Tempo certo

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"E se pudesse, eu
Eu te prendia em mim
E não te soltava nunca mais"
(Henrique e Diego)

Diego~

Acordar nunca foi tão bom, o cheiro do Amaury estava por todos os lados, os lençóis ainda quentes, mesmo que o maior não estivesse mais ali, o que era estranho já que eu sempre levantava mais cedo. Meu Deus! Será que ele tá na minha cozinha? Não... Dei um pulo, enroscando meus pés na coberta jogada no chão e quase caindo.
Sai para o corredor, um sorriso vergonhosamente largo em meu rosto, será que eu não conseguiria parar de sorrir? Parei de andar, ao ouvir a voz do meu melhor amigo, barra, cara que eu fiquei ontem, falando ao telefone.
"Mãe eu sei... Sei disso... Eu não posso..." Eu estranhei seu tom sério, ele parecia triste, destoando de todos os sentimentos que eu possuía em meu peito. "Mãe eu não vou deixar o Diego... Eu não posso. Ele vai entender tudo errado..." Coloquei a mão sobre a boca, Amaury não queria ir embora... Ele queria ficar comigo e disse que entendi tudo errado, tudo o que? "Eu não quero vê-lo magoado, preciso de tempo para ver como as coisas vão ficar, explicar tudo pra ele sem foder nossa amizade." Eu suspirei, era isso. Amaury havia se arrependido de ontem a noite, claro que ele ia! Eu era muito idiota de achar que tinha sido algo além da bebida que havíamos consumido, ele provavelmente nem se lembra direito do que aconteceu, agora ia desistir do seu grande sonho porque estava com medo de eu me magoar, porque ele ia me mostrar que gosta de mim só como amigo e precisava de tempo pra isso, ele deve ter percebido que estou apaixonado. Senti meus olhos se encherem de lágrimas e as limpei rapidamente, meu peito doendo ao saber que eu não era correspondido, que mesmo com todos meus esforços me iludi. "Não importa o que falem... Eu vou ficar." Voltei para o quarto correndo, quase nas pontas dos pés, torcendo para que ele não me ouvisse andar pela casa, para que eu acordasse daquele pesadelo idiota. Eu fui tão tolo em achar que as coisas mudariam.
"Di?" Amaury entrou no quarto, assim que eu me arrumei na cama, fechei meus olhos e gemi, fingindo dor, o rapaz se aproximou passando a mão por meu braço, seu toque quente aumentou mais ainda minha vontade de chorar e gritar com ele. "Diego, você tá bem?" Eu o olhei, ele parecia preocupado, um sorriso doce em seus lábios, o mesmo de sempre, o mesmo brilho ao me ver, não havia nada mais ali.
"Não... Tô com muita dor de cabeça..." Eu me sentei, o rapaz me olhando confuso enquanto ainda estudava minha situação, rezei para não ser pego na mentira. "Eu dei muito trabalho?" Perguntei, me fazendo de confuso.
"Como assim?" Ele questionou, suas mãos indo para meu rosto.
"Ontem... Eu bebi de mais, não lembro de nada... Lembro da gente comemorando na praia e só..." Mentira, mentira, mentira. Diz Amaury, diz que nos beijamos, repete tudo o que fez ontem, avança em mim, prova que eu tô errado... Prova que é recíproco... Me dá um sinal...
"Ah... Você não lembra... Pois é, você ficou de boa... Só achei melhor dormir comigo, caso vomitasse." Eu olhei em seus olhos, não conseguindo mais segurar a vontade de chorar, Amaury abriu a boca, em choque. "Diego, você tá bem? Olha pra mim... O que houve?" Perguntou, seu tom preocupado pela primeira vez não foi reconfortante e sim doloroso, ele parecia um irmão mais velho cuidando do mais novo. Não importa o que eu fizesse, sempre seria esse meu lugar em sua vida e eu era idiota o suficiente, para achar isso melhor que nada.
"Só estou com dor... Me abraça... Fica aqui comigo, por favor." Ele concordou, me abraçando, eu me aconcheguei a ele o mais rápido que podia, era como ser viciado no remédio que te faz viver, ele te cura na mesma medida que te intoxica.
"Eu tô aqui... Eu vou estar sempre aqui." Ele comentou, suspirei, juntando toda a coragem que tinha.
"Não durante um ano, né?" Perguntei, um sorriso surgindo, quando tudo que eu queria era gritar.
"Eu ainda estarei aqui... Um ano vai passar rápido." Ele iria, eu sabia que havia feito o certo, mesmo que estivesse morrendo por dentro, ele não podia desistir do seu sonho, do seu futuro por minha causa, não podia esperar que eu ficasse sentado vendo ele escolher, sorrindo o abracei, quebrado de uma forma que jamais iria ser concertado, mas feliz por saber que ele iria, ficaríamos bem.

"Você parece um zumbi." Thati comentou no fim do nosso expediente, Amaury estava em São Paulo, foi passar a semana com nossa família antes de ir para os Estados Unidos, eu fiquei porque precisava fazer provas e trabalhar, hoje ele chegaria para buscar suas coisas e embarcaria amanhã cedo.
"Você não parece triste, seu quase namorado indo embora..." Comentei, depois de tudo que aconteceu aquela noite, a um mês atrás, eu desisti de tentar não ser amigo da menina do batom vermelho, afinal eu não tinha chances com Amaury e entendi isso, da pior forma possível, eu não estava bem, mas estava vivendo e levando, até me acostumar com a dor do amor não correspondido.
"A gente não namora... Nem se quer ficamos." Eu arregalei os olhos.
"A qual é?" Questionei, ela só podia estar mentindo.
"Sério... Eu fiquei interessada nele, mas achei que vocês dois tinham algo, aí quando vocês disseram que não apenas percebi que são lerdos, tirei o meu da reta." Eu dei risada dela, uma risada mais amarga do que eu realmente queria que fosse, ao contrário do que ela pensava nós não éramos lerdos, talvez um pouco, mas Amaury que não tinha interesse mesmo.
"Ele vai realmente embora amanhã..." Falei, uma saudades gigantesca já instalada em meu peito, pronta para ser alimentada por um ano inteiro.
"Como você está com isso? Sei que não está bem... Mas como se sente?" Eu dei de ombros, a garota menor passando seu braço por minha cintura, deitando a cabeça em meu peito, eu a abracei de volta, lágrimas em meus olhos apenas por pensar em ficar sem o Amaury.
"Eu não sei... É como se uma parte de mim estivesse indo sabe, sabe quando você vai cortar o cabelo e não sabe se vai gostar? Tipo, eu nunca fiquei sem ele, não sei como é isso, não lembro como as coisas eram antes dele... E agora..." Eu travei meu maxilar com força. "Agora eu vou ter que descobrir... Ficar naquele apartamento sozinho vai ser péssimo." Comentei, Rafael se ofereceu apra ficar comigo, recusei o mais educadamente possível, aquele lugar era meu e do Amaury, só... Não tinha espaço pra um ficante, eu não poderia nem sofrer em paz.
"Olha... Se quiser posso me mudar pro seu quarto, por esse ano que ele vai ficar fora. Mamãe vai adorar me ter longe." Eu arregalei os olhos, Thati era perfeita, tínhamos coisas em comum, era engraçada, organizada, fazia as mesmas aulas que eu e ainda não havia pego o Amaury.
"Claro! Eu ia adorar que isso acontecesse!" Passamos a meia hora que faltava para fecharmos planejando sua mudança, eu eternamente grato por ela conseguir me distrair com suas loucuras.

Coloquei o prato sobre a mesa, deixando um suspiro escapar, haviam dois pedaços de bolo de chocolate com cobertura de chocolate e raspas de chocolate, sorri, o preferido do Amaury, também haviam duas xícaras com chá, o dele com açúcar, muito açúcar, fiz uma careta e apoiei meus braços sobre a cadeira, tentando entender onde foi que eu me meti ao me apaixonar por ele.
Esse mês foi tão estranho, após aquele momento nosso e eu fingir que não lembrava, Amaury decidiu fazer o mesmo, nunca comentou nada sobre aquilo ou perguntou se eu havia lembrado de algo, eu também deixei pra lá, mesmo que as lembranças atormentassem minhas noites, nada havia mudado, ao mesmo tempo em que tudo mudou. Amaury não andava mais pela casa de cueca, não íamos mais um pro colo do outro, nunca mais dormimos juntos, as brincadeiras maliciosas haviam acabado, a porta do banheiro estava sempre trancada... Enfim, Amaury provavelmente evitava se lembrar daquele dia, eu tentava me manter afastado da tentação, olhar pra ele e não sentir vontade dele era a coisa mais difícil que eu já havia feito em minha vida.
"Hey! Amora... Tá perdido?" Sua voz me tirou dos meus pensamentos, percebi que olhava pro nada a um tempo, pela forma como o maior me encarava.
"Desculpa... Eu só estava..." Agitei as mãos, sem saber exatamente o que queria dizer com aquilo.
"Fez meu bolo favorito." Ele observou, um sorriso em seus lábios, porém eles não iluminavam seu olhar, como acontecia quando ele estava feliz.
"Fiz... Não sei como vai viver sem ele, então." Comentei, tentando inutilmente fazer graça com a situação.
"Sem você." Ele disse, eu o encarei confuso.
"Oi?" Questionei.
"Sem você... Não sei como vou viver sem você, sem sua risada, seu cheiro, seus sonhos engraçados, suas histórias... Não vai ter quem cantar comigo, quem rir das minhas piadas e agradecer mil vezes por meus presentes, mesmo sendo apenas uma bala." Eu fiz bico, tentando evitar o choro, nesse mês eu havia feito isso de mais.
"Daqui um ano, quando voltar, terá tudo de novo... Promete que vamos conversar todos os dias?" Perguntei, claramente, tentando me agarrar a algo.
"Claro... Claro que sim! Todos os dias..." Ele disse, seu mindinho se levantando, fiz o mesmo e entrelaçamos eles.
"Maury... Eu não sei ficar sem você." Segredei, mesmo ele já sabendo disso, o rapaz me abraçou, fazendo um carinho em minha cintura enquanto cheirava meu pescoço, eu não pude negar que fiz o mesmo, querendo guardar cada pedacinho dele em mim, querendo gritar para que ele não fosse.
"Eu não lembro ao menos como é..." Ele sorriu. "Mas eu vou voltar... Eu sempre volto." Ele disse aquilo me encarando e meu coração se acalmou um pouco por saber disso.
O café da manhã foi regado por conversas, algumas profundas, outras bobagens que só falávamos um para o outro, nós não deixamos de falar um segundo, como se precisássemos ouvir a voz um do outro para ter certeza que estávamos bem.
A ida pro aeroporto já foi mais melancólica, Amaury me abraçava pelos ombros enquanto eu estava deitado em seu peito, o som do rádio do uber sendo o único barulho que cortava o silêncio dentro do carro.
Quando chegamos ao aeroporto, finalmente havia entendido o que queriam dizer quando falaram que aeroportos já ouviram eu te amo mais sincero do que casamentos. Nós andamos de mãos dadas até onde eu podia ir, então chegou o momento que não ia mais, aquele em que ele seguiria sozinho e eu ficaria, me agarrando a memórias, na esperança de que o relógio acelerasse o tempo.
Quando a voz soou e o painel atualizou chamando os passageiros para o embarque, eu poderia jurar que havia esquecido como respirar, Amaury se virou pra mim.
"Eu queria te dizer tanta coisa..." Foi o que ele comentou... "Mas eu vou fazer quando voltar... Não é um adeus amor, não é..." Eu o abracei chorando, distribuindo beijos por seu rosto bonito.
"Jamais seria, somos uma dupla, nunca vamos dizer adeus. Isso é um até logo." Conclui, tentando ser forte.
"Eu te amo Diego..." Ele sussurrou, um beijo em minha testa selando a fala.
"Eu te amo Amaury." Confirmei, depositando um beijo em sua mão.
Um minuto depois vi Amaury passar pelas portas do embarque, quinze minutos depois seu voo havia decolado, eu fiquei sentado, esperando acontecer...
Entrei em casa para ouvir apenas o silêncio, não havia os tênis jogados, a maldita camiseta em cima do braço do sofá e o copo vazio no chão, sua caneca preferida ficaria devidamente guardada no armário e ele não a perderia mais pela casa, assim como seu violão encostado na parede da sala, esse eu também guardaria pra não juntar poeira, nunca foi tão difícil voltar para casa, fui para seu quarto, tentar dormir um pouco e me afogar em seu cheiro, quem sabe, deitei na cama me sentindo triste e cansado enquanto meu coração estava nas nuvens, indo pra outro continente sem mim.

Foi isso...
Maury foi embora!
Próximo capítulo tem salto temporal! Eu vou avisar então se lembrem disso.

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