Do diário de Miguel Diaz
3 de Abril de 1850 (continuação)Papai não disse uma palavra até que tivéssemos corrido, depois andando rápido e depois corrido de novo por uma hora. Estávamos percorrendo uma trilha poeirenta que levava à costa. A brisa do mar não ajudava a compensar o calor do sol, nem tínhamos tido tempo de pegar nossos chapéus.
Havia um milhão de perguntas que eu queria fazer, Rosa, estava explodindo de curiosidade, como sei que você também deve estar. Mas você, pelo menos, pode passar direto pelos parágrafos.
Depois de uma hora, papai estava quase caindo e tive que ajudá-lo a ficar de pé. Finalmente paramos sob algumas árvores, mas antes de descansarmos papai nos fez subir numa delas e olhar para trás, pelo caminho que havíamos feito. Alguém estava nos seguindo? Não consegui ver ninguém ou alguma coisa e disse isso a ele. Então, voltei para o chão e, pela primeira vez desde que saímos da tenda, consegui encarar papai de verdade.
Ah, Rosa, mal consegui escrever o que vi. Achei que papai estava pálido vom com o susto. Mas, naquele momento, percebi que estava errado. Papai estava pálido, mas não era de susto ou medo. Era um sintoma que eu conhecia muito bem, de tanto que vi nas últimas noites. Papai estava com a doença.
Ele ficou encostado no tronco da árvore e conseguiu apenas dar um sorriso fraco. Papai pediu para me sentar ao lado dele e colocou o braço ao redor do meu ombro. Ele disse:
- Nunca deveria tê-lo trazido para cá, Miguel.
E achei que ele tivesse morrido, porque a voz dele foi sumindo e a cabeça tombou para o lado. Mas ele rapidamente pareceu recuperar as forças e se obrigou a levantar.
- Ele parou de fingir- Disse Hector com a voz muito fraca.
Lutando contra as lágrimas que insistiam em surgir em seus olhos, Miguel se aproximou do pai, para absorver cada palavra.
- Foi nosso último acampamento. Logo chegaríamos ao porto. Ele não precisava mais fingir. Não precisava mais de carregadores para nada, nem de nós, e por isso nos entregou aos morcegos. Pararam de fazer lanchinhos, como tinham feito até agora. Eles precisavam de alimento de verdade- O pai sussurrou.
Miguel franziu a testa, tentando desesperadamente entender o que o pai dizia.
- O senhor está falando de Terry?- Ele perguntou.
Hector Salazar balançou a cabeça com pesar.
- Terry está morto, Miguel. Ele morreu na caverna. Estou falando de Camazotz!
Miguel encarou o pai, que continuou a explicação.
- As lendas são verdadeiras. Eu traduzi as inscrições, Miguel. Fiz uma interpretação grosseira, apenas uma tentativa, mas consegui entender o que diziam. Evidentemente, Kreese e eu não acreditamos! Não no começo. Somos homens modernos, racionais. Mas, aos poucos, tudo começou a fazer sentido. Vimos certas coisas. Havia indicações claras... E, no fim das contas, percebemos... Ouça, Miguel, não sei como Camazotz foi parar naquela caverna. Não sei o que ele fez durante esses séculos. Mas sei que ele posuiu Terry. E aqueles morcegos, aquelas criaturas infernais, são seus servos. Kreese e eu percebemos o que ele faria conosco. Então, confrontamos Camazotz na pessoa de Terry. Fomos tolos! Pensamos que uma arma de fogo do século 19 seria suficiente para vencer um Deus maia. Kreese atirou no peito dele, certeiro. Não saiu sangue. Ele apenas riu e o buraco se fechou. Em seguida, os morcegos nos atacaram. Kreese, os carregadores e eu. Eles são tão pesados que me derrubaram no chão. Depois, senti as presas afundando no meu pescoço.
Nesse momento, ele estremeceu e afrouxou a gola da camisa para que Miguel pudesse ver os dois pequenos ferimentos, lado a lado.
- Kreese os afastou de mim e me disse para pegá-lo e correr. Foi o que eu fiz. Ainda consegui vê-lo espantando os morcegos, atirando neles com seus revólveres, tentando nos dar algum tempo para escaparmos. Ele morreu como um herói, Miguel.