Meus últimos dias em casa foram incríveis. Tudo bem que Cole ficou um pouco chateado por eu ir embora, mas ele supera. Comemos pizza, tacos, mais pizza e mais tacos. Fomos ao parque de diversão, à praia, ao cinema assistir O Silêncio dos Inocentes e até ao fliperama. Mamãe fez isso pra eu realmente sentir falta de casa.
Quando mamãe não estava trabalhando, ela me ajudava a confiar na minha coruja (nomeada Tony pelo Cole). Um dia, quando ela estava no mercado, fiz a Tony levar um bilhete pedindo chocolate. Não apanhei, mas foi quase. "O que acha que as pessoas vão pensar?", ela repetia.
Enquanto mamãe e Cole dormiam, eu lia os livros da escola, a fim de aprender um pouco e não parecer tão patético. Ainda estou tentando decidir qual é o meu favorito. Estou em dúvida entre Mil Ervas e Fungos Mágicos e Animais Fantásticos e Onde Habitam. Vou decidir outra hora.
Faltam apenas duas horas para o expresso sair da tal plataforma 9 ¾ (que eu ainda não acredito que exista), então mamãe, Cole e eu já estamos saindo de casa.
Pegamos o trem para Londres e depois um táxi até a estação King's Cross. Mal consegui dormir na noite passada. Estava muito ocupado arrumando o meu malão pela quinta vez e lendo os mesmos livros de todas as outras noites. Fiquei tentado a usar a varinha, mas também fiquei com medo de machucar Cole sem querer (ou de ser expulso antes mesmo de ver a escola).
Chegamos à estação pouco antes de 10:30. Mamãe levou a gaiola da Tony e eu o carrinho com o malão e os outros objetos de aula.
— Muito bem... é agora que eu descubro a pegadinha? — pergunto, olhando para o bilhete e depois para as plataformas, procurando a 9¾.
Mamãe não me responde. Ela observa a estação, parecendo triste. Seu olhar pousa em uma das coluna.
— Hã... ela está bem? — Cole pergunta num sussurro.
— Deve estar procurando a plataforma, relaxa. — Nem eu estou convencido disso. Mamãe não costuma se perder nos próprios pensamentos.
Ela só volta ao normal quando uma família passa por nós. Uma mulher gorducha falava com cinco jovens, quatro deles carregando um malão como o meu. Os observei até outro garoto andar logo atrás deles, parecendo tão confuso quanto eu.
A mulher fala e um dos garotos — aparentemente o mais velho — caminha em direção às plataformas nove e dez.
— Mamãe, acha que eles são como eu? — perguntei, mas não adiantou de nada. Mamãe agora olhava para o garoto que seguiu a família. Ela parecia reconhecê-lo. Estava com os olhos completamente estarrecidos e a boca entreaberta.
Olhei novamente para eles. O garoto que tomou a dianteira havia sumido. A mulher fala novamente, agora com gêmeos. Um deles retruca alguma coisa e também caminha em direção às plataformas, com o gêmeo atrás. E então, quando se aproximam correndo da parede, desaparecem.
Simples assim. Num momento estavam lá, e, então, não estavam mais em lugar algum.
O garoto magrelo de cabelo preto bagunçado que minha mãe tanto encarava se aproxima dos que ficaram ali.
— Mamãe, sei que é legal cuidar da vida dos outros, mas, sabe, eu sou o seu filho e estou partindo até o Natal, então será que a senhora pode prestar atenção em mim? — É algo estúpido de pedir depois da semana incrível que tive de despedida, mas esse olhar que ela lançou para o menino deixou meus nervos à flor da pele.
— Desculpe, bebê, achei ele parecido com uma pessoa. — Ela sorri, mas está magoada.
Minha mãe agacha e fica um pouco mais baixa que eu. Lágrimas correm pelas suas bochechas, e eu tenho quase certeza que não são por minha causa.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Olhe Para Mim, Mal
DragosteUm sonserino e um lufano, um casal totalmente improvável, certo? Errado. Vou usar muitas cenas reais dos livros/filmes para a construção do casal.