Psicodelia

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Era uma vez

A minha escola

E isso é importante

Pra história.

Na aula de inglês

Descobri um livro didático

Perdido embaixo da carteira.

Com ele meus amigos

Não se importaram

Então ficou para mim.

Pelo resto do dia, o esqueci.

Desde então comecei a ter

Pesadelos lúcidos, assustadores

De um pneu comunista

que pronuncia minhas dores.


Num deles, estava num quarto sem janela

Ou porta. Uma garota dormia ao meu lado

Na cama de casal.

No centro da sala, um grande fosso

Separava um lado do outro.

Pulei várias vezes sem conseguir!

Mas então percebi que estava

Em câmera lenta e o atingi.

Lá havia um criado-mudo

Com um livro didático de inglês.

O abri e eis quem estava ali:

O pneu comunista!

Que sumiu numa risada fosca.

E então apareceu um velho flutuando

Fumando um cachimbo um tanto suspeito

Que não sei se me ofereceu...


O tempo passa

E vem outro sonho

Nele estou naquele mesmo quarto

Mas junto com Rafinha

Minha melhor amiga

Ambos de pijamas.

De repente, a voz do bendito

Ecoa no infinito demoníaca

Assustando minha amiga

E acordo, sem reação.


Durante o dia, os dias passavam

Normalmente. Nada de diferente

Exceto o surgimento de uma moda

Dos alunos se vestirem como sapos

À qual não aderi.

Não por estar imune ao efeito manada

Mas ora, aqueles pijamas eram horrorosos!

— Até tu, Rafinha! — Cheguei a lamentar.


E então veio a noite decisiva

(Por algum motivo, sabia que o era).

Rafinha e eu estávamos no topo

Duma montanha. À frente, um prédio imenso.

Antes do saguão, vimos prateleira na parede

Cheia de sapos e um pássaro-sapo

Que tocava música clássica pelo bico.

Minha amiga falou que ele estava se aquecendo

E confiei na informação com a minha vida.

Daí, coaxei para me comunicar

E os sapos coaxaram por comida.

E depois de os alimentar

Se transformaram em pneus.

Placas em volta, idem.

Nem sinal de Rafinha.

Um silêncio profundo.


O saguão agora emanava luz branca

Que cegava. Segui até ela sozinho

Com o vento frio me empurrando.

O corredor ficou escuro

E ainda o silêncio absoluto.

Que perturbador! Enlouqueceria

Com certeza se ficasse mais ali!

No final, vi colinas verdes

Estava em Minas Gerais

Terra de aconchegos e memórias.

Só que não foram memórias que encontrei.

Cercado por esculturas modernistas

Vi o pneu perder ar e voar como um balão

E senti sua dor, imaginando sons

Em seus gritos mudos.

E esse foi o fim de um dos sonhos mais longos...


Mas ainda falta algo!

O que tornava o pneu comunista?

Ora, seu passado, que não sei como conheci.

Em suma, anos 60. Durante a ditadura

Um cartunista comunista cria uma HQ

para criticar o regime e o capitalismo

E o pneu era o protagonista.

Por razões lógicas, a HQ nunca vendeu

E o cartunista caiu no esquecimento

Não tendo o "luxo" de sequer ser censurado.

Ignoro, então, de que modo

O vil pneu difundia sua ideologia.

Era apenas um pneu comunista

Nos meus sonhos desconexos.

Minhas Noites de InsôniaOnde histórias criam vida. Descubra agora