Capítulo Dois

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— … e foi quando eu disse ao meu neto: “Ralph, você é talentoso demais para se matar de trabalhar para esse chef. Você devia abrir seu próprio restaurante”. E quer saber? Foi isso que ele fez. Ele tem três food trucks agora, um verdadeiro empreendedor. Dá para acreditar?

Os dedos nodosos e artríticos da sra. Davis tremiam em volta de sua sacola de compras reutilizável. Natasha já estava levando duas delas para o elevador e se ofereceu para pegar a terceira, aceitando o tapinha no braço quando a vizinha permitiu que ela carregasse tudo sozinha. Ela tentou não se encolher de dor quando sentiu o arranhão da alça da sacola mais pesada na pele fina do seu cotovelo.

— Que bom, sra. Davis. A senhora deve ter muito orgulho dele.

A mulher suspirou.

— Ah sim, eu tenho. Agora, se ele ao menos encontrasse uma garota, uma boa garota – disse ela, e inspecionou Natasha da cabeça aos pés. — Você não está saindo com ninguém, está, minha querida?

Natasha reagiu à sra. Davis com o que ela esperava ter sido um sorriso de desculpas em vez de uma careta.

— Lamento. Ando muito ocupada com o trabalho.

A idosa deu um resmungo e fez um biquinho de reprovação, uma reprovação silenciosa. Quem dera fosse fácil assim desencorajar Yelena…

O elevador apitou, cuspindo as duas no nono andar. Salva pelo gongo.

Felizmente, a sra. Davis morava no apartamento 901, o mais perto dos elevadores.

Natasha carregou as sacolas pela curta distância, os braços tremendo com o peso, enquanto a sra. Davis destrancava a porta com toda calma antes de deixá-la entrar. Ela levou as sacolas até a cozinha e as deixou sobre a mesa ao lado de Princesa, a gata persa da sra. Davis.

— Quer que eu ajude a guardar as compras?

Acariciando as orelhas da gata, que já estava ronronando, a idosa recusou com a cabeça.

— Não, não. Pode deixar aí em cima. Fico sempre muito grata por sua ajuda, Natasha. Você é um doce.

Com um breve aceno, Natasha saiu e seguiu pelo corredor até o próprio apartamento. Assim que entrou, deixou as chaves na tigela de madeira na mesinha da entrada e se jogou de costas contra a porta.

Que noite.

Seu vestido preferido – um Oscar de la Renta vintage que pertencera à sua falecida avó – provavelmente estava arruinado, a dor de cabeça lancinante que se instalara no meio da testa durante a tarde só piorara ao longo do dia e, por mais que ela amasse Yelena, por as mãos em volta do pescoço dela e estrangulá-la até seus olhos saltarem das órbitas parecia uma ideia fantástica naquele momento.

O que a irmã tinha na cabeça? Ela tinha alguma coisa na cabeça? Uma astróloga. E daí se Wanda era absurdamente bonita? Elas não tinham nada em comum além da incapacidade mútua de tirar os olhos uma da outra. O que poderia sim ter sido promissor se Wanda não estivesse atrás de uma alma gêmea.

Natasha revirou os olhos.

Para início de conversa, jamais deveria ter deixado Yelena bancar o cupido, mas ela estava tão empenhada e ansiosa para vê-la voltar a sair que ela permitira. Mesmo quando o que Natasha mais queria era se trancar em casa e jogar a chave fora. Dizer sim tinha sido mais fácil do que explicar os motivos de um recusa… especialmente quando Yelena mencionou que a reserva era para um restaurante que ela estava louca para conhecer desde que o chef aparecera em um programa de culinária a que ela assistia. Mesmo relutante, Natasha concordara. Um encontro, uns drinques, uma refeição maravilhosa e conversa fiada. Ela teria se permitido e deixado Yelena feliz.

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