O Intercambista

CAPITULO 3

Me meti em uma baita encrenca por ter dormido fora de casa e retornado só à uma da tarde do outro dia, quando acordei.

Minha mãe gritou tanto comigo que senti que minha cabeça ia explodir.

Já Lorenzo não olhou na minha cara nem uma vez desde que eu voltei para casa. Queria apagar e esquecer tudo que havia acontecido naquela noite.

Minha mãe resolveu me trancar dentro de casa e eu estava olhando para o teto do quarto, ainda de ressaca.

Já era noite quando ouvi o clique de chave girando na minha porta. Me sento imediatamente.

"Como você tá?" - Meu irmão fecha a porta atrás de si - "Trouxe alguns remédios pra dor de cabeça"

"Hum, valeu" - Respondo, meio sem jeito.

"Vai me contar o que aconteceu lá?" - Ele se senta na cama ao meu lado.

"Só bebi demais"

"Isso eu sei. Mas aconteceu alguma coisa que você não quer me contar"

Será que estava tão na cara assim ou Mike só me conhecia bem o suficiente?

"Eu não sei do que você tá falando"

"Bom, se você não quer me contar tudo bem, espero até você estar pronta" - Ele me olha - "Agora pega suas coisas e vai tomar um banho, esquentei a banheira pra você"

Senti meu corpo relaxar quando mergulhei na água quente. Eu sabia que uma hora ou outra eu teria que contar para Mike sobre Lorenzo, mas não queria ter que fazer isso agora.

No outro dia, já estava me sentindo melhor, e fui para a escola.

Não esperei meu irmão nem Lorenzo para chegar lá, só saí o mais rápido que pude para não cruzar com nenhum dos dois.

"Como você tá?" - Nora pergunta assim que me sento na carteira ao seu lado.

"Bem" - Respondo, apenas.

"Não sei como ainda estamos vivas depois da noite de sábado! Você falou com o Ian? Ele parecia meio bravo quando acordou no domingo, porque você já tinha ido embora. Aconteceu alguma coisa? Eu não consigo me lembrar..."

"Sim. Eu, hum... beijei Lorenzo por causa do verdade ou desafio"

"Nossa, verdade!" - Ela bate em sua própria testa - "Mas você é solteira e, enquanto ele não mudar isso, não vejo motivo pra estresse" - Ela pisca para mim.

"Mas você não tem a intenção de ficar com o Lorenzo de novo né, Abby?" - Lena se intromete na conversa.

Franzo as sobrancelhas.

"Não, claro que não! Ele é meu meio-irmão! Só fiz aquilo pra irritar Ian" - Respondo, fazendo uma cara de nojo.

"Ah bom, é que eu..."

"Desculpe o atraso pessoal, sentem-se todos, a aula vai começar!" - Gritou a professora, interrompendo Lena.

As aulas passaram rápido, e no intervalo, corri até nossa mesa para conversar com Ian.

"Posso falar com você um minuto?" - Disse, assim que cheguei.

Ele se levanta e nos afastamos do resto.

Lorenzo estava encostado em uma parede junto com alguns novos amigos da sala dele - inclusive meu irmão - e senti seu olhar em mim quando atravessei o pátio com Ian.

"Então, queria ter motivo para pedir desculpas pra você mas, como você mesmo diz, nós não namoramos, então não vejo motivo pra me desculpar"

"Abby, o que você tem que entender é que eu nunca faria uma coisa dessas com você, já você... bom, você fez! Essa é a nossa diferença. Eu não namoro e isso não vai mudar, principalmente depois disso"

"Você não tem o direito de ficar bravo sendo que estou solteira"

"Não tenho direito? Nós estamos saindo a quatro meses!"

"E eu ainda sou solteira! Que engraçado, né?" - Reviro os olhos.

"Não revire os olhos pra mim!"

"Não diga o que eu posso ou não fazer!"

Percebo que, aos poucos, a plateia de olhares começa a aumentar à nossa volta, e recebo isso como um sinal para abaixar a voz e me acalmar. Respiro fundo.

"Acho melhor nós darmos um tempo" - Essa estratégia sempre dava certo.

"O quê?"

"Nós estamos perdendo tempo com esse... esse... joguinho de desinteresse"

"Joguinho? Nós podemos fazer isso dar certo! Por favor, vamos tentar mais uma vez" - Ele me encara.

Abro um sorriso quando percebo que consegui virar o jogo e o beijo.

Andamos abraçados de volta à mesa e nossos amigos sorriem ao perceberem que tínhamos nos entendido.

Agora só faltava uma pessoa que eu precisava conversar.

.

Ficaria sozinha com o Lorenzo essa tarde, então ensaiei um discurso para me explicar para ele. Demorei horas para criar coragem mas, assim que desci as escadas, entrei na cozinha e fiquei lá fazendo hora, desencorajada. Sinto passos atrás de mim, mas só finjo estar concentrada na minha água.

"Pelo visto o papo de respeito não resolveu nada, né?" - Lorenzo recosta no balcão.

"O que isso quer dizer?" - Me faço de sonsa.

"Você sabe muito bem"

"Bom, não aconteceu nada entre a gente, aquilo foi só um beijo idiota" - Ele fica calado, então prossigo: - "Eu queria fazer ciúmes em um menino e estava bêbada. Entendeu agora?"

Ele levanta as sobrancelhas, faz uma cara de desprezo e assente com a cabeça, saindo da cozinha com os olhos frios feito gelo.

Acho que piorei o problema.

Viro o copo d'água de uma vez só e subo as escadas.

"Arrr" - Murmuro e entro no quarto de Lorenzo, batendo os pés.

Esse menino está me tirando a paciência.

"Olha aqui, Lorenzo..." - Abro a porta com força, mas, quando olho para dentro, não há ninguém - "Para onde você foi?"

Fecho a porta atrás de mim e caminho até as gavetas, abrindo a primeira. Ok, posso até não gostar dele, mas isso não tem nada a ver com ser curiosa

Tiro uma carteira de dentro e a abro, pegando uma foto de um dos compartimentos: era Lorenzo abraçado com um menininho. Talvez algum irmão? Viro a foto e passo os dedos pelos números escritos à caneta atrás.

"Que porra é essa?" - Pergunto em voz alta, esperando uma resposta do universo.

Coloco a foto e a carteira de volta na gaveta e pego outra coisa. Uma pulseirinha de ouro, aquelas de bebê, com um nome bordado.

"Thomas" - Repito em voz alta.

De repente, ouço a porta da frente abrir, coloco tudo de volta na gaveta e saio rapidamente, me jogando no sofá da sala quando minha mãe entra em casa.

"Ah, oi mãe, tudo bem? Como foi o trabalho?" - Digo, recuperando o fôlego.

"Onde está o Lorenzo? Trouxe umas coisas do mercado que ele disse que precisava" - Ela pergunta, me ignorando.

Nesse momento, Lorenzo desce as escadas e abre um sorriso.

"Obrigada, dona Any" - Ele pega as sacolas e volta para cima.

Olho até ele sumir.

Certo, eu realmente não sei nada sobre ele.