Como um laço a rodear

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"Eu quero é teu abraço
Como um laço a rodear
Meu corpo inteiro
Sem faltar pedaço
Sem deixar espaço
No meu coração"
(Thickey)

Diego~

Abri um pouco os olhos, sentia meu corpo quente e tudo escuro a minha volta, podia ouvir uma respiração tranquila embaixo de mim, meu corpo ficou tenso no mesmo momento, ao pensar que poderia ser Gualandi ao meu lado.
Respirei fundo, relaxando automaticamente ao sentir o cheiro do perfume tão conhecido por mim exalando do corpo que me abraçava, o aperto forte, mesmo que a respiração estivesse tranquila, indicando um possível sono... Suspirei, as lembranças embaraçadas em minha mente, a última coisa que me lembrava era de adormecer de exaustão, com Cauã ainda abraçado a mim.
"Você está acordado?" Ouvi a voz rouca do meu melhor amigo e grande amor, perguntar, baixo e cuidadoso, como se eu pudesse ter uma crise de ansiedade novamente.
"Sim..." Falei, minha voz falha, pelo sono e choro, a garganta seca queimando com o esforço de proferir uma única palavra.
"Quer conversar agora? Cauã não soube me contar o que houve..." Ele disse calmo, lembranças de um Cauã desesperado e sussurrando que ficaria tudo bem, vindo em minha memória.
"Como ele está?" Perguntei preocupado, não queria ser motivo de estresse para meus amigos.
"Assustado, tanto ele, quanto Thati... Ele entrou quando ouviu os gritos." Eu assenti, me lembrando da última frase dita por Rafael, a que ele me chamava de puta, me encolhi um pouco, me sentindo patético por ter acreditado que algo entre nós dois foi real. "Cauã deu um soco na cara dele." Eu arregalei os olhos, lembrando do som abafado que ouvi antes da porta fechar.
"Sinto muito por ele, não queria que tivesse presenciado e se envolvido naquilo." Eu mal conseguia pensar na situação, quem dirá falar sobre a discussão.
"Ele vai ficar bem... Mas e você? Quer conversar? Comer algo?" Perguntou, a preocupação clara em sua voz como as águas cristalinas de alguns mares.
"Acho que quero um banho... Eu sinto o cheiro do perfume dele no meu corpo e eu não quero sentir... Não quero sentir mais." Senti a cabeça de Amaury se movimentar, mas nada saiu de sua boca, nenhuma palavra, pela sua respiração que se acelerou um pouco, soube que ele tentava se acalmar.
"Di... Amor, eu preciso perguntar... Ele fez algo?" Eu lembrei de todas as vezes que ele tentou me moldar, todas as vezes que me fez parecer errado quando, na verdade, ele quem estava errando, sim ele fez.
"Não... Nós só discutimos, mas ele me beijou antes e sinto seu perfume em mim." E eu não queria sentir, não queria acreditar que estava sendo tão tolo e cego a ponto de não ver o que ele fazia comigo.
"Certo... Vai tomar seu banho e eu vou arrumar suas roupas de dormir e fazer algo para comermos." Eu assenti, me levantando da cama e acendendo o abajur do meu quarto, Amaury se levantou, ficando em frente a mim, seus olhos vermelhos denunciavam o choro e eu sabia que era o culpado, nós nos machucamos tanto no processo... Passei a mão em seu rosto, sentindo sua barba rala pinicar a pele da palma, sua cabeça deitou em direção ao toque, eu quis sorrir, mas no momento aquilo me demandava tanto esforço, que não fiz.
"Toma banho comigo..." Pedi baixo, Amaury se afastando com cuidado do toque, seus olhos perdidos nos meus.
"Diego... Eu não..."
"Não vai acontecer nada..." Falei ao ver pra onde os pensamentos do mais velho caminhavam. "Eu só preciso ter certeza que está aqui, que eu não estou sozinho, sentir seu cheiro e seu calor... Eu tenho medo de entrar lá, fechar os olhos e quando sair, descobrir que você ainda não voltou pra casa." Contei, era verdade, eu não queria nada com ele, não naquele momento, seria injusto e errado com nós dois, mas eu precisava saber que ele estava ali. Eu e ele éramos uma constância e eu queria ter certeza que estávamos firmes e fortes, que estávamos ali um para o outro, desde sempre e para sempre.
"Você me ajuda a cozinhar depois?" Ele perguntou, eu sabia que estava tentando aliviar o clima.
"Eu prometo."
Amaury suspirou e me segurou pela mão, me levando até o cômodo claro e com cheiro de aromatizador de canela, ele pegou quatro velas que tinha dentro de uma das gavetas do armário do banheiro e as acendeu, ele sabia que eu amava banhos assim quando, por alguma situação, não estava muito bem, foi uma descoberta que me ajudou muito na pré adolescência, quando descobri a ansiedade e também com a questão do tdah.
Ele acendeu as velas, o cheiro da canela se misturando com a luz baixa e o vapor que saia do chuveiro, fez com que eu respirasse fundo, soltando o ar e relaxando os meus ombros tensos.
Amaury andou até mim, tirando minhas roupas, suas digitais que já marcaram minha pele com rastros de fogo, hoje eram carícias mornas, como um cobertor que nos trás proteção após uma noite de tempestade, ou o sol nascendo na esperança de dias melhores.
Mesmo quando ele tirou a última peça, em seus olhos não havia luxúria, nem tesão, apenas um amor puro e doce, daqueles inocentes que geralmente vivemos na infância e carregamos em nossas memórias pro resto da vida.
Quando Amaury tirou suas roupas, ficando nu, assim como eu, fomos para debaixo da água morna, o maior pegou meu shampoo e fez questão de lavar meus cabelos, massageando o couro cabeludo com seus dedos longos e relaxando cada vez mais meu corpo, enxaguando os fios e passando condicionador, repetindo o mesmo processo.
Em seguida nos lavamos, Amaury a si próprio, enquanto eu ficava parado, focando minha mente em como ele conseguia ser tão bonito, mesmo fazendo algo tão banal, uma fuga para não me lembrar de tudo o que passei essa noite. Quando ele terminou suas mãos vieram para minha cintura, seus corpo sendo colado ao meu, eu retribui o abraço, deitando a cabeça em seu peito e tentando marcar em minha mente e coração o quão bem nossos corpos ficavam juntos.
"Eu sinto muito... Por não conseguir chegar a tempo, eu perdi o ônibus e isso me atrasou..." Eu sorri, Amaury tinha aquele Q de herói.
"Você não podia fazer nada... Cortar o mal pela raiz é menos doloroso do que ficar arrancando os ramos que crescem..." Eu falei, pensativo sobre como seria quando nos encontrássemos novamente, afinal precisaríamos conversar, mais cedo ou mais tarde.
"Você tem razão..." Ele disse. "Desculpa, não quero que ache que estou falando isso porque é conveniente." Ele completou e eu suspirei, sentindo seus dedos passearem por minhas costas.
"Eu sei que não faria." Afirmei. "Nós estávamos em um relacionamento tóxico, ele queria mudar tudo em mim, eu era seu segredinho sujo... Não sei se ele ao menos chegou a gostar de mim, ou se sou apenas sua aventura de garoto rebelde. Ele conseguiu moldar minha personalidade, meus pensamentos, me fazer sentir culpa quando não tinha." Divaguei, Amaury escutava tudo em silêncio, tão parado que poderia parecer uma estátua de cera. "E eu aceitava, porque me apaixonei pela sensação de ter alguém e porque queria fazer de tudo pra provar pra mim mesmo, que conseguiria amar alguém que não fosse você, que saberia viver sem você." Admiti. "Eu fui tão tolo em não perceber as coisas que ele fazia, em aceitar..."
"Não... Não fala assim, você gosta dele, é normal passarmos por cima de determinadas coisas e nos perdermos por pessoas erradas as vezes, o errado é continuar insistindo naquilo que nos faz mal." Eu concordei com a cabeça.
"Eu amo você." Ele sabia o que eu queria dizer com aquilo. "Obrigado por estar aqui."
"Eu sempre estarei... Enquanto você me quiser." Eu quis dizer que ele ficaria para sempre, mas me calei, Amaury deixou um beijo em meu rosto e mais um, enquanto eu depositava um em seu ombro, essa movimentação nos deixou conscientes da situação em que estávamos, um formigamento surgindo no pé da minha barriga, o vapor da água parecendo mais quente.
Olhei meu melhor amigo sobre a luz das velas, sua beleza sendo ressaltada cada vez que as chamas iam tremulando, formando sombras em lugares que realçavam o rosto do maior.
Suas mãos pararam de se mexer em minha cintura, um claro sinal de que ele também percebeu a mudança, de que ele se esforçava pra não avançar, nossos membros começando a endurecer entre nossos estômagos, pelo contato.
"Eu sei que precisa de mim... Mas se continuarmos aqui eu não serei o amigo que você precisa hoje." Ele foi sincero, eu sabia que estava sendo, assim como ele sabia que eu cederia a qualquer mínima investida sua.
"Macarrão a Toscana?" Perguntei, dando meu primeiro sorriso sincero desde que levantei da cama, o maior respirou fundo.
"Pensando na linguiça Diego?" Assim que entendi o que ele falou, não consegui segurar a risada sincera que escapou, atrevida, por minha garganta.
"Você é um palhaço!" Falei, assim que me recuperei, seu sorriso carinhoso, enquanto seus olhos observavam os detalhes do meu rosto.
"Eu te amo." Ele confidenciou, se aproximando tão rapidamente, que quando ele saiu do banheiro, eu ainda me perguntava se o selinho havia de fato acontecido ou se eu estava imaginando coisas.

"Então..." Comecei, estávamos em meu quarto, assistindo friends, os pratos de macarronada sobre nossos colos, o meu com mais queijo que o recomendado pela OMS.
"Então?" Ele desviou os olhos da série, me encarando, pronto para prestar atenção em qualquer coisa que eu fosse falar, seu modo protetor ainda ativado.
"Vai ter uma parada lgbti... E eu queria ir, na verdade a Tata, Thati, Rafa e provavelmente Cauã, irão... Você acha o que? De ir?" Eu fechei os olhos com força, morrendo de vergonha da forma como havia me enrolado tanto, não era um encontro, mas eu queria chamá-lo pra sair.
"Claro! Vai ser incrível... Eu vou adorar ir com você." Ele disse, enfiando mais uma porção de macarrão na boca, fazendo meu olhar desviar para seus lábios fartos, que agora estava sujo de molho, ele passou a língua, limpando o local e eu quis morrer por uns dois segundos. Respirei fundo, com medo do que falaria a seguir, mas eu precisava fazer, precisava me lembrar que podia confiar no Amaury, que ele jamais faria algo pra me magoar.
"Eu... Bom, eu pensei em ir montada." Soltei a palavra rapidamente, um pouco rápido e alto de mais para uma conversa normal, mas eu estava tão nervoso que conseguia ver o garfo, em minha mão, tremer.
"Montada?" O rapaz perguntou confuso e eu quis gemer em frustração, estava difícil falar após a reação do Rafael, mesmo eu sabendo que o errado naquela situação era ele.
"É, é assim que as drags falam, quando elas estão com as maquiagens e roupas... Eu... Eu queria ser e explorar isso. Eu quero." Corrigi, olhei nos olhos do Amaury e o que encontrei me deixou surpreso.
"Meu Deus! Você vai ficar incrível!" Seu rosto estava todo iluminado, ele parecia feliz e satisfeito com a minha decisão, não havia vergonha, apenas uma empolgação genuína por minha vontade.
"Sério?" Perguntei, eu estava surpreso após tudo que passei e não pude evitar o choro que escapou por meus olhos e garganta, senti Amaury tirar o prato de minha mão. Logo seus braços estavam ao meu redor.
"Hey... O que foi?" Ele perguntou preocupado. "Você estava com medo de me contar? Eu jamais falaria algo negativo para algo incrível, ainda mais sendo uma decisão sua..." Ele comentou, sua mão afagando meu cabelo, seus braços quentes me apertando e me envolvendo como uma criança.
"Eu sei... Eu sei... É que esse foi o estopim pra minha briga com o Rafael, eu fiquei com medo então, medo de que você e meus amigos me julgassem, eu não estou comparando, não é isso, mas eu fiquei assustado com tudo que estava acontecendo." Amaury apenas deixou um beijinho em minha cabeça, enquanto eu sentia meu corpo parar de tremer pelo choro, respirando fundo e tentando me acalmar.
"Diego, você é corajoso, uma das pessoas mais corajosas que eu conheço, eu sei que quando percebeu que estava em um relacionamento regado a manipulação, você se assustou... Mas você vai recuperar sua confiança e força, eu estarei aqui, seus amigos estarão aqui, você jamais vai ficar sozinho... E se ficar por algum motivo, em alguma situação, você não será nada menos que forte, porque essa é sua essência, é o que você foi hoje, e o que será amanhã." Eu prestava atenção em tudo, cada nova palavrinha que ele falava, isso me fez parecer um celular descarregando, mas que foi conectado ao carregador e estava recuperando sua bateria, Amaury sempre sabendo o que dizer para me dar forças. Olhei seus olhos escuros.
"Eu poderia passar mil vidas dizendo o quanto te amo e acredito que não seria o suficiente." Declarei, minha voz rouca e baixa, até mesmo um pouco envergonhada por expor meus sentimentos, tão verdadeiros, tão profundos, com tamanha clareza para o maior.
"O que você acha de começarmos por essa vida? E torcermos para que as outras venham?" Sorri, sua resposta sendo a mais bonita e mais perfeita que meu coração ouviu, pela primeira vez não tive medo que ele fosse embora, não tive medo ao me aproximar, acabando com a distância entre nós e dar um selinho em seus lábios, não tive medo ao separar um pouco os meus e movê-los, muito menos, quando sua língua adentrou minha boca, nossos corpos mais próximos, se tocando levemente em lugares que me faziam esquentar, os estalos das nossas boca sendo o único som no quarto, meu coração batendo tão frenético que preocuparia qualquer cardiologista. Separamos o beijo sorrindo, era simples e fácil, não havia receio e nem vergonha, apenas amor.
"Eu te amo." Ele disse, um sorriso calmo em seus lábios.
"Eu amo você." Conclui.
Amaury nos ajeitou na cama, pela primeira vez em mais de um ano, eu pude dormir em paz e com meu coração leve, traçando desenhos imaginários em seu braço, o que circulava minha barriga, não pude evitar pensar que pela primeira vez minha alma estava completa, porque a outra metade da mesma essência dela, estava ali.

Vocês acharam que iam viver de sofrimento pra sempre?
Amor, isso é uma história de amor (que poderia ser um conto de fadas da Disney!)
Eu emocionadinha com esse capítulo, porque é lindo relembrar algumas coisas....
Beijos!

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