PARTE I - CAPÍTULO 3

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_ Foi um sorvete que eu tomei no domingo que me irritou a garganta!

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_ Foi um sorvete que eu tomei no domingo que me irritou a garganta!

Porfírio, de pé, teve de responder à professora o porque faltara na segunda e na terça-feira. Dura missão. O garoto ainda mordia as palavras entre os dentes, tentando se esconder de tudo e de todos, constrangido que fora a falar. Sua voz soara a ele mesmo, no silêncio da plateia curiosa, esganiçada. Seu jeito, desajeitado. Podia ver de viés cada uma das outras crianças segurando o riso ante a sua doença. – "Dor de garganta, isto é coisa de criancinha!", deviam dizer umas para outras, longe do alcance da audição de Porfírio e do Professor.

Pior!

Essa estória ultrapassaria as paredes da sala-de-aula, ganharia o átrio, o pátio, galgaria à cidade toda! E Carminha? Ficaria ela sabendo dessa doença tão pueril que o acometera? Certamente. Seria o fim!

Esteve o dia todo assim Porfírio, a ruminar essas ideias que não o abandonava o pensamento. Passou todo o tempo da aula e do recreio nessas elucubrações. Ninguém pôde tirá-lo desse sofrimento, nem mesmo o amigo Euzébio, a quem Porfírio tentou e conseguiu evitar nessa quarta-feira.

Encontrou com Carminha durante o recreio e, a despeito de ela ter-lhe deferido um olhar, esse fora tão breve que a ele soou como descaso. Um brevíssimo olhar e uma resignação automática, instantânea. Em seus sonhos, ela sorria pra ele. Pareceu, todavia, ao rapaz, que ela o queria evitar! Eis que isso não o faria sofrer tanto porque já estava preparado para tal mal, mas sofreu.

Pela noite, em casa, estava estafermo. Depois, sozinho em seu quarto farfalhava às quatro paredes de que a ela não olharia jamais, de que nela não tornaria a pensar, de que queria mesmo a ver morta, sepultada, enterrada. Após tão efusivas declarações, tornava a se calar e a se contristar, de tal sorte que o silêncio lhe lembrava a dor. O silêncio lhe torturava a alma. Pensou em sair, ganhar as ruas, se libertar. Não podia. Impossível sair de casa àquele adiantado das horas. Desvaneceu entre frêmitos que aos poucos foram se espaçando, até cessarem. Acordou no outro dia fleumático. E nesta indiferença procurava burlar o seu próprio sentimento. Dura missão.

Passou o resto desta semana a tolerar as conversas paulificantes do amigo Euzébio. Esteve a disfarçar-se muito bem. Evitou os olhares de Carminha mas teve dúvidas se ela se apercebeu disso. Veio o final de semana e então ele se trancou em casa, dizendo-se indisposto ao amigo que todo sábado belo como aquele lhe chamava para caçarem borboletas. Isto, neste momento soava a Porfírio a uma grande maçada!

Não costumava ser assim.

Nos sábados ensolarados como aquele, a iniciativa de caçarem borboletas partia de Porfírio. Saía de casa bem cedo, passava por ruas estreitas, vielas e caminhos até alcançar os majestosos eucaliptos que margeavam a Avenida João Pinheiro. Seguia em direção ao centro da cidade, assobiando, cantarolando, reverenciando tão bela manhã. Passava como um vento pela Praça Dr. Pedro Sanches e nesse momento se dignava dar uma olhadela, de soslaio na estátua do "peladão". Subia célere pela rua da Saúde, passava pelo Hospital e só então alcançava a casa do amigo. Gritava pelo nome de Euzébio e sempre, após a terceira chamada, surgia o garoto ainda a mordiscar um pedaço de pão com manteiga que não dera tempo de comer à mesa. 

O Fantasma do meio-diaOnde histórias criam vida. Descubra agora