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O cheiro de queimado se espalha pelo pequeno apartamento quando abro a porta do forno. Sem nenhuma surpresa, pego o que deveria ser meu jantar e o jogo na lixeira ao lado da pequena caixa metálica que chamo de geladeira. Suspirando, vou até os velhos armários que ficam suspensos sobre a pia e procuro por algo que possa matar minha fome. Como sempre, as prateleiras estavam tão vazias que, daqui a um tempo, acho que encontrarei aranhas fazendo suas casas ali.

Neste mês, o salário foi curto. A senhora Williams, uma adorável senhora que eu cuidava para ganhar uma grana extra, morreu mês passado, e sem essa pequena renda a mais em minha vida, não consegui dinheiro o suficiente para pagar o que devo ao hospital e ir ao mercado. E entre passar fome ou dever mais um empréstimo para minhas contas hospitalares. Preferi passar fome.

Eu não tinha muito com o que me preocupar além de mim mesma. Avery, apesar de minhas palavras, acha que é um incômodo em minha vida. Minha irmã é muito mais do que isso, porém, ela continua achando que é mais uma despesa que tenho que me desdobrar para pagar. Por isso ela sempre vai comer na casa de Libby, sua irmã por parte de pai.

Fico triste em pensar que minha irmã ache ser só mais um encosto na minha vida. Eu sei que não sou a pessoa mais carinhosa do mundo. E também sei que não tenho tempo para tirar uma tarde com minha irmã. Mas meu amor por ela é incondicional. Ela é minha família. A única que restou em minha vida.

Eu e Avery compartilhamos a mesma mãe, tendo somente dois anos de diferença entre nós. Eu não sei quem é meu pai. Diferente de Avery. Mas eu realmente gostaria que ela também não o conhecesse. Ele é um homem odioso.

Escuto uma chave entrando na fechadura da porta da frente, e logo depois o rosto corado de minha irmã entra em minha visão. Ela me vê e abre um sorriso. Vou abraçá-la e beijo sua bochecha corada.

- Como vai a minha garota favorita? - pergunto com um sorriso pequeno crescendo em meu rosto. Ela coloca a mochila da escola na pequena mesa que separa a cozinha da pequena sala e se senta sobre a cadeira.

- Bem. Hoje eu fui chamada na sala do sr. Yates. - Meu sorriso passa de carinhoso para malicioso de um segundo para o outro. Me sento na cadeira à sua frente e levanto as sobrancelhas com um olhar conhecedor.

- Decidiu seguir os passos de sua irmã mais velha aqui e atormentar as figuras de autoridade? Devo dizer, estou orgulhosa. - Rindo de mim, ela abre a mochila e tira duas folhas amassadas e dobradas. Ela me entrega, e quando bato os olhos nas provas, uma gargalhada sai de mim.

Duas provas de física com uma nota A+.

- Ainda não pretendo seguir seus passos de aluna mais odiada entre os coordenadores.- diz zombando de mim.

- Eu não era odiada. - Uma mentira, e das grandes - Eles só não gostavam quando eu aparecia na diretoria todos os dias reclamando das injustiças impostas pela autoridade estudantil dentro da escola.

Ave inclina para abrir a gaveta ao lado da pia e tira de lá um bolo de cartas, ou melhor, avisos disciplinares.

- Claro, porque você fazer eles escreverem todos os dias avisos de falta de ordem e quebra de regras era uma ótima razão para eles te amarem.

Como se sua fala fosse a coisa mais injusta do mundo, eu coloco a mão no meu peito como se tivesse com dor.

- Olha, eu era tão amada que os professores choraram quando entregaram o meu diploma.

- Tenho a sensação que choraram de felicidade por você estar indo embora.

- Ah, por favor, todos me amavam. - Isso quando eu faltava às aulas, aí sim eles me amavam.

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