06 - Cinquenta e cinco segundos

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yuri

Na tarde daquele dia tão cheio de emoção, chamei papai para ir à quadra de esportes comigo e me visse treinar. Precisava de alguém que não se importasse em marcar meu tempo, porque no outro dia eu tinha que chegar imbatível. Queria vencer. Ia vencer.

— Yuri, filhota, não dá pra fazermos isso outra hora, não? Hoje a tarde tá tão boa pra dormir... — Papai espreguiçou-se e um bocejo pequeno escapou da boca.

Dei-lhe um sorrisinho e o entreguei o cronômetro.

— Vai ser rápido, juro. Só quero saber qual meu tempo.

Quatro voltas como era o combinado, mas meu objetivo era correr ainda mais rápido que da última vez que fiz o ''teste'' para o time de atletismo.

Jay era bom. Demais. Mas eu conseguia ser melhor que ele.

— Pronta? — indagou meu pai, e estendi o polegar para cima.

Tentei imitar a posição de atletas em partidas de corridas reais que já pude assistir, e me senti quase como uma profissional, mesmo que eu corra apenas por diversão e porque gosto da sensação de liberdade que me causa.

Papai botou o cronometro para funcionar.

— Valendo!

E sebos nas canelas! Saí em disparada e nem sei como não tropecei pelo caminho porque nunca corri tão ligeira como agora.

Senti agonia por não saber quantos segundos haviam passado, mas tentei não ligar muito e me concentrei em apenas terminar as voltas. Números vinham à mente e mais rápido eu corria, como se minha vida dependesse disso — minha dignidade, em especial. Até que dei quatro voltas e parei em frente a papai, as mãos apoiadas nos joelhos e com a respiração a mil.

— Q-Quanto tempo deu?

— Um minuto e dois segundos.

— Tudo isso?

— É. — Ele me entregou o cronometro. — Acha que foi bem?

— Parece que sim, mas, sei lá...

— Se serve de consolo, acredite, eu demoraria um minuto apenas para dar uma volta.

Sorri fraco. Eu amo esse homem.

— Obrigada, pai.

— De nada. Podemos ir agora? Seu velho tá cansado e morto de fome. — Passou a mão na barriga e ouvi-la roncar. — Viu só?

Rimos.

— Vamos pra casa.

Papai envolveu o braço em torno de meu ombro e fomos à saída da quadra, mas vi Jay e aquele garoto do sorrisão bonito passarem pela rua e recuei.

— Que foi? Por que paramos? — meu pai perguntou todo confuso.

— Hã... — Pensar em desculpas esfarrapadas nunca foi o meu forte, mas me arrisquei: — Quero treinar só mais uma vez. — Puxei-o pela mão e voltei à largada, soltando seu pulso quando vi que Jay e o amiguinho já haviam saído. — Pensando bem, vamos pra casa, pai.

A expressão de papai continuava uma confusão, mas ele preferiu não falar nada. Estava faminto demais para discussões sobre por que sua filha mais velha é um tanto esquisita, às vezes.

Jay ainda não sabia que sou sua mais nova vizinha, e eu não queria que ele descobrisse tão cedo. Era meio difícil esconder uma coisa dessas porque vamos à mesma escola, mas eu fazia de tudo para que não nos encontrássemos pelo caminho; usava atalhos e até percursos mais longos só pra não dar de cara com ele. Loucura, eu sei. Mas eu me apresentaria, sim, um dia: quando ganhasse dele na corrida. Além de perder mais uma vez para mim, o coitado ainda teria a sorte — ou não — de me ter como vizinha. Não é o máximo?

No entanto, estava sendo cada vez mais difícil dar uma de espiã. Quase fui pega no dia após o treino, porque Jay saiu de casa na mesma hora em que eu estava prestar a ir ao colégio. Tive que voltar para a sala às pressas e ainda aturar meus pais me olhando com cara de: ''Onde foi que erramos?''. Yejun me chamou de doida aquele dia, e concordei com ele.

Quando papai e eu chegamos em casa, fui correndo para o quarto e fiquei espiando Jay e seu amigo. Permaneci abaixadinha perto da janela, silenciosa. Observava a conversa dos bonitões.

— Acha que uso qual tênis? — indagou o meu adversário. Mostrava três pares coloridos para o garoto do sorriso chamativo. De repente, pensou alto: — Os da sorte?

— Usa esse amanhã — opinou o amigo. — Agora você só vai treinar, não é?

— Bem, é.

— Então não precisa de tênis da sorte.

Uma mulher entrou no quarto, tinha um sorriso gentil nos lábios. Seria a mãe dele? Provável que sim, pois algo nela me lembrava Jay. O olhar elegante, talvez.

— Vai correr? — perguntou ela, escorada na porta.

— Tenho uma disputa amanhã.

— Com aquela menina... — Esforçou-se para lembrar o meu nome. — Hã... Yuri?

— A própria.

— Ela é incrível, dona Lilian! — exclamou o bonitão dois.

Eu sorri.

Sou mesmo, obrigada.

— Jay comentou que ela é realmente boa — revelou a mãe ao amigo, e depois encarou o filho. Então ele fala de mim pra ela... — Vai ter que ralar duro pra vencê-la, não?

— Vou — o loiro parecia relaxado ao dizer isto. — Mas tô confiante. Nossa última aula de hoje foi educação física e consegui treinar um pouquinho. Cinquenta e cinco segundos é um belo tempo.

Cinquenta e cinco segundos?!

— É um excelente tempo. — Seu amigo deu-lhe um tapinha no ombro. — Talvez consiga ganhar.

— Eu vou ganhar, Heeseung — marcou as palavras num sorrisinho presunçoso. — E agora vou à quadra para correr mais, mais e mais... até chegar aonde espero. Vai comigo?

— É claro!

Zarpei para a sala, vendo-os saírem de casa, sorridentes e eufóricos, seguindo para a quadra principal.

O número 55 ainda atormentava minha mente.

Caramba! Ca-ram-ba!

— Papai! — Minha voz o assustou e ele fechou a geladeira com tudo. Estava com a boca toda suja de bolo de chocolate quando cheguei de repente na cozinha. — Mais tarde, o senhor e eu vamos voltar para aquela quadra e bater um novo recorde, nem que eu fique treinando até dar meia-noite!

Aviso mental: ver se tenho algum tênis da sorte.

Preparar, apontar... Já! -    JAY (ENHYPEN)Onde histórias criam vida. Descubra agora