01 - Sem fôlego

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  jay

       "​Parece impossível até estarmos na linha de chegada.''

Era o que meu pai dizia todas as noites depois que me beijava no rosto e se recostava à porta do quarto. Esperava uns minutinhos ali; vários, até. Só saía ao escutar meu bocejo e me ver espreguiçar os braços e dormir.

Às vezes, quando o sono não vem e a calada da noite já se fez presente, gosto de me lembrar dele. Pessoas como ele, iluminadas, são as mais difíceis de esquecer. As pequenas sardas nas bochechas, o sorriso, o cabelo recém-castanho-avermelhado porque ele vivia pintando... Sinto falta de tudo.

— Jongseong...?

Mamãe me tirou do transe ao estalar o dedo em frente meu rosto.

Confuso, uni as sobrancelhas e a encarei.

Hm?

— Demorei tanto para mover a peça, que você ficou viajando na maionese. — Ela sorriu sem graça. — É sua vez, querido.

Ah.

Jogamos xadrez uma vez por mês aqui em casa. Não sei dizer em detalhes quando essa moda pegou, mas faz tempo. Desde que morávamos em Seattle, penso. O tabuleiro era do papai. Talvez seja esse o motivo de continuarmos jogando.

Movi o cavalo e ''comi'' o último peão de mamãe. Fez bico, a coitada, e tampou a boca para esconder um longo bocejo. Quase sempre, por odiar saber que vai perder no xadrez, mamãe usa a desculpa do sono. Mas dessa vez a moleza não era mentira. Aquela era a nossa terceira partida e já havia passado das 22h.

— Odeio deixar as coisas inacabadas, mas estou morta de sono. — Deixou escapar outro bocejo acompanhado de um espreguiço, e seus olhos moles tentaram manter contato visual comigo. — Podemos terminar outra hora, Jongie? Juro que dessa vez não é desculpa.

Dei risada, porque mamãe age engraçada quando está sonolenta.

— Tudo bem, está liberada. Pode deixar que guardo tudo.

— Obrigada...

Ela se apoiou na mesa de centro para ficar de pé, e me levantei para ajudá-la, senão cairia de bumbum no chão porque seus sentidos estavam bagunçados. Teve uma vez que mamãe estava com tanto sono que errou a cama, caiu no chão e dormiu ali mesmo. No outro dia reclamou que as costas doíam e me contou o motivo; lembro-me que ri tanto que o leite que eu bebia saiu pelo nariz.

Então ali, naquela noite, peguei seu braço, o envolvi em meu pescoço e a auxiliei até chegarmos ao quarto e ela se jogar com tudo na cama, por cima das cobertas.

Chacoalhei-a, mas ela não deu um pio. Já dormia.

Tirei um cobertor da parte de cima do guarda-roupa e o coloquei sobre ela. A noite era fria, e mamãe adoece com mais facilidade do que eu.

Deixei um beijo na testa dela e voltei à sala para guardar as peças e o tabuleiro de xadrez no lugar. Papai o deixava escondido dentro de uma caixinha com brinquedos antigos e coisas de colecionador, mas a caixa se acabou com o tempo e agora guardamos suas lembranças em um baú verde-escuro e empoeirado no meu quarto. Algumas coisas mudaram depois que ele se foi.

Agora sou eu quem dá os beijinhos.

★★★

Escolhi atletismo como atividade extracurricular no colégio porque é o que me dou melhor. Sou rápido desde pequeno. Meu pai era maratonista, correr está no nosso sangue. E é uma boa coisa quando precisa correr atrás do picolezeiro ou dos cachorros na rua.

Preparar, apontar... Já! -    JAY (ENHYPEN)Onde histórias criam vida. Descubra agora