1/3 Marco Zero

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"Viver a realidade eu vou
Do cotidiano provar
Descobrir como é
Seu ar respirar
E se puder
Tirar algo de bom"
(Scalene)

Amaury~

Entrei no restaurante a procura da loira, eu observei o ambiente, chique e requintado de mais para meu gosto, Diego acharia até mesmo cafona, mas aquele lugar exalava a personalidade da minha companheira para o almoço de hoje.
Avistei a loira em uma das mesas ao fundo do lugar, provavelmente evitando ser vista comigo até que tudo estivesse resolvido, até eu dar minha carta verde para ela.
Falei seu nome a recepcionista, que sorriu educada, um lampejo de reconhecimento em seus olhos castanhos, a mulher pediu para um rapaz me acompanhar até a mesa desejada.
"Maury!" A loira me cumprimentou, se levantando e me dando um abraço. "Como você está?"
"Estou bem... E você?" Respondi, sendo cordial e educado, mesmo diante da situação que me deixava ansioso.
"Estou bem! Vamos nos sentar e almoçar, depois resolvemos nossos assuntos!" Alana me propôs, jogando seus cabelos loiros pata trás e sorrindo, na boca um batom vermelho que poucas pessoas teriam coragem de usar em uma segunda-feira, durante um almoço.
"Certo... Vamos sim."
Nossa conversa foi tranquila, girando em torno da arte e de tudo aquilo que ela representava para nós dois, mesmo tendo a mesma inserida em nossas vida de maneiras completamente diferentes, eu e ela víamos a coisa toda do mesmo modo e isso me relaxava um pouco, a mulher sabia disso, então domou boa parte da conversa, para que ficasse confortável para ambos.
"Eu sinto muito interromper, mas eu preciso da sua resposta..." Alana pediu, calma e tranquila, mas obstinada, ela queria aquilo, vinha lutando por isso a uns três meses.
"Eu aceito." Falei, convicto. "Mas não quero que isso saia em lugar nenhum. O Diego precisa ser o primeiro a saber e por mim." Um sorriso se espalhou por seu rosto.
"Como você quiser."

A semana passou mais rápida que o normal, mais rápida do que eu realmente esperava, eu estava nervoso, estressado e principalmente ansioso para ver o ruivo em São Paulo, Diego não me acompanharia para a peça, um desencontro na nossa agenda, isso facilitaria bem as coisas para mim...
Observei meu apartamento, sorri um pouco ao pensar em como as coisas iriam mudar, em como nossas decisões e atitudes podem construir algo, ou destruir com a força de um terremoto ou furacão. Talvez lidar com a destruição seja o primeiro passo para a construção. Apaguei a luz, tranquei a porta, precisava passar em um lugar antes de viajar.
"Mamãe?" Chamei, entrando na casa, como se ainda morasse ali, bem, eu morava, minha mãe sempre me dizia que a casa dela sempre seria minha, meu marco zero. Eu pensava que quando eu crescesse, me tornasse um adulto e fosse independente, isso mudaria, a sensação de entrar ali seria diferente, como se eu fosse uma visita. Mas não, no fim minha mãe tinha razão.
"Aqui filho!" Ela gritou da cozinha, fui em direção ao local, um sorriso pairando em meu rosto, o cheiro, as cores e o calor tão familiares. Meu pai sentado em sua cadeira de sempre, enquanto mamãe mexia em algo no fogão.
"Como vocês estão?" Perguntei, dando um beijo em meu pai, em seguida caminhando até a senhora, fazendo o mesmo.
"Bem, filho, você está certo da sua decisão?" Meu pai quem falou, não havia julgamento em sua voz, apenas uma preocupação do cara que lutou uma vida para criar seu filho, que passou por muitas coisas para que eu estivesse onde estou agora.
"Eu nunca estive tão certo." Falei, mesmo com medo de como as coisas ficariam a partir de agora, mesmo com dor no coração por estar aqui diante deles, sabendo que agora ficaria um pouco mais complicado.
"Estou feliz por vocês querido, você está fazendo a escolha certa."
Então nosso almoço foi regado a amor, carinho e algumas fofocas familiares que dona Fátima não conseguia evitar, eu me sentia como uma criança novamente, no meio dos meus dois primeiros amores, no meu ninho de cuidados e afeto, no fim, aquele almoço foi tudo o que eu precisava, para saber que eu estava fazendo certo, indo atrás de dar continuidade a tudo que eles me ensinaram e mostraram, eu não precisava ter medo, eu sempre teria meu marco zero para voltar caso o mundo ficasse pesado de mais.

"Alô?" Escutei a voz de Diego, ele parecia um pouco confuso com minha ligação.
"Oi... Eu precisava ouvir sua voz." Respondi, sem conseguir me conter, a estrada em minha frente era longa, eu dirigia com tranquilidade, queen tocava no rádio, enquanto eu batucada o volante com meus dedos.
"Devo me preocupar?" O ruivo questionou, ele parecia alerta, provavelmente não era a resposta que ele esperava, mas eu não podia dar outra no momento, eu precisava ouví-lo.
"Não, não, eu só queria... Não sei." Ouvi seu suspiro do outro lado da linha, talvez ligar para ele em um momento onde eu precisava conversar pessoalmente, tenha sido uma péssima ideia.
"Uma pena que não vamos nos ver." Foi Diego quem falou, sua voz triste, como vinha sendo em toda a ligação que nos tínhamos, eu sabia que estava sendo difícil para o menor ter que lidar com nossa distância, por isso ia colocar de vez um fim nisso tudo, eu precisava fazer isso por mim e por ele, acabar com essa dor que vinha sentindo com nossa separação era o melhor a se fazer.
A nossa conversa foi breve, nenhum de nós tinha muito o que dizer e Diego parecia desanimado, eu sabia que esse fim de semana estava sendo difícil para ele, já que a expectativa de nos vermos era gigantesca e isso não aconteceria antes da apresentação da peça.

Teatro é minha vida, minha casa, meu lugar especial. Nele eu nascia, morria, renascia e desencarnava. Eu amava cada parte, a voz, o corpo, as luzes, o cheiro da madeira do palco, o som que meus pés descalsos, de meia, sapatos, sapatilhas, faziam ao se chocar contra chão.
Era meu altar, eu fazia questão de deixar um beijo de agradecimento nele, enquanto as cortinas ainda estavam fechadas, enquanto os olhares não estavam sobre mim, era meu momento de concentração, paz e de encarnar, era mais que atuar, era viver o que eu estava contando, era passar uma mensagem importante e que alguém amava, seja o escritor da peça, seja o leitor que tem aquela obra como sua favorita, seja a mãe que torceu tanto para ver seu filho roteirista realizando seus sonhos, eu como ator, não podia entregar mais do que algo magnífico.
Naquela noite foi assim que atuei, vendo o público de São Paulo emocionado, sem terem noção da bagunça que meu peito e coração estavam, atendi um por um, com o maior amor do mundo, quando na verdade eu só queria trocar de roupa e sair dali, não que eu não os amasse, mas eu precisava encontrar alguém...
Com paciência e carinho, tirei fotos, recebi presentes, dei autógrafos e prestei atenção em cada pequena história contada, até que as luzes se apagaram, os carros saíram do estacionamento e as portas foram trancadas...
Entrei em meu carro, ligando rapidamente para a pessoa que poderia me ajudar nesse momento.
"Maury?" Boer perguntou, sua voz parecendo surpresa.
"Tudo bem Bru? Posso te perguntar uma coisa?"
"Claro... Pode falar." Ele respondeu.
"Você consegue me mandar o endereço do Di e me dizer se ele está em casa?" Perguntei, ansioso, minhas mãos suando.
"Em casa eu sei que ele está, acabei de falar com ele. O endereço eu te mando no WhatsApp."
"Obrigado! E não comenta com ele." Bruno resmungou algo, eu sorri, sabia que era difícil pro rapaz segurar a língua, mas ele concordou e nos despedimos.
Minutos depois eu estava em frente a porta do menor, o porteiro me reconhecendo da novela e dizendo que sua filha é maluca por Dimaury, me deixando subir quando eu implorei, falando que era uma surpresa. Toquei a campainha, ouvindo um "já vai".
"Amaury?" Diego me olhou de cima a baixo, confuso com minha aparição repentina, já que eu havia dito que viria de avião e voltaria direto para o Rio.
"Oi amor." Sussurrei.
"O que? E o avião?" Eu sorri, puxando a mala ao meu lado, colocando-a no seu campo de visão, Diego olhou para mim e para o objeto confuso.
"Não tem avião..." Falei, o rapaz negando, sem entender nada.
"Foi cancelado? Você perdeu sua passagem?" Eu neguei, dando um passo para mais perto dele.
"Não tem avião Diego, não tem passagem, não tem... Não tem volta." Conclui.
"Não... Não tem volta?" Eu neguei, o menor parecia trêmulo, um sorriso se formando em seu rosto ao que a compreensão chegava aos poucos por conta das minhas palavras.
"Não mesmo?"
"Não. Não tem sentido, não sem você lá... Eu achava que minha casa era perto do mar, das cachoeiras, dos meus pais e amigos... Mas meu coração escolheu você amor, minha casa é onde você estiver..." Diego tinha lágrimas nos olhos, eu sorria grande.
"Entra... Entra... Vem! Me deixa... Eu..." Ele se emrrolou todo, parando para tentar respirar, seus olhos brilhando quando decidiu que falar nada talvez fosse o certo, seus braços ao meu redor em um abraço apertado, nossas bocas se encontrando, numa mistura de línguas e dentes, as peles quentes e arrepiadas.
Finalmente em casa.

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