No dia em que levei ao correio a carta para Gary, chegou uma correspondência dele. Eu havia ido com minha mãe até a loja de tecidos do Sr. Medley e fiquei meio impaciente enquanto ela fazia as compras. Queria chegar logo à nossa casa para ler a carta do meu amigo.
- Anna, o que você acha deste corte? - Mamãe me mostrou um tecido escuro. - Ele parece bem apropriado e durável...
As palavras de mamãe me fizeram lembrar de algo que eu tinha lido recentemente sobre a opinião da senhora Ellen a respeito de vestidos. Num dos seus manuscritos que havia sido impresso, ela dizia que as mulheres deveriam se vestir com simplicidade, mas o material dos vestidos deveria ser bom, durável e apropriado para a época.
Enquanto sentia o tecido em minhas mãos, olhei ao redor e vi um pano que chamou muito minha atenção.
- Veja, mamãe - eu disse, apontando para um lindo corte vermelho. - Por que a senhora não leva este aqui?
O Sr. Medley estendeu o tecido sobre o balcão. De perto, dava para perceber uns detalhes bem discretos, que tornavam a peça ainda mais bonita.
- Não sei... - mamãe alisou o tecido. - Nunca usei nada nessa cor.
Ah, não perdi tempo e falei para mamãe algo que a deixou surpresa.
- Sabia que a senhora Ellen disse que seria interessante que as mulheres tivessem pelo menos um vestido vermelho?
- Sério? - Minha mãe pareceu duvidar.
- Sim, é verdade! - falei rindo. - Li em algum lugar que a senhora Ellen sempre tinha cortes de tecido a mais em sua casa, que ela costumava doar para pessoas necessitadas. Uma de suas netas contou que a avó era prática e tinha muito bom senso quando dava os conselhos a respeito do vestuário. Certa vez, ela deu três cortes de tecido para uma jovem enfermeira que tinha apenas algumas peças de roupa. E sabe de que cor eram os tecidos?
- Não sei, mas imagino que um deles era vermelho. Estou certa?
- Certíssima - respondi. - Um era vermelho, outro era azul e o terceiro era dourado!
- Uau! - mamãe não conseguiu esconder a surpresa. - Por essa eu não esperava.
Sorri porque eu sabia que aquela era mesmo uma novidade para minha mãe. Também tive uma reação semelhante quando li pela primeira vez sobre isso. Mas essa era apenas uma das muitas surpresas que eu estava tendo ao procurar descobrir quem de fato tinha sido a senhora Ellen.
O Sr. Medley ajudou a convencer minha mãe de que aquele tecido, aliado à sua costura impecável, resultaria num belo e elegante vestido. Para mim, escolhi um azul-claro, que combinava com uma delicada renda do mesmo tom.
Ao chegar em casa, fui para o meu quarto. Abri o envelope cinza e observei o capricho com que Gary escrevia. Sua letra era firme e não havia rasuras. "Será que ele passou a carta a limpo?", me perguntei.
Contei quantas folhas havia dentro do envelope. Quatro! "É", pensei, "desta vez ele me superou..." Ele começava dando notícias de sua família. Contou de sua irmãzinha Vicky, que estava toda feliz porque o primeiro dente de leite finalmente havia caído. Também falou dos preparativos para o casamento de Roger. Tudo indicava que a cerimônia aconteceria dentro de alguns meses. Provavelmente no começo de 1916.
Penso que será uma ocasião apropriada para nos encontrarmos, ele escreveu. Roger já começou a fazer a lista de convidados, e o nome da sua família certamente está nela.
Continuei lendo a carta, até que parei num ponto. Li novamente para ver se eu havia entendido direito: A próxima carta que eu lhe enviar, terá um novo cabeçalho. Em vez de Battle Creek, você vai ler "Berrien Springs." Isso mesmo! Estou indo para o Emmanuel Missionary College para completar meus estudos. Tenho orado a Deus e sentido o desejo de me preparar para servi-Lo melhor. Espero que você fique feliz com essa notícia. Minhas pesquisas sobre a obra do casal White em Battle Creek estão bem adiantadas. Pretendo lhe escrever sobre elas quando estiver instalado no colégio. Outra notícia boa é que lá tem uma biblioteca muito completa e poderei lhe dar informações mais precisas. Segue o endereço para onde você deve enviar as próximas cartas.
Peguei um pedaço de papel e copiei o endereço para ficar mais fácil de localizar quando preenchesse o próximo envelope.
Suas cartas têm me inspirado. Tenho apreciado o fato de você partilhar comigo suas descobertas sobre a senhora Ellen. Eu não sabia como tinha sido a infância dela. E acho que você tem razão: Deus realmente a estava preparando. Imagino o quanto deve ter sido difícil para ela e para aproximadamente 100 mil pessoas de diversas denominações religiosas que tiveram que enfrentar a decepção de não ver Jesus voltar na data que elas esperavam. Hoje sabemos que tudo o que aconteceu estava no perfeito cronograma de Deus. Temos a certeza de que toda aquela experiência ainda resultou em muitas bênçãos para os que permaneceram fiéis e continuaram confiando na direção divina. Na verdade, foi esse grupo de pessoas sinceras que recebeu as orientações que dariam origem à nossa igreja. É um verdadeiro privilégio conhecer nossa história, não é? Continue me escrevendo... Quando leio suas cartas, sinto como se você estivesse perto de mim, e isso ajuda a amenizar a saudade. Não demore para me responder.
Li novamente em voz alta a última frase e suspirei. Que engraçado! Parecia que Gary havia lido meus pensamentos. Mal sabia ele que a carta que receberia em breve falava exatamente do sentimento de Ellen e dos demais que sofreram o desapontamento em 1844. Nossas ideias também pareciam bem afinadas. É claro que fiquei muito feliz em saber que ele iria estudar no Emmanuel Missionary College. Tive uma forte sensação de que Deus tinha planos muito especiais para Gary, como Ele teve para Ellen e para todos aqueles que se dispuseram a servi-Lo de todo coração.
Peguei a caixinha de madeira decorada onde já estavam a outra carta, o telegrama e o lenço branco que Gary havia me emprestado na campal. Tirei a tampa e coloquei por cima a carta que tinha acabado de ler. Colocando a tampa de volta, pensei: "Acho que vou precisar de uma caixa maior..."
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Vaso de Barro - Neila D. Oliveira
Spiritual"Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós." (2 Coríntios 4:7, NVI) Anna Beatrice é uma adolescente muito esperta, criativa e que ama descobrir coisas novas. Ela só não imaginava que sua d...