IX. Conflito

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— Veja isso.

Colocou a folha rabiscada sobre a escrivaninha do irmão, o qual estava ocupado estudando, livros e cadernos espalhados à mesa. Sobre os óculos retangulares, o ouriço preto pegou e analisou atentamente os contornos pretos de um ser encapuzado flutuante. Os olhos brancos e pontiagudos da entidade foram destacados com o branco do papel, a pele colorida com o preto da caneta.

— Parece o Venom — afirmou o ouriço, deixando o papelzinho à mesa e voltando aos seus afazeres.

— Ian McGyver desenhou isso — contou ela, pouco se importando com a indiferença do irmão. — O senhorzinho dos picolés, lembra?

— Esse cara ainda tá vivo? — ele indagou, parecendo surpreso, mas ainda escrevendo no caderno à frente com suas letras cursivas impecáveis.

— Sim! E ele disse que essa coisa assombrou o Vale Minguante. Noah, eu cheguei lá e só tinha o trailer dele. Todos os outros foram embora. E se esse demônio negro estiver planejando algum tipo de destruição? Ele me contou que qualquer ser vivo que entra na floresta não volta mais. A floresta ao redor da nossa antiga casa — ela fechou o caderno dele com força —, Noah "Knux" the Hedgehog!

Ele expirou e fechou os olhos. Colocou os óculos retangulares à gola da camiseta e virou-se para ela com a cadeira giratória.

— Tudo bem. Prossiga — ordenou impaciente.

— Ele me falou das aparições do demônio. Disse que começou a surgir após a morte da... nossa mãe. E falou que o viu de perto. Viu que era negro, e que tinha uma matéria escura em volta do corpo. Ele contou do chão apodrecendo, o ar mudando... E falou que se sentiu consumido por infelicidade e... Também me falou dos relatos dos moradores! Teve uma mulher que o viu aparecer e sumir do outro lado do...

— Para — interrompeu-a seco. — Primeiro que já faria muito tempo pra esse cara se lembrar de tantos detalhes assim. Segundo, nós saímos por causa da morte da nossa mãe, se lembra? Nosso pai foi lúcido. Ficar lá só nos traria memórias de toda a nossa vida com mamãe. A porta do quarto, sapatos, um brinco... Qualquer coisa nos faria lembrar dela, e não conseguiríamos superar. Éramos crianças! Não saímos da nossa casa por causa de uma entidade bizarra.

Ela cruzou os braços para ouvi-lo. Queria dizer muito, mas deixaria ele terminar.

— Se algum ser estivesse assombrando o local à época, nosso pai teria nos contado eventualmente. Então, se ele não disse nada até agora, é pouco provável que esse relato seja real. Talvez esse cara só esteja escondendo algum fato. E se ele expulsou os outros habitantes?

— Ele não tem motivos para fazer algo assim, Knux. Ele era amado pelo povo, você não se lembra...?

— Eu não sei, mas ele é um suspeito. Você ouviu essa história de mais alguma pessoa, por acaso? — Cruzou os dedos sobre as pernas, analítico. — Não acha que ele pode estar se aproveitando da sua inocência?

— Ah, me poupe!

Ela recostou-se à escrivaninha e fixou o olhar em algum ponto do quarto bagunçado, irritada.

— E o que você estava fazendo lá, afinal? Não ia para uma festa do pijama?

O queixo dela caiu; percebeu que tropeçou na própria mentira. E ela começou a massagear o pingente de opalina, uma de suas manias quando ficava nervosa. A garota gemeu quando encontrou o olhar julgador do irmão.

— Ai, Noah... Eu menti — assumiu finalmente. — Eu senti falta da mamãe por um momento. Senti falta... do nosso passado. E achei que precisava revisitá-lo de alguma forma, sabe? Então me deparei com isso, com McGyger dizendo que eu não poderia fazê-lo devido a um demônio na floresta, aleatoriamente.

A Última Gravação (Sonic)Onde histórias criam vida. Descubra agora