Capítulo especial || Rasa's pov

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Devo ou não fechar os últimos botões da camisa? Ora, estou em casa, não num plenário, posso deixar um ou dois abertos se quiser. Se Kankuro estivesse ali teria concordado. Geralmente, Karura escolhe e compra minhas roupas; esse ano decidiu não fazê-lo. Coube ao Kankuro as compras de Natal da família inteira e ele decidiu que ficávamos muito bem de preto. Dou uns passos para trás, enquadro meu reflexo no espelho. Kankuro tem razão. Mas não é prudente deixá-lo saber disso.

Olho os papéis uma última vez antes de rasgar. Na minha inércia, Karura se deu ao trabalho de listar todos os meus bens. Nossos bens. Até os que nunca tiveram envolvimento oficial com meu nome. Ela colou um post-it no envelope pardo.

"Eu também não gostaria de um litígio. Me deixe ser legal com você."

Sorrio. As folhas queimam na lixeira de alumínio.

- E qual seria a graça?

Confiro o Rolex no meu pulso. Está cedo, mas já é quase tarde demais. Me apresso escada a baixo, depois de me certificar que a última fagulha se apagou. Hoje seria o pior dia para um incêndio acidental.

Logo no sofá da sala de estar, encontro Gaara. Encolhido com seu moletom escuro e largo, meias listradas entre a mistura de todas as cores e a completa ausência delas. O ar condicionado está baixíssimo, a casa parece um frigorífico. Apenas eu - e ocasionalmente Kankuro - ousamos contestar as excentricidades do pequeno príncipe. É um milagre encontrá-lo ali. Os grandes headphones sobre os fios desgrenhados, desbotados pela falta de tonalizante, vazam uma guitarra distorcida, acompanhada de uma letra gutural, provavelmente proibida para menores de quarenta e maiores de sessenta. Ele está absorto num sketchbook. Gaara tem se dedicado à escrita, esse já é o terceiro caderno que lhe compro. Fico tentado a passar direto, ao invés disso, inspiro uma lufada de paciência e arranco seus fones.

- Onde estão os outros?

Gaara fecha o sketch, põe a música no pause, calma e irritantemente. Joga a cabeça para trás e olha para cima. Nenhuma expressão em particular. Paciência, Rasa, paciência... Ele se endireita, joga as pernas para fora do sofá, vagaroso. Cogita levantar e desiste. Suspira. Rendido. Cansado. Tenho que admitir, até que gosto dessa criança. Qualquer um que diminua a disposição do Gaara em fugir de todas as conversas possíveis, merece meu respeito.

- Fora. Todos fora. Só voltam para a ceia. - Ele continua, atropelando minha expressão indignada. - Não era isso o que o senhor queria? - Me olha de cima a baixo, esfrega o nariz como se tivesse rinite. Começo a achar que independentemente do trimestre, Gaara apenas não gosta do meu perfume. - Feliz Natal. Boa sorte. Ela está na cozinha.

Gaara está com dezessete semanas e um péssimo humor. Ou muito irritado ou muito triste, nunca um meio termo. Talvez ele ainda não precise das roupas do irmão, mas é impossível saber com certeza. Embora a situação seja de conhecimento geral da casa, ele age como se precisasse (ou pudesse) se esconder. Não fala mais do que o estritamente necessário sobre o assunto, o que se resume a pedir carona para as consultas. Se Karura não tivesse descoberto antes dele, é provável que Gaara sequer teria contado. Precisei demitir todos os funcionários para que ele se encorajasse a caminhar pelos cômodos de vez em quando, mas é claro que isso não foi visto com bons olhos por ninguém.

The Who continua certo. No one knows what it's like to be the bad man.

Controlar a hipertensão vem lhe custando caro. A medicação o deixa exausto, a insônia impede que durma bem. As olheiras estão mais fortes do que nunca. Está assustado, mesmo que não diga. Está se esforçando. Está indo bem.

Mas não é esse o problema. Todos os seus amigos estão numa de nossas propriedades, um casarão recentemente reformado nesses cantos do fim do mundo onde famílias ricas vão para se isolar (lê-se descanso de imagem para gerenciamento de crise). Ficarão lá até o começo do próximo ano. É onde Gaara gostaria de estar, mas Yashamaru desaconselhou. Outro motivo para gostar dessa criança é que nunca foi tão fácil fazer meu caçula obedecer, ainda que a contragosto.

como sobreviver ao fim de ano [GAALEE]Onde histórias criam vida. Descubra agora