capítulo 7

461 35 19
                                    

Quando as férias acabam eu tenho que voltar ao escritório. Tudo aconteceu como um sonho, e a volta a realidade é como a neblina da manhã se desfazendo aos poucos.

Enquanto calço os sapatos me lembro de uma citação de Charles Bukowski:

"Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?"

É, Bukowski. Eu também me sinto assim há muito tempo. E embora eu tenha achado coisas para preencher todo o meu tempo livre, há momentos como esse agora pela manhã em que tudo vem à tona. A minha completa falta de vontade pela vida ou pelas coisas. Meu desânimo com o futuro ou as pessoas. O fato de tudo o que eu era ter sido destruído.

***

Eu entro no meu andar e vejo os rostos familiares. Lisa, Luke, e o restante do escritório. Luke me olha nos olhos, um ar ludibriado, como se estivesse me vendo pela primeira vez. Passo em frente a uma parte de espelhos que reflete meu rosto e então vejo o quanto estou diferente. Os cabelos levemente encaracolados, a pele queimada do sol. Só os olhos que são os mesmos, os mesmos olhos cansados e tristes, como os olhos da minha mãe.

Eu cumprimento o pessoal e entro na minha sala. Lisa entra logo em seguida.

—Você está linda, Grace! Linda. Tão linda quanto uma mulher grávida no fim da gestação, mais que isso, você está radiante—ela diz enquanto me abraça.

—Obrigada, obrigada! Isso tudo foi saudades? —eu digo correspondendo o abraço.

—Foi sim! Você não sabe como aqui ficou um lixo sem você! O bonitinho teve que se virar nos trinta pra dar conta de tudo.

—Bom saber —eu dou uma risada com o canto da boca enquanto tiro o blazer e o coloco na minha cadeira, sentando-me — E o que mais de interessante aconteceu na minha ausência?

—Nada de novo. Quer dizer, tem uma coisa que você devia saber. —Lisa parece desconfortável enquanto diz isso.

—Diga!—eu peço.

—O senhor Hoffmann me perguntou se você estava acompanhada durante as férias e eu acabei falando demais. Mas isso você já sabe, o fato é que desde que ele soube mudou totalmente no escritório. Sempre com a cara fechada, chegou até a gritar com o Bradley, aquele da tesouraria, mas depois acabou pedindo desculpas.

—Sim, e você acha que isso tem a ver comigo? —eu digo enquanto analiso sua expressão.

—Estou sim, ele ainda deve ter algum sentimento por você.

—Tem sim, posse! Se ele gostasse de mim não teria feito o que fez, além do que desde aquele beijo eu tive certeza...

—Beijo? Como assim beijo? Você não me contou nada sobre beijos nenhum!

—Ah, desculpa. Eu devia estar muito mal da cabeça. Ele esteve no meu apartamento e me beijou. Veio com um Papinho mole que queria conversar.

—E você não foi? —ela pergunta surpresa.

—Claro que não. Já não basta ter que o ver aqui.

—Mas, Grace, não é possível que você não tenha curiosidade pra saber porque ele fez o que vez.

—Eu tive, Lisa. Por muito tempo. Mas agora prefiro não saber. Não importa mais. Não vai mudar nada na minha vida.

—Você nem se quer desconfia?

—Não. Nós éramos perfeitos. Tudo era bom.

—Você não acha que poderiam viver isso de novo? Ele parece interessado, talvez tenha se arrependido.

—Pra quê? Pra correr o risco dele me largar no altar outra vez? Não, obrigado!

Lisa faz que sim com a cabeça concordando. Ela parece disposta a não me perguntar mais nada e então sai da minha sala.

Foi um longo dia até que acabou.

***

Quando chego em casa Gerrard me espera no sofá. Ele tem vinho na mão e uma tábua de frios está sobre a mesinha de centro.

—Achei que você merecia depois de um dia cansativo.

—Você me conhece muito bem! —eu digo enquanto beijo sua bochecha e me dirijo ao banheiro para tomar um banho.

***

Um mês depois.

—Como vocês sabem, pessoal. Nessa semana há um dia muito importante para a companhia. Nós vamos comemorar seu centésimo aniversário e para isso eu mesmo organizei uma grande recepção no clube da cidade. Vocês estão convidados... e autorizados a levar um acompanhante. —a última parte soa estranha da boca de Luke. Parece que ele não queria ter que pronunciar.

Lisa me belisca saltitante.

—Meu Deus, estou tão empolgada! A parte triste é que nem tenho um acompanhante para levar.

—Fale por você! Eu tenho um namorado muito gostoso! —digo enquanto sorrio para Lisa.

Luke parece ter ouvido, ele pigarreia e então diz.

—Como eu disse, vocês têm direito a levar um acompanhante. O traje é de gala e os convites com mais informações estarão no email de vocês. É isso.

Ele parece sério. Que bom. Finalmente está agindo com profissionalismo.

***

O dia do baile chega rápido, eu escolho meu vestido. Vermelho camurça, um scarpin preto e um colar de ouro branco, o cabelo levemente preso. Gerrard usa um terno preto perfeitamente alinhado ao corpo, torneando todas as suas curvas. Ele consegue ficar mais bonito a cada dia.

Quando chegamos ao evento a maioria do pessoal já está lá, eu vejo os rostos de todos mas falta um. Luke. Enquanto me viro para pegar uma taça de vinho ele aparece de repente na frente de Gerrard. Eu quase deixo cair a taça mas me recomponho. Ninguém parece ter percebido.

—Prazer em conhecê-lo, senhor. —Luke diz enquanto aperta a mão de Gerrard.

—Perdão. Não me recordo do senhor.

—Ah, deixe-me apresentar. Eu sou Luke Hoffmann. CEO da empresa em que Grace trabalha. Ela já deve ter comentado sobre mim. —ele diz com um sorriso arrogante no rosto.

Eu fico nervosa enquanto tento esconder meu desconforto.

—Na verdade não. —Gerrard diz, e eu me seguro para não o agradecer ali mesmo.

—Não faz mal, deixe que eu fale sobre mim. —ele coloca a mão no ombro de Gerrard enquanto os dois saem conversando sem que eu possa interromper.


Abandonada no altar -Amanda PlathOnde histórias criam vida. Descubra agora