9. Excluídos...

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O tempo estava passando mais rápido do que eu gostaria. Logo as aulas começariam e eu teria que voltar à escola. Gostava de estudar, mas preferia ficar em casa com minha mãe. Eu a considerava uma mulher muito sábia. Também gostava de ajudá-la nas tarefas domésticas.

- Mamãe - eu disse enquanto a ajudava a recolher a roupa do varal -, a senhora sabia que a primeira vez que Ellen deu seu testemunho em público foi numa reunião de crentes no advento? - Percebendo a surpresa no rosto dela, continuei: - Ela disse que não conseguiu ficar em silêncio porque estava muito impressionada com o amor de Jesus. Simplesmente as palavras fluíram de seus lábios. Foi como se estivesse sozinha com Deus. Ela não teve nenhuma dificuldade em expressar a paz e a felicidade que sentia. Havia lágrimas em seus olhos, mas eram de gratidão pelo que Jesus fizera por ela. Isso não é maravilhoso? Se isso foi em 1842, Ellen era apenas um pouco mais jovem do que eu! Estava então com 14 anos.

- Pelo que vejo... - minha mãe disse enquanto tirava do avesso uma saia com forro verde - você está indo a fundo em suas pesquisas. Eu achava que Ellen tinha começado a dar seu testemunho em público apenas aos 17 anos, quando Deus lhe deu aquela visão depois do desapontamento de 22 de outubro de 1844.

- Eu também achava! - arregalei os olhos. - Mas ela conta num daqueles livros que estou lendo que a primeira vez que testemunhou de Jesus foi nessa ocasião. Depois disso, as pessoas apreciaram tanto seu testemunho que ela recebeu vários convites para que falasse em outras reuniões. Ela tinha preocupação por seus jovens amigos, e eles normalmente se rendiam a seus apelos.

Percebendo que minha mãe estava bem atenta, levei a bacia de roupa para mais perto dela e comecei a dobrar as peças menores recém-tiradas do varal.

- Mas Ellen ficou muito decepcionada com a reação de algumas pessoas da Igreja Metodista - continuei. - Numa ocasião, quando estava com seu irmão, Robert, assistindo a uma reunião na casa de alguém, ela falou de sua experiência, de seu sofrimento sob o peso do pecado e das bênçãos que agora desfrutava quando decidiu viver de acordo com a vontade de Deus. Ela mencionou a alegria que sentia ao aguardar a volta de Jesus. Mas sabe qual foi a reação do líder da reunião?

Mamãe balançou a cabeça negativamente.

- Ele virou-se para Ellen e perguntou se não seria mais proveitoso viver uma longa vida de utilidade, fazendo o bem aos outros, do que esperar que Jesus viesse logo e destruísse pobres pecadores. Já pensou nisso? - Não consegui esconder minha indignação.

- E como Ellen reagiu? - mamãe perguntou.

- Ela disse que não via a hora de Jesus voltar para que Ele colocasse fim ao pecado, mas o líder continuou argumentado que achava melhor simplesmente morrer pacificamente do que, estando vivo, passar pela dor da transformação. Ele se referia ao fato de deixar de ser mortal para ser imortal. Declaradamente ele disse que preferia acreditar que Jesus só voltaria depois de milhares de anos do que vê-Lo voltar em seus dias.

- É... Deve ter sido difícil para Ellen e sua família... - minha mãe disse pensativa.

Contei que, em outra reunião, Ellen falou novamente de sua alegre expectativa de encontrar-se com seu Salvador e de como essa esperança a levava a buscar uma vida de comunhão com Deus. Novamente houve discussão porque o líder da classe disse que ela havia recebido a santificação no metodismo e não em uma teoria equivocada. Ellen se encheu de coragem e defendeu aquilo em que acreditava. Falou como a aparência de Jesus havia trazido paz, alegria e perfeito amor à sua vida. Com seu jeito calmo, Robert também falou. Mas eles continuaram sendo malcompreendidos. Na verdade, aquela foi a última reunião a que os dois irmãos assistiram na classe dos metodistas.

- Não demorou muito - eu disse -, a família Harmon foi visitada pelo pastor da Igreja Metodista da Rua Chestnut. O ministro alegou que eles tinham adotado uma nova e estranha crença que a Igreja Metodista não podia aceitar. O pai de Ellen defendeu-se, dizendo que eles estavam apenas seguindo o que a Bíblia dizia.

- É verdade - minha mãe colocou a última peça na bacia. - O próprio Jesus havia pregado sobre Sua segunda vinda aos discípulos. O que o pastor respondeu?

- Ele sabia que não tinha como provar pela Biblia que a família Harmon estava errada, então simplesmente os aconselhou a se desligarem discretamente da igreja para evitar o constrangimento de um julgamento público.

- Anna, me ajude a levar a bacia para dentro - minha mãe me interrompeu. Eu nem havia percebido que tínhamos recolhido e dobrado toda a roupa.

- Claro, mamãe - eu disse, enquanto segurava um dos lados da grande bacia. - Assim, já aproveito e pego no meu quarto o livro que fala sobre como foi a exclusão da família Harmon da Igreja Metodista. Ellen descreveu a situação como sendo traumática.

- Imagino... Vamos entrar. Enquanto você apanha o livro, vou preparar uma limonada fresquinha para nós.

"Humm! Adoro limonada..."

Fui até o criado-mudo e peguei o livro do qual Gary havia me falado, Life Sketches of James White and Ellen G. White. Então, me dirigi à cozinha, onde mamãe estava terminando de espremer os limões. Respirei fundo e senti o cheiro gostoso da fruta cítrica.

- Aqui está, mamãe - deixei o livro sobre a mesa e fui até a cristaleira pegar dois copos. Em seguida, eu e minha mãe nos sentamos. Entre um gole e outro, comecei a ler para ela. - Até sublinhei esta parte que a própria Ellen escreveu para explicar por que seu pai não concordou em fazer o que o pastor sugeriu: "Não desejávamos que outros irmãos pensassem que tínhamos vergonha de reconhecer nossa fé, ou que fôssemos incapazes de sustentar nossa crença através da Escritura."

- Deve ter sido uma decisão difícil - mamãe comentou.

- O pai de Ellen foi muito corajoso... - concordei. - Ellen descreveu como foi a reunião em que eles foram removidos da igreja. Ela disse que poucas pessoas estiveram presentes. Seu pai era um homem muito respeitado, e até os opositores não tinham interesse de que o caso fosse tratado diante de um grande número de membros. Quando perguntaram que regra tinham transgredido, foi-lhes dito que eles tinham frequentado outras reuniões e negligenciado assistir regularmente aos cultos da igreja. Foi-lhes perguntado se eles concordavam em abandonar as novas crenças e voltar a seguir as regras metodistas. A senhora já deve imaginar a resposta deles, não é?

- Sim, acho que eles tinham tanta certeza do que acreditavam que devem ter preferido ser desligados da igreja - mamãe deu mais um gole no suco e repousou o copo sobre a mesa.

- Foi isso mesmo! Veja o que Ellen escreveu aqui: "No domingo seguinte [setembro de 1843, de acordo com os registros da igreja], o pastor que presidia a reunião [Charles Baker] leu a exclusão dos nossos nomes, sete no total. Ele declarou que não estávamos sendo excluídos por causa de qualquer erro ou conduta imoral, que nossa reputação e caráter eram irrepreensíveis; mas éramos culpados de caminhar contrário às regras da Igreja Metodista. Ele também declarou que a porta estava agora aberta e que todos os culpados de semelhante transgressão das regras deveriam ser tratados de modo semelhante."

- E muitos outros deixaram a Igreja Metodista? - mamãe perguntou com interesse.

- Isso eu não sei dizer - corri os olhos pelo texto e localizei um parágrafo que estava marcado. - Mas aqui Ellen diz assim: "Alguns trocaram o favor de Deus por um lugar na Igreja Metodista." Imagino que alguns desistiram da crença na vinda de Jesus por medo de serem também desligados da igreja.

Quando minha mãe se levantou, percebi que ela ia lavar os copos e a jarra.

- Pode deixar que eu lavo, mamãe. Só vou levar o livro para o meu quarto e já volto.

- Obrigada, Anna. Vou aproveitar e aquecer o ferro para passar a roupa. Ela está no ponto para ser passada. - Mamãe ia saindo, mas voltou: - Gostei muito da nossa conversa. Você está mesmo se dedicando às suas leituras, e isso está lhe fazendo bem. É bom ter exemplos dignos de ser imitados!

- Sabe, mãe, uma vez a senhora disse que Ellen White era um vaso escolhido por Deus. Na hora, não entendi muito bem o que a senhora queria dizer, mas acho que estou começando a compreender...

Vaso de Barro - Neila D. OliveiraOnde histórias criam vida. Descubra agora