CAPITULO 15

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Na sexta, saí para correr de novo.

Me perdi novamente em minha própria cabeça, alternando entre escola, minha mãe, escola, Lorenzo, escola, Nora; e assim fui correndo e correndo e correndo. Olhei para o céu. Iria começar a chover em questão de minutos. Hora de voltar. Corro o mais rápido que consigo e o dia começara a escurecer. Entro em casa depressa. Tiro os fones de ouvido.

"Mãe, pai?" - Grito. Sem resposta - "Mike?" - Sem resposta de novo.

Vou para o banho e escuto a chuva bater nas janelas. Estava forte, muito forte. Coloco um moletom e uma calça de pijama e estou espremendo o cabelo na toalha quando vejo a porta da frente abrir e Lorenzo entrar por ela. Os cabelos e as roupas encharcadas, a cabeça baixa, a água pingando no tapete de entrada.

Talvez pelo jeito como ele está projetado à minha frente, esqueço completamente de nossa briga e meu sentimento por ele grita mais alto que o ódio dentro de mim.

"Lorenzo?" - Falo e ele olha para cima das escadas, onde estou. Os olhos dele, consigo perceber quando me aproximo um pouco, estão vermelhos - "O que aconteceu?"

Ele não diz nada, mas consigo perceber. Consigo perceber que algo estava errado. Lorenzo nunca demonstra o que está sentindo pelo olhar, mas dessa vez, ele deixou escapar. E era tristeza.

Estendo os braços e envolvo-o em um abraço, deixando a toalha que estou segurando em um braço do sofá. Ele soluça, o meu rosto colado ao peito frio e molhado dele. Ficamos assim por alguns minutos e logo passo a toalha em volta de seus braços, levando-o para o chuveiro.

Esperei, esperei e esperei sentada na cama de Lorenzo até que ele voltasse do banho quente. Assim que ele entra pela porta do quarto - a toalha em volta dos quadris, a barriga amostra, os cabelos pingando -, desvio o olhar e viro de costas enquanto ele coloca uma roupa. Nossa, como ele é gato, Meu Deus Abigail, péssima hora.

Senti quando a cama afundou um pouco e ele se sentou, tocando meus ombros, indicando que eu podia me virar. Sinto o peso de seus olhos sob mim e nos encaramos. Lorenzo morde o lábio e, quando finalmente pensei que diria alguma coisa, ele murmurou:

"Hum..." - E passou a mão pelos cabelos.

Ele sempre faz isso quando está nervoso.

"O que aconteceu?"

E depois de uma longa semana remoendo e remoendo o que acontecera em nós, nesse momento esqueci completamente de tudo a minha volta, a não ser dele ali, sentado à minha frente, tentando encontrar o que dizer.

"Não era assim que eu planejava te contar isso..." - Lorenzo começa - "Mas meu irmão acabou de morrer"

De todas as coisas que eu pensei que poderiam ter acontecido, essa opção nem cogitou passar pela minha cabeça, com certeza.

"Sabe, eu era apenas uma criança quando meus pais se separaram. Não teve aquele monte de papéis assinados de divórcio, não. Eles dois viviam brigando e gritando um com o outro e no outro dia, na mesa do jantar, eu fingia não reparar nos hematomas roxos no rosto e no corpo da minha mãe. Mas ela estava sempre lá, sorrindo, quando eu me sentava à sua frente. Eu percebi que ela estava exausta pra caralho quando ela simplesmente fugiu de casa, abandonando eu e meu irmão de três anos com o meu pai. Eu tinha treze. Ele cuidou da gente por quatro anos ainda, mas sempre voltava bêbado e chapado pra casa quase toda noite, com um bolo de dinheiro na mão, e descobri que era por isso que minha mãe brigava tanto com ele. Todo dia, quando ele saia de novo para o bar, eu roubava alguma quantia do dinheiro dele escondido e prometia para o meu irmão que tudo ia ficar bem. Eu escondia o dinheiro nos meus sapatos e sabia de onde tudo aquilo vinha. Mas durante os anos ele começou a ficar muito agressivo. Eu..." - Ele pigarreia - "Eu roubei dinheiro do meu próprio pai, por anos. Mas eu não me sentia culpado, eu sentia raiva. Raiva por ele bater na minha mãe, raiva por ele voltar bêbado, raiva por ele traficar. Raiva dele. Eu sentia raiva dele. Pra caralho. Só que, em janeiro desse ano, meu irmão ficou muito doente e eu tive que levá-lo pro hospital, onde ele descobriu que tinha câncer"

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