Capítulo 21

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Dárius

    Depois de tudo resolvido na fronteira, decidi desviar o meu caminho e ir até Constança. Herbes nunca gosta quando eu visito aquele lugar, ele é o único na corte que sabe o realmente que aconteceu. Apesar de Amália ser o centro do meu mundo, até hoje não consigo me desvincular completamente do meu passado. Constança me tirou duas pessoas que eu amava com cada fibra do meu ser, por tanto eu não entendo como eu insisto em retornar aqui e reviver toda essa dor, mas parece que tem algo que sempre me puxa pra cá quando eu saio nas cavalgadas ou missões longe do castelo. Termino de subir a colina e olho a cidade de Constança aos meus pés. Sinto um misto de nó na garganta que quase faz meu choro transbordar, mas ao mesmo tempo me dá vontade de atear fogo em tudo! O mesmo fogo que levou embora tudo aquilo que fazia da minha vida perfeita... 

— Majestade, eu sei que sempre faço essa pergunta, mas tem certeza que quer descer? O seu semblante nunca responde bem a esse lugar. A rainha Amália e o seu futuro herdeiro te esperam no castelo. — diz Herbes.

A imagem de Amália surge na minha mente quase me fazendo desistir, mas assim que avisto a antiga fazenda no meio daquela imensidão de verde, bato as rédeas do cavalo e começo a descer. Herbes vem logo atrás se mantendo calado como sempre. Por mais que a tentativa dele em me poupar de tocar nessa ferida que nunca cicatriza seja falha, eu sinto e percebo todo o cuidado que ele tem comigo. Não faz parte do seu papel na corte cuidar dos meus sentimentos, mas mesmo assim ele o faz, e tem feito desde o primeiro dia em que lhe foi designado a me servir. Herbes é mais que um conselheiro, um auxiliar, ou qualquer outro cargo que lhe tenha sido proposto. Ele é um grande amigo que guardou consigo todos os meus segredos e me ajuda a conviver com o peso deles. 

    Chegamos aos portões da antiga fazenda abandonada. Mesmo depois de vinte anos eu não consegui restaurá-la depois do incêndio. Assim que passamos pelos portões e nos aproximamos de onde ficava a varanda principal, o cheiro de fumaça e madeira queimando vem forte em minha memória. Fecho os olhos e as grandes labaredas que tomavam a fazenda se formam na minha frente, como se eu me transportasse novamente para aquele dia. Sinto o calor das chamas arderem na minha pele e em seguida o desespero que eu senti em saber que minha antiga esposa e meu filho estavam nos quartos toma conta da minha mente de novo como se fosse uma avalanche de emoções. O toque da mão de Herbes sobre o meu ombro me traz a realidade, reabrindo os olhos e encarando a casa destruída. 

— Por que ainda dói tanto Herbes? 

— Não tem como se curar de algo assim meu rei. A rainha Stela e o pequeno Arthur no meio daquele fogo todo... é uma cena difícil de digerir até hoje. 

— Ainda escuto os gritos deles em meus pesadelos. O choro do meu filho rasga meu coração como um frágil papel todas as vezes que eu penso nele. Todo o poder da Romênia em minhas mãos e mesmo assim eu não fui capaz de salvá-los.

— O senhor os salvou sim, Majestade! Mas infelizmente eles não conseguiram sobreviver aos danos. Conheci poucos homens nesse mundo que entrariam no fogo para salvar alguém. Muito menos um rei. O senhor fez tudo o que estava ao seu alcance. 

— Mas não foi o suficiente! E até hoje eu não encontrei o corpo do meu filho! — Dou um soco na pilastra que estava à minha esquerda — POR QUE DEUS? — as lágrimas começaram a descer descontroladamente enquanto eu me ajoelhava no chão — POR QUE NÃO ME LEVASTE NO LUGAR DELES?

Herbes se abaixa e me abraça forte. Deixo minhas lágrimas lavarem a minha tristeza enquanto tento puxar o ar devagar. As imagens do meu primeiro casamento passam rápido pela minha cabeça seguidas do nascimento do meu filho, trazendo um misto de conforto e saudades. Com muito custo meus olhos se abrem novamente.

— Não dá Herbes... não consigo me conformar com o mundo sem eles. 

— Muito tempo já se passou Majestade, você encontrou uma mulher por quem se apaixonou e se tornou uma rainha incrível! E agora ela está prestes a lhe dar um novo herdeiro. O senhor recebeu uma segunda chance de ser feliz.

— E mesmo assim feri os sentimentos de Amália por pura luxúria. Ainda me pergunto se realmente sou merecedor dessa segunda chance.

— Não diga isso! Ainda mais depois de ter sido abençoado com outro filho. 

— Será que ainda há alguma chance do Arthur estar vivo? Nós não vimos o corpo dele sem vida! Apenas recebemos a notícia do médico e instantes depois ele havia sumido de seu quarto.

— Majestade, já se passaram 20 anos. Acha mesmo que se aquele bebê estivesse vivo, ele não teria sido entregue ao senhor? Sem falar que colocamos toda a tropa real em busca do príncipe e não conseguimos nenhum sinal dele!

— Acho que no fundo eu nunca perdi as esperanças de encontrá-lo. Fiz o funeral da minha esposa, eu a vi ser enterrada e por ela eu entrei de luto. Mas isso não aconteceu com ele. Então eu me agarrei em todas as chances possíveis de encontrá-lo. Como eu pude desistir? Que espécie de homem eu sou?

— Um homem realista, com um país para governar e com o coração curado pelo tempo. 

— Curado pelo tempo? Como? Eu acabo de cair de joelhos na sua frente, chorando como uma criança nessa fazenda destruída que eu insisto em visitar. 

— Pois então pare de vir aqui! Doe essas terras para alguém que possa fazer um bom uso delas! Ou então mande logo reformá-la! Quem sabe um dia esse lugar possa lhe proporcionar novas lembranças. 

Olho pela última vez para o que sobrou da casa e digo:

— Dê ordens aos nossos homens para demolir tudo! Recuperem as terras enquanto eu decido o que vou fazer com elas.

Subo no cavalo, viro as costas e vou até os portões. Assim que Herbes me alcança eu desacelero um pouco o ritmo e digo:

— Volte a perguntar sobre ele pela cidade. Tente extrair qualquer vestígio de informação. Alguma coisa que possa me levar pelo menos até uma resposta do que aconteceu. Como posso passar o meu reino para um filho sem saber ao certo se o verdadeiro sucessor do trono está ou não vivo?

— Sim senhor, amanhã mesmo eu virei aqui com os nossos homens para iniciar a reforma e assim começo essa busca. 

    Enfim chegamos ao palácio. Parece que toda vez que piso no tapete de entrada desse lugar as minhas energias se renovam. Me sinto um novo homem! A primeira coisa que eu faço é ir até o quarto de Amália. Assim que abro a porta meu mundo se ilumina com a sua luz. Ela põe seus olhos em mim e me presenteia com um sorriso lindo! Está radiante dentro de um vestido verde bem justo ao corpo. Conseguia ver sua pequena barriga de grávida saliente ao tecido do vestido, o que me deixou ainda mais feliz! Eu me aproximo dela, beijo sua mão e a abraço.

— Que saudades eu senti de você minha rainha! 

— Senti saudades também! Tenho novidades! Consegui sentir o nosso pequeno príncipe mexer pela primeira vez. Foi hoje pela manhã durante o desjejum.

Coloco a mão sobre a barriga dela torcendo para ter a mesma sorte de sentí-lo também. 

— Ele sabia que o papai já estava a caminho de casa! 

Me ajoelho e beijo a barriga dela com todo amor que consigo sentir naquele momento. Porém aquele gesto me fez recordar o dia em que beijei a barriga de Stela depois da notícia da gravidez de Arthur, sinto outro aperto forte no peito e minha cabeça começa a doer. 

— Preciso ir. Quero que descanse e mais tarde nos veremos no jantar.

— Achei que estivesse com saudades e que iria querer ficar perto de mim. O que pode ser mais importante do que estar comigo agora depois de dez dias fora do castelo?

Olho pra ela e a única coisa que eu conseguia pensar era na dor que eu estava sentindo. Não posso repassar nada disso pra ela, por tanto decido sair sem tentar explicar. Vou em direção ao meu quarto, passo pelas portas e as tranco com bastante pressa. Encaro a estante de madeira antiga à minha frente e abro uma das gavetas com a esperança de achar o que eu procuro. Milagrosamente encontro com rapidez a manta que estava sobre o meu filho no dia em que ele sumiu. Seguro aquele pedaço de pano como se a minha vida dependesse disso! Eu preciso saber se ele ainda está vivo! Estaria eu entrando em mais uma de minhas loucuras? Ou será que o destino finalmente vai me dar a resposta que eu tanto preciso pra viver a minha vida em paz?

A amante da rainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora