XIX. Eu Escolho Lutar

2 0 0
                                    

𝙎onic estava liberto, sim.

Mas parecia mais assustador que antes.

Quando a equipe de mobianos inteira decidiu visitar a casa da família Rose e Hedgehog, como forma de prestar suas condolências e fazer companhia num momento tão delicado, Sonic arremessou-se num canto do sofá da sala e ficou, sem dar atenção às visitas que se aproximavam para tentar acudi-lo. Todavia, seu choque era tamanho que não era agressivo ou dramático toda vez que alguém se dirigia a ele. Não. Ele mantinha-se no lugar, em silêncio. Seus olhos não moviam-se ao receptor ou até a televisão, e mesmo postos à parede cinza, não identificavam nada.

Noah preocupou-se com a imagem do ouriço sozinho à multidão. Eles passaram por tanto que não sabiam qual seria o próximo passo, sequer pensavam nisso. Era demais para entender e ninguém estava bem para prosseguir, pois mesmo Lana decidiu se trancar no quarto, inexpressiva e sentindo-se vazia como o pai. Tudo o que Noah pôde fazer foi atuar como um observador — perto demais para criar um conceito do que ocorria, muito distante para intervir na mente de cada um.

— Pai...

Noah passou por entre Tails e Knuckles, dupla que lançava olhares furtivos e preocupados ao azul, e sentou-se no sofá onde Blaze e Silver também estavam abraçados, tristes. Sonic estava na ponta, congelado como antes. Em choque.

— Eu sinto muito.

E era isso. O ouriço escuro não sabia mais o que dizer. E não tinha. Pela primeira vez desde a infância, o filho caçula compreendia o pai. Tomou a mão vestida dele, apertou-a. E ficou como o outro, encarando o nada. Até que o maior finalmente movesse os olhos verdes-esmeraldas para o negro e o abraçasse de modo repentino.

— Pessoal — Lana surgiu do quarto com um estrondo e o irmão perguntou-se se a porta não fora destruída com o ato. Trazia algo que pareceu familiar em mãos: um envelope azul. — Tenho que contar algo a vocês... Todos vocês. — Seus olhos passaram de um ao outro mobiano presente quando todos se aproximaram da sala: os Chaotix, o Team Dark, Sonic, o restante do Team Rose, Silver, Blaze e seu próprio irmão.

“Quando Amy foi embora, deixou algo no meu quarto. Seu último pedido foi um tempo para usar o computador. E acho que sei o que ela queria com isso. Acho que isto é a ultima gravação da minha mãe.”

 ִִִִִִִֶֶֶֶֶֶָָָָָָ  ִֶָ  ִִֶֶָָ


Os convidados ficaram inquietos, e aos murmúrios dos agitados, Lana agiu rápido. Pegou o suporte para CD em seu quarto, o qual não faziam uso havia muito tempo — estavam em 2043, afinal —, e conectou-o à televisão da sala, inserindo a gravação. Perguntou se todos estavam prontos antes de iniciar, e mesmo com a hesitação de todos, incluindo a de Noah e Sonic, ela apertou o botão do controle.

A ouriça rosa surgiu à tela, parecendo insegura. Fitou os cantos do cômodo com seus olhos verdes tão vívidos. E pareceu belíssima em um panorama de cores pastéis e tão claras do quarto de Lana, as cortinas flutuando delicadamente atrás.

— Eu nem sei como fazer isso... — riu. E limpou o rosto, levantando a expressão com uma forte convicção, sem condescendência. — Se estão assistindo isso, devo não estar mais aqui. — Soltou um longo expiro. — Estou longe de vocês, afastada de uma vida que já tive e distante do que eu poderia ter sido um dia. E pode soar um fim injusto, triste... Ou não. Talvez o universo tenha planos para a nossa realidade. Talvez, minha morte possa significar mais que uma perda.

E Amy soava tão sonhadora e inspiradora àquele momento que as lágrimas surgirem nos olhos de cada um foi inevitável. Sentada no tapete, Lana olhou para trás, identificando pai e irmão com a face lívida e o peito agitado, as cabeças unidas.

“E enquanto estive sozinha aqui...”, prosseguiu Amy. “Eu pensei e pensei. Pensei no legado, nas coisas que vivemos e até no que eu já não posso mais me recordar. Eu chorei e sorri, não antes que mais de mim retornasse à mente e por um segundo eu sentisse que sabia quem um dia foi Amy Rose. Uma mãe? Uma esposa? Uma garotinha apaixonada pelo seu herói.”

— E refleti sobre tudo, pois eu era — e sou — tudo isso. Eu pensei nas filmagens. — Ajeitou-se na cadeira onde estava e limpou os lábios, pensante. — Filhos, sei que queriam que eu me recordasse de tudo ao final delas, que eu voltasse a ser a mãe de vocês. E agora, eu também o desejo. Desejo que você, Sonic, talvez agora liberto da entidade, que seja o pai destinado a ser. Que retorne à aura tão positiva que tinha antes de tudo, ao espírito brincalhão e livre dos dias em Green Hill. Pois você é o ouriço que me amou tanto que não pôde dizer o que sentia para me proteger. Você é aquele que salvou Vanilla de uma queda fatal para que ela desfrutasse mais alguns anos com as pessoas que amava, com a filha tão dócil e empata que criou. É o herói de Mobius que libertou mil animais das criações cruéis de Eggman. É o ouriço mais rápido do mundo, que uniu todos nós para deter os planos malignos de Metal Sonic.

“E Lana, Noah... Seu pai não tem culpa do que aconteceu. Não, pois as circunstâncias o impediram de entender o perigo que havia ao aceitar o desconhecido dentro se si. Se ele fez isso, foi porque me amava, apesar do erro. Mas não se esqueçam de quem são e o que podem ser um dia, pois eu não me esqueci. Meus filhos, vocês são talentosos com o que fazem e têm voz para chegar aonde querem. Eu sou uma mãe muito orgulhosa e só o que peço e que não deixem de viver devido aos últimos acontecimentos, não. Porque eu amo vocês e não o desejaria por nada.”

Lana não se permitiu conter as lágrimas.

— Eu também te amo, mamãe...

Cream e Cheese se aproximaram, sensibilizados, e a abraçaram. A violeta fechou os olhos, sentindo-se acolhida.

— E para todos vocês, meus amigos que devem estar assistindo isso, eu os amo, e amo tudo o que fizeram por mim — sua voz falhou em um tremular. Soluçou, mas seguiu — E agora, antes que eu me vá, por que não fazer algo justo? Ahn... Eu quero fazer uma lista improvisada aqui — riu-se. — Sobre todas as coisas que sou grata por um dia já ter vivenciado, okay?

E analisou a tela à frente, triste.

“Eu sou grata por ter tido amigos maravilhosos ao meu lado durante toda a minha jornada em Mobius. Amigos que me acolheram quando eu estava triste ou precisava de ajuda, seja em uma aposta de corrida contra um robô letal ou conselhos sobre a vida familiar. Sobre o dia em que fui salva, congelada num limbo, ou quando me ajudaram em uma jornada para resgatar Chocola e Froggy. E me sinto bem ao saber que tive uma família, alguém para amar e compartilhar os momentos de tristeza e felicidade. Mais que isso, eu tenho a gratidão de ter vivenciado os momentos, únicos e passageiros que tive com todos vocês.”

— Eu amo vocês, pessoal. E a única coisa que peço antes de ir embora, e nesta última gravação, é que não se abandonem. Fiquem juntos neste momento tão complicado, se abracem neste instante, pois... Bem, vocês sabem. — Uma lágrima desceu com seu último sorriso meigo à tela, antes que tudo ficasse preto. — Amo vocês.

E todos os ali presentes se abraçaram, tristonhos e compartilhando seus sentimentos de perda. E enquanto o faziam, Lana permaneceu ao tapete, fitando o final do corredor escuro como se esperasse que uma bela e revigorada Amy surgisse dali, mas...

Ela não veio. E nunca mais viria.

A Última Gravação (Sonic)Onde histórias criam vida. Descubra agora