Há em cada pessoa alguma coisa que a faz sair em busca daquilo que ela não possui. Há algo em cada ser humano que o faz buscar o seu desejo com um ímpeto, com um arrebatamento que o pode trazer prazer e realização, mas que também pode deixar como herança por aquele ato tão desejado um arrependimento, uma constrição tão pesada e duradoura que aquele sentimento de medo e pavor passa a povoar o dia do desafortunado, buscando-o em cada esquina, vigiando-o a cada passo; assombrando-o a cada instante, de modo que este só pode se livrar deste pesadelo às claras quando a sombra do sono baixa sobre ele, permitindo-o então, alguns instantes de descanso.
E quanto mais se desejou o que se buscou; quanto mais arriscado era consegui-lo, tanto mais se irá sofrer; tanto mais se irá viver atormentado pelo passado, aquele passado que vive sob a luz do dia, sob o barulho da cidade, nas praças, nas ruas, nos restaurantes, nos cafés. A qualquer momento e em qualquer lugar o passado pode ressurgir, inesperadamente e encarar o infrator; e zombar do criminoso; e lembrar-lhe de sua culpa, e cobrar-lhe pelo deslize de outrora. Eis que não há lugar seguro então. Um erro do passado, por distante que esteja, pode ser cobrado aqui, ali, acolá, agora, daqui há pouco, amanhã... ah!, como vive aquele que de tanto desejar algo acabou por se enforcar com a própria corda que lhe foi ofertada! Em que esparrela caiu o mal informado, o pouco precavido, aquele ser que, seja por inexperiência ou ambição acabou por quebrar as regras da sociedade, regras de boa conduta, que o homem deve ter para preservar a integridade do todo.
E se pensa liberto das mazelas do passado, eis o passado ali, na sua frente, inteiro, vivaz. Esta visão faz o culpado se estremecer por inteiro. Depende ele ali, naquele momento, da vontade não do destino, mas do olhar do passado perante si.
Pode passar por ele, despercebidamente. Pode também incriminá-lo, mil vezes, mil torturante vezes! E que defesas sobram àquele que, mais do que ser culpado ou não, assim se sente, ainda que não o seja, meu Deus? Que alternativas resta a ele senão abaixar a cabeça e ouvir as duras palavras do oponente; senão resignar-se, esconder-se dentro de si para fazer aquela situação esdrúxula passar, sorrateiramente! E procura o coitado, em tão maus lençóis, esquivar-se; busca fazer com que pessoas à sua volta, sejam elas quem forem, não percebam o acontecido, o constrangimento. E haverá constrangimento maior do que, após passado esse momento tão mordaz, restar a incerteza de ser apercebido pelos demais
Os desejos do homem movimentam e fazem crescer a sociedade. Os desejos do homem também destroem o que ele mesmo conquistou. Infeliz daquele que deseja tão profundamente algo que não é permitido – seja pela Lei ou pela moral ou por mera negativa de outrem –, pobre daquele que, não conseguindo dominar esse desejo acaba por se entregar às maravilhas de um momento qualquer e depois, logo depois passa a carregar tão pesado fardo às costas. Sofre aquele que, tentando conseguir desesperadamente algo comete algum desatino e, apesar de não conseguir atingir o objetivo, ainda assim, compromete-se por todo um futuro que ainda está no porvir. Desventurado daquele que cai nos enganos de umas doces palavras e por elas acaba por cometer vitupérios, crimes e vilezas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Fantasma do meio-dia
RomancePorfírio é um bibliotecário que se vê, subitamente, exposto a um grande erro do passado. O romance se passa durante o período de ouro dos jogos de cassino no Brasil, em uma encantadora cidade de Minas Gerais. Um amor impossíel, uma traição covarde...