos milagres acontecem conosco e estamos tão ocupados o procurando, que acabamos não e...