XI. Outro Velho Amigo

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Ele chegou, ela gelou.

Ouviu-se o som do raio no exterior da casa de repente, no que, à cozinha, os irmãos trocaram um olhar demorado. Noah acenou com a cabeça e trancou-se no próprio quarto. Lana aguardou o ouriço que caminhava lentamente sobre o gramado até a moradia revestida de neve. Trazida pelo pai ou pela natureza? Não saberia dizer.

Sabia apenas que estava medrosa quanto a isso, e pela primeira vez temia o que aconteceria quando o azul adentrasse a sala e a visse sentada na banqueta, disfarçando com um livro em mãos; Lana passava os olhos pelas palavras agressivamente, mas não captava conhecimento algum. Como poderia?

O esperado aconteceu, mas Lana não subiu o olhar até que recebesse o chamado do pai. Ele caminhou lentamente, e ela sentiu suas mãos tremerem. Encostou os braços à mesa para conter a reação.

— Oi, filha.

Sua voz não soava mais tão exultante. Lana engoliu no seco, mas o recebeu subindo a cabeça com um sorriso, determinada. O pai estava sério. Mesmo assim, ela não entregaria o jogo.

— Lendo tarde da noite? — indagou ele.

— Sim, sim. Estou fazendo um esforço maior para a escola. Ando estudando bastante, também.

O azul direcionou-se ao armário atrás dela, onde começou a esquentar o café. Não ter o pai no próprio campo de vista foi assustador para Lana, que sentiu-se estonteante. Contudo, não poderia virar. Ela manteria-se firme em sua posição, assim como decidiu com Noah. Não sabia de nada, não desconfiava de nada. Não vira nada.

— Foi só o que fez hoje? — questionou o pai, direto.

Ela devolveu o olhar para o livro, como se estivesse bastante focada.

— Bem, eu visitei um conhecido — contou calmamente. — Ian McGyver.

Ele bateu a garrafa de café ao balcão, no que ela estremeceu e gelou no lugar.

— Prossiga — ordenou, rude.

Ela começou a massagear a opalina com uma mão.

— Não há mais nada a contar — devolveu. — Foi só um deslize, mas sei que devo me comportar e esquecer nosso passado. Assim... como você me orientou.

— Muito bem — elogiou com falso positivismo. As gotas do café caíram demorada e excruciante na porcelana fria da caneca, momento esse em que Lana pôde sentir o próprio coração pulsando fortemente ao peito. — Ah, Lana, minha querida...

“Temo que fique como sua mãe, e não quero isso. Não mesmo! Ela tinha alucinações e ataques de loucura, entende? Seria uma pena ter de procurar um terapeuta para você, e remédios...! Eles têm tantas consequências ruins e...”

— Não! Não... — Lana conteu-se, nervosa. — De forma alguma. Não será necessário. — Virou uma página do livro, temerosa. — Estou muito bem, obrigada.

Ela ouviu ele virando-se para ela e tomando um gole do café.

— Viu algo a mais hoje? Algo diferente?

Ela teve breves flashes de um ser encapuzado e demoníaco à floresta escura do Vale Minguante, o mesmo que agora, provavelmente, fitava sua coluna curvada para o livro.

— Não — emitiu delicada. — Nada de diferente.

O azul concordou e prosseguiu:

— Bem, Ian McGyver tem o dom de convencer e persuadir. Não acredite em nada do que ele disser, porque é um grande mentiroso e só quer usar as pessoas ao seu redor como meros anestésicos de sua solidão. Desde que sua esposa se foi, ele inventa histórias e mais histórias. Ora, ele deveria escrever um livro — riu brevemente; Lana apertou os lábios. — Mas, de qualquer forma... — Ele caminhou até ela e massageou um de seus ombros. Ela não levantou o olhar, temendo que as águas escapassem ao nó na garganta que se formava. — Estamos entendidos, não é mesmo, querida?

A Última Gravação (Sonic)Onde histórias criam vida. Descubra agora