Capítulo especial || Rasa's pov || PARTE 1

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Já é a terceira vez que volto essa música, talvez seja a hora de pôr no repeat. Não, não é Don't Fear the Reaper, é See You In Hell do Monster Magnet.

Está martelando na minha cabeça, porque é a única capaz de me manter acordado na estrada e porque acabei de dizer aos meus filhos o que tocava no rádio quando a mãe deles aceitou casar comigo. Temari disse — na linguagem jovem onde o sarcasmo é mandatório — que não foi romântico.

E não foi.

E talvez não seja a música, mas pensar nisso, o que mantém meu carro no rumo.

Me lembro perfeitamente da Nori me ligando, pagando um esporro colossal, porque não fui provar o terno. Nori levou meu casamento mais a sério do que qualquer um. Ela se encarregou da organização, foi seu presente. Segundo a própria, só se pode presentear gente rica com algo que não tenha preço. Para Karura e eu, teve o valor que precisávamos naquele momento.

Minha então noiva estava tendo dificuldades em superar a morte do Sasori. Karura fechou um luto vitoriano, vestiu a apatia. Quase não saía do quarto, eram necessárias intervenções para coisas básicas.

Yashamaru tomou a frente das igrejas e das tarefas de casa, Orochimaru a carregou para as consultas pré-natais, Nori obrigou que comesse, penteasse, trazia livros, a fazia conversar e assistir filmes. Ela continuou o esquema dos gabaritos — que passei a precisar —, empurrou a vida acadêmica da amiga com laudos e atestados. Me deram tempo para administrar as investigações, a pressão do nosso grupo de cúmplices, meu pai e sua desconfiança, minha mãe e seu narcisismo.

Ah vá, sabemos que ela não amava o Sasori.

Eu assistia — fingia — o jornal da noite com meu pai, quando uma voz surgiu atrás de nós.

— Me ensina a dirigir?

— Não — respondi sem me virar.

— Por que?

— Karura são dez horas da noite.

— Tudo bem, posso pedir ao Baki.

Me pus de pé. Ela já estava arrumada segurando as chaves. Foi assim que acabei estacionado na rua escura atrás do cemitério, no meio da madrugada, deitado nos bancos de trás, sem as calças.

Karura fez todo o trabalho sozinha. Eu teria dirigido até o motel, se ela tivesse esperado. Ela realmente não queria aprender a dirigir. Também não queria conversar. Foi a primeira vez que transamos desde a morte do Sasori. Eu não estava no clima, mas ela nunca havia me olhado daquele jeito. A fome em seus olhos era um buraco negro. Vi como um avanço, ela precisava daquilo. E dizem para não negar desejo de grávida.

Sexo começa na mente e a minha estava em todos os lugares errados. A paternidade não era mais uma brincadeira, uma ideia juvenil equivocada. Havia um bebê de verdade em fabricação, nossa responsabilidade. Qualquer passo em falso e eu poderia não receber minha herança, como eu poderia voltar para o inferninho da Mary com um recém nascido no colo? O que eu sabia sobre ser pai? Ela pode sentar em mim desse jeito? Com uma barriga tão grande?

O que me mantinha de pé era a vontade dela (o calor e o atrito também, é claro). Karura me encarava fixamente, mas não parecia me ver. Ela perseguia seu objetivo com uma leveza surpreendente, compenetrada e silenciosa. Foi como transar com a escuridão em si. Não fui informado de sua conquista e nem precisava. Eu a senti contrair ao meu redor, senti o tremor nas coxas sob minhas palmas, a parca luz da Lua me mostrou o grito silencioso em sua expressão e o movimento espasmódico de seu tronco. Karura apoiou as mãos no meu pescoço, não sei se quis que eu morresse um pouco com ela ou se foi sem querer.

como sobreviver ao fim de ano [GAALEE]Onde histórias criam vida. Descubra agora