Assim como a poesia em nada comove
O coração embrutecido;
Assim teus olhos sempre me viram,
Mas jamais me enxergaram...
* * *
Porfírio nasceu pobre. E como viver não é tarefa simples, tampouco vulgar, as dificuldades, sem rebuço, viriam a aumentar. Se subsistir com os parcos recursos que o chefe da casa oferecia já era um desafio diário, a sorte logo piorou o que já não era, diga-se, fácil. Num belo dia, o pai foi-se embora com uma espanhola que aportou na estância mineira e deixou mãe e dois filhos para trás. Aquela mulherona extravagante, a estroinice em pessoa por assim dizer, do alto de seus cinquenta e tantos anos, surgiu para atazanar a vida já difícil que a pobre família levava.
Dizendo-se muito rica, afeiçoou-se àquele homem ainda moço que labutava de garçom num dos cassinos da cidade e carregou-o consigo. Ao partir, já que ele facilmente acreditou nas palavras ditas por ela em função dos atos que ela produzia, deixou apenas a recordação simples dos seres normais... partiu como passa um vento; foi-se para não voltar.
Mas a mulher que o levou era o diabo em pessoa! Perdulária como só, passava noites inteiras nas casas de jogos, esbanjando riqueza e blasonando às deveras. Sua bizarria por fim seduziu-o. E não se teve mais notícia dele. A vida, a vela e o vento levou-o dali, nos diria um Belchior...
A falta de dinheiro nunca foi problema para Porfírio. Desde menino se acostumou a não vincular seus sonhos ao vil metal. Garoto, entendeu que podia ambicionar qualquer coisa, desde que essa coisa não exigisse soma pecuniária para se conseguir. Também o tempo e os acontecimentos – enfim, o curso da vida – o fez perceber que a ele não seria dado enriquecer.
Apenas uma vez aspirou dinheiro e fama para si: aos dezesseis anos de idade surgiu para Porfírio a chance de trabalhar no "Diário da Cidade". Numa seleção que reuniu dezenas de candidatos, o rapaz saiu vencedor!
Antes de triunfar em tão estonteante vestibular, Porfírio teve de dominar os mais incríveis obstáculos mentais que ele mesmo se lhe colocara. O mais pertinaz era o de se ver diante de um engodo patrocinado por uma comissão julgadora que não lhe inspirava confiança; jogo de cartas marcadas... Então não seria o mérito dos candidatos o móvel da preferência. Esteve o jovem com tal ideia a lhe inflamar o espírito até o momento da decisão. Então tudo se clareou. A disputa fora honesta, vencera, no seu entender, o melhor!
Foi uma honra para ele, um orgulho para a mãe. Para o irmão mais velho, Pedro, era ao menos um horizonte que se descortinava ao futuro do pirralho.
O anúncio que fora vinculado ofertando a vaga era tentador para um rapaz daquela idade: Contrata-se Colaborador; Bom salário mais Prêmios. Desde que leu tal anúncio, a vida de Porfírio mudou. Correu obstinadamente atrás do seu objetivo e conquistara-o. E enquanto corria atrás de seu objeto também se perdia em devaneios. Via nessa oportunidade condições de alterar o rumo que o destino estava desenhando para o seu futuro, para o futuro de Carminha e para o futuro de quem mais estivesse entre os dois. Construía em sua mente um final extraordinário para o seu sonho maior.
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O Fantasma do meio-dia
RomancePorfírio é um bibliotecário que se vê, subitamente, exposto a um grande erro do passado. O romance se passa durante o período de ouro dos jogos de cassino no Brasil, em uma encantadora cidade de Minas Gerais. Um amor impossíel, uma traição covarde...