10 - Dez verões atrás

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Perambulamos pela cidade de Okinawa até machucar os pés, as costas doerem e o tempo que não dormimos nos voos fazer nosso corpo parecer pesado e nosso cérebro, leve e flutuante. Então, paramos para um lanche em um lugarzinho escondido de janelas escuras e paredes vermelhas circundando o espaço com desenhos elaborados de montanhas, florestas e rios serpenteando por colinas arredondadas.

Somos as únicas pessoas aqui dentro — são três da tarde, ainda cedo para jantar, mas o ar-condicionado é forte e a comida, divina, e estamos tão exaustos que não conseguimos parar de rir de qualquer coisinha.

O ganido rouco e desafinado que Yoongi soltou quando o avião pousou nesta manhã.

O homem de terno que passa correndo a toda a velocidade pelo restaurante com os braços esticados ao lado do corpo.

A moça na galeria do Empress Hotel que passou trinta minutos tentando nos vender uma escultura de urso de quinze centímetros por vinte e um mil enquanto arrastávamos nossa bagagem surrada.

— Nós não... temos dinheiro para... isto — disse Yoongi, tentando ser diplomático.

A moça balançou a cabeça entusiasticamente.

— Quase ninguém tem. Mas, quando a arte conversa com a gente, sempre se encontra uma maneira.

Nenhum de nós teve jeito de dizer à garota que o urso de vinte e um mil não estava falando com a gente, mas depois passamos o dia inteiro selecionando diversas coisas — um disco autografado do Backstreet Boys na loja de vinis usados, um exemplar do romance O que meu ponto G lhe diz em uma pequena livraria apertada em uma rua de paralelepípedos, um macacão de couro sintético em uma sex shop em que fiz Yoongi entrar basicamente para deixá-lo constrangido — perguntando: Isso conversa com você?

Sim, Jimin, está dizendo Bye-Bye-Bye.

Não, Yoongi, diga ao seu ponto G para falar mais alto.

Sim, vou levar por vinte e um mil dólares, e nem um centavo a menos!

Nós nos revezamos perguntando e respondendo e, agora, curvados sobre nossa mesa preta laqueada, não conseguimos parar de pegar colheres e guardanapos, de forma quase delirante, fazendo-os conversarem entre si.

Nossa garçonete tem mais ou menos a nossa idade, usa muitos piercings, tem a língua levemente presa e ótimo senso de humor.

— Se esse molho falar alguma coisa picante, me avise — diz ela. — Ele tem uma certa fama por aqui.

Yoongi lhe dá uma gorjeta de trinta por cento, e, por todo o caminho até o ponto de ônibus, eu o provoco por ficar vermelho sempre que ela olhava para ele, e ele me provoca por ter flertado com o caixa da loja de discos, o que é justo, porque eu fiz isso mesmo.

— Eu nunca vi uma cidade tão florida — comento.

— Eu nunca vi uma cidade tão limpa — diz ele.

— Será que deveríamos nos mudar para o Japão? — pergunto.

— Não sei — ele responde. — O Japão conversa com você?

Com os ônibus e as caminhadas entre as paradas, levamos duas horas, no total, para pegar o carro que aluguei informalmente na internet por intermédio de um grupo de pobres que viajam.

Estou tão aliviado por ele realmente existir — e pelo fato de a chave estar embaixo do tapete do banco traseiro como o dono do carro, disse que estaria —, que começo a bater palmas.

— Nossa — diz Yoongi —, este carro está mesmo conversando com você.

— Sim — respondo. — Ele está dizendo: Não deixe o Yoongi dirigir.

De férias com vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora