Expectativa

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"Que raiva que eu tô de mim
Por me iludir assim
E não possível que eu caí
Depois de tudo que eu vivi
Ainda não aprendi
Que quando o beijo é bom
É melhor não repetir"
(Lh e Léo)

Diego~

Expectativa: situação de quem espera a ocorrência de algo, ou sua probabilidade de ocorrência, em determinado momento.
Minha vida era feito dessa pequena palavra, que abria um leque de possibilidades, umas esperadas e desejadas, outras nem tanto. Tive expectativa de ser aceito por meus pais quando disse ser gay, mesmo tendo sido criado em um lar sem preconceitos, sair do armário não é fácil. Expectativa de ser aceito por minha drag, ter sucesso, fazer o que gosto e ser reconhecido e amado por isso. Expectativa de que o babaca do meu ex percebesse que eu tentava cada vez mais por ele, de que se eu fizesse o que ele pedisse, seria digno de ser amado, mesmo com todos meus defeitos, que não eram poucos, fui um tolo.
No fim, a vida era isso, expectativa, momentos, resultado. A expectativa do neto que espera a avó voltar do hospital curada, a expectativa da mãe que deseja que a criança nasça com os olhos do pai e seu nariz, do casal que pela primeira vez abre a porta de um apartamento vazio, da criança que espera o ano todo por um presente do papai Noel ou até mesmo aquele tão desejado doce do mercadinho da esquina. Nossa vida é feita disso. Eu me lembro de como me senti quando fiz o teste para a novela, da expectativa, do vídeo em si, gravado e enviado, o momento e do resultado, o tão sonhado e improvável resultado que me surpreendeu positivamente.
Criar expectativa no improvável é um dos sentimentos mais gostosos que tem, nos causa adrenalina, libera diversos hormônios que fazem delícias em nosso cérebro, assim como fodem ele, quando a resposta ao momento é negativa, ou não se concretiza da forma que esperamos, as vezes a expectativa é tão trapaceira que se encontra em nosso inconsciente, nós achamos que está tudo sob controle, mas quando a pessoa não nos retribui, acaba com tudo o que achávamos importante e ainda concorda que o problema somos nós, percebemos a emboscada em que nos metemos.
Eu estava fodido.
Fodido, triste e cabisbaixo por todo o canto possível, fazendo o que faço de melhor quando algum olhar se focava em mim, por mais de três segundos, fingia, é isso que eu sou, um ator.
"Diego?" Rafael me chamou, eu o encarei, suspirei sabendo que aquilo não seria uma boa conversa, Rafael era um dos diretores e estava responsável por passar algumas últimas recomendações aos atores, algo como: Oi, seu personagem vai morrer. Que merda, Kelvin morreria? Deveria ser proibido reuniões às nove e meia da noite de uma quarta-feira, quando se estava com um coração partido.
"Pode falar, Rafa." Eu disse, minha marmita intocada em cima da mesa, a salada até mesmo parecia meio murcha já, eu andava evitando os refeitórios, Rafael me olhou e suspirou, nesse momento Amaury entrou, meus olhos abaixando no mesmo momento em que o homem atravessou a porta, os ombros parecendo tensos.
"Sente-se Amaury." Rafael apontou o sofá ao meu lado, Amaury não fez, se sentando em uma das poltronas disponíveis ali, era loucura sentir falta da temperatura corporal de alguém?
"O que houve? Porque da reunião de emergência?" A voz do homem, que eu não ouvia a tanto tempo, fora das gravações, mas lá era a voz rouca, cheia de sotaque e características linguísticas do Ramiro, soou por toda a sala.
"Queria começar dizendo que vocês estão ótimos, o foco de vocês e a falta de erros nessas cenas é admirável." Ele começou e eu suspirei, claro, não suportamos ficar perto um fo outro, fazemos tudo o mais perfeito possível para que não tenha necessidade de repetir e prolongar nossa interação.
"Mas?" Perguntei, sabendo que eles não conversavam sobre bom desempenho ali.
"Mas... Os fãs estão começando a estranhar a falta de interação, quero que falem sobre vocês, citem um ao outro." Ele disse e eu arregalei os olhos, não imaginava que seria esse o rumo da conversa. "O famoso fan service. Eu não sei o que houve, mas sei que houve algo, só peço que aguentem esse mês que falta."
"Okay." Foi o que Amaury falou se levantando, eu o olhei, meus olhos cheios de água. Quando foi que eu comecei a chorar tanto assim? "Era só isso?" Eu quis gritar, para ele parar de ser idiota, para ele agir com maturidade, para ele gritar de volta comigo, pra ele me foder com força, pra me abraçar, pra falar que eu era o piquitito dele, pra sussurrar o quão gostosa eu ficava, eu estava implorando por qualquer reação e ela não vinha, nem dele, nem de mim, viramos fantasmas presos em nossos gritos mudos. Merecíamos o prêmio de ator revelação mais que nunca.
"Tá bem." Conclui sem forças, por dentro, por fora havia um sorriso bonito, uma pele bonita, olhos banhados em tristeza que poderiam ser comparados a beleza da juventude e alegria. Sorri.
Amaury e Rafael se retiraram e eu pude finalmente chorar, coloquei uma almofada sobre o rosto e gritei com todas as minhas forças contra ela, não me importando com o trabalho que a maquiagem teria para minhas próximas três cenas, não me importando caso alguém visse.
Senti braços ao meu redor, enquanto tentava de forma inútil, segurar um pouco dos soluços, ergui a cabeça vendo a estrutura pequena da Tata, me segurando como se ela tivesse toda força do mundo.
"Di, calma, calma amor! Tudo vai ficar bem! Você vai ficar bem... É tão forte." Parecia uma prece, uma oração, ou seja lá que tipo de mantra bom ela repetia enquanto me embalava em seus braços. Me agarrei nela, como uma criança desesperada após perder algo que era, na sua visão, o motivo de sua felicidade.
"Eu não consigo mais." Falei, não sabia exatamente sobre o que, mas sabia sobre quem eu dizia.
"Eu sei... Eu sei... Coloca pra fora meu bem..." Ela disse enquanto me acariciava no braço. "Eu trouxe um casadinho... A..." Ela fez uma pausa. "Algo me disse que você precisava de um doce." Ela concluiu calma, seus olhos rondando pelo lugar, como se esperassem alguém entrar pela porta a qualquer minuto.
"Obrigada..." Sorri, na verdade, tentei. "Você é a melhor." Ela suspirou.
"Sabia que eu vou aparecer na propaganda de fim de ano dentro de uma bolha de sabão?" Aquilo me fez soltar um riso fraco... A melhor realmente, pensei, enquanto comia o doce oferecido e escutava as divagações da menor.
Amaury e eu passamos os próximos dois dias entre um Live dele e caixinhas de diálogo minhas, onde nos citavamos com carinho, mas nada muito profundo, nada muito amoroso, até mesmo nossas mães se enfiando no meio... A minha toda feliz, me dizendo o quanto éramos incríveis, mesmo sem saber o que tivemos e como eu estava quebrado.
Não quis dar a notícia triste. Em um mês, não veria Amaury mais e meu coração voltaria a bater, não com a mesma força, mas continuaria batendo.

Oie!
Ces tão bem?
Gostaram?
Beijos.

EstelarOnde histórias criam vida. Descubra agora