Capítulo 14

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As corujas estão entrando no salão. É a  quarta vez que isso acontece e eu ainda acho fascinante. Centenas de corujas entram voando no salão todas as manhãs para trazer cartas. No primeiro dia, Malignan sentou do meu lado, com medo de que eu fosse me assustar, mas foi muito pelo contrário. Mal segurou a minha mão e sussurrou "bom garoto" quando eu sorri vendo o show.

Na noite em que dormimos juntos, Mal estava muito estranho.

— Eu nunca tive um amigo como você — dissera.

— Você tem Nott e Ajax. — respondi.

— Eles não são você. Você é um amigo diferente. — Apenas aceitei. Afinal, eu também nunca tive um amigo como ele.

Tony pousa em cima da minha cabeça, como nos outros dias, logo após deixar um pacote na mesa. Sei exatamente o que ela quer. Tiro um pedacinho da torrada e aproximo do bico dela. Depois de bicar, voa junto com as outras corujas para sair do salão.

Agito a caixinha antes de abrir e faz barulho. Antes de ver o que é, abro o bilhete.

Bom dia, meu amorzinho. Como você está? Cole quebrou o dedinho do pé (ele pediu para não contar, mas foi porque bateu o dedo na cômoda), por isso não vou escrever muito. Mandei um presente pra você, mostre para o Mal. ;)

Ps: contém as suas favoritas.

Deixo o bilhete em cima da mesa e rasgo o papel pardo. A primeira coisa que vejo é uma foto do Cole sentado no sofá fazendo o sinal da paz com a mão, mas o dedo do pé está enfaixado. Eu sempre falei pra minha mãe que aquela cômoda era um perigo.

Tiro a foto da frente, revelando a caixa de um fone de ouvido. Olha, eu tenho quase certeza de que é uma piada, porque, tipo, a gente não tem dinheiro.

Abro a caixa, esperando pares de meias, mas tem realmente um fone e um Walkman. Tem duas fitas soltas na caixa e uma dentro do Walkman. Junto tem uma folha de caderno, com títulos de músicas escritos na letra linda da minha mãe.

Eu sou muito sortudo por ter a minha mãe.

Antes de tudo, levantei a mão e chamei o Mal. Ele demorou para ver, mas, quando viu, correu até mim. Chegou aqui pronto para socar qualquer um.

— Quem eu devo matar? — pergunta.

— Ninguém. Quero te mostrar uma coisa. — Malignan sentou ao meu lado, suspirando de alívio.

— Você me assustou.

— Desculpe. — Encosto o meu ombro no dele. — Minha mãe me mandou um presente. Olhe. — Tiro o fone da caixa e conecto o fio no Walkman antes de encaixá-lo na cabeça do Mal.

— Baixinho...

Abaixo totalmente o volume antes de dar play. Aumento só um pouco. Mal olha para a mesa, perplexo. Aumento mais um pouquinho.

— O que você está ouvindo? — pergunto.

Deep down in Louisiana, close to New Orleans... — diz baixinho. É minha vez de ficar perplexo. Nunca imaginei que ouvir Mal repetir a letra de Johnny B. Goode seria tão fascinante. Eu preciso que Mal decore essa música e cante pra mim. — Way back up in the woods among the evergreens...

Acho que isso fez o meu coração acelerar. Só acho.

E, a cada dia que passa, estou tendo mais certeza de uma coisa.

Uma coisa que eu não queria, que eu daria qualquer coisa para não ser real.

Malignan está roubando o meu coração para si. Eu sei que ele é um garoto e que isso é errado, mas eu não consigo evitar... Eu não queria gostar de um garoto. Queria ser normal.

Houve um momento no ano passado em que me peguei olhando para os garotos bonitinhos e pensei que gostar deles poderia ser tão legal quanto gostar das meninas. Isso passou quando ouvi que é errado um garoto gostar de outro garoto. Mas, agora, Mal fez todo aquele sentimento repugnante por garotos voltar à minha mente.

Talvez, só talvez, eu possa aceitar ser odiado pela maioria das pessoas no mundo se o garoto for o Malignan. Tudo vale a pena por ele. Mesmo que ele próprio me odeie. Mesmo que ele nunca me ame, vou cercá-lo com todo o meu amor e torcer pela sua felicidade, nem que custe a minha própria.

Go, Johnny, go, go... — Mal sorri e tira o fone. — Então é essa música que você não para de cantar. Gostei.

— Claro que você gostou. Ela é perfeita. — Mal ri do meu comentário.

— Tá legal, baixinho, preciso voltar. Tenho que terminar o trabalho do Snape — Mal diz levantando.

— Ah, sério? — Olho para Mal, querendo muito que ele fique aqui comigo.

— Não, isso pode esperar — diz. Abro um sorriso gigante enquanto ele senta ao meu lado novamente. — Qual música está tocando agora? — pergunta.

Ele começou a me perguntar isso depois que eu disse que eu sempre estou ouvindo uma música de fundo. O sempre dele é diferente do meu. Sempre está tocando uma música quando Mal está do meu lado. Eu não posso dizer a música que está tocando agora. Dói. A voz de Elvis Presley sussurra no meu ouvido:

"Homens sábios dizem

Que só os tolos se apaixonam

Mas eu não consigo evitar

Me apaixonar por você

Eu devo ficar?

Seria um pecado?

Se eu não consigo evitar

Me apaixonar por você?"

— Uma música que combina perfeitamente com você. "You're The Devil in Desguise"

— O QUÊ? Você acha que eu sou o diabo??? — Rio com a reação dele. — O que eu fiz para você?

— Relaxa, meu caro Mal. É só uma brincadeira. Você não é o diabo, é um dos seguidores dele. — Seus olhos se arregalam.

— Você é uma criatura horrível, sabia?

— Jura? Não sabia disso — digo sorrindo.

Maldito Malignan. Você é realmente o diabo por fazer eu virar um pecador nojento que só pensa em músicas românticas quando olha para você.

Seu desgraçado. Prometo de odiar por toda a minha morte se eu for pro inferno por sua culpa. Vou te assombrar para sempre.

Brincadeirinha.

Ou não.

Bom, pelo menos eu vou para o inferno sozinho, né? Mal viverá uma vida feliz com uma garota, terá vários filhos e sua família terá orgulho dele.

No fim, serei só alguém que ele lembrará como "o garoto que um dia foi meu amigo".

Talvez isso seja o suficiente pra mim.

Continua

Olhe Para Mim, MalOnde histórias criam vida. Descubra agora