NORMA

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Se durante o auge do sucesso da reinauguração da Biblioteca Municipal a moça passara desapercebida aos olhos e à atenção de Porfírio; tão logo o frenesi inicial dos frequentadores do local se arrefeceu; tão logo os primeiros leitores se dispersara...

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Se durante o auge do sucesso da reinauguração da Biblioteca Municipal a moça passara desapercebida aos olhos e à atenção de Porfírio; tão logo o frenesi inicial dos frequentadores do local se arrefeceu; tão logo os primeiros leitores se dispersaram como ébrios que no calor da bebedeira se juram eterna amizade mas que no final da festa partem cada um para seu lado para cuidar de sua própria vida, tão atabalhoada; tão logo se foram aqueles homens e mulheres que dias atrás amavam a leitura; a pessoa de Norma se fez perceber.

Alguns dias se passaram e aconteceu o primeiro diálogo da moça com o bibliotecário, questionando-o sobre livros que tratassem da Revolução Francesa. Depois e enquanto ela percorria o romance de Charles Dickens passaram a conversar diariamente. O nome dela Porfírio descobriu no segundo dia de conversa. Questionada sobre seu nome, a moça, demonstrando imensa satisfação proferiu com um espaçoso sorriso aberto nos lábios: Norma.

Aquela jovem mulher era dona de grandes e carnudos lábios. Feições fortes, só passara desapercebida a alguém que definitivamente não procurava maiores aventuras na vida. Alta e esbelta, já possuía o semblante de uma mulher madura. Trazia mesmo nos olhos uma mensagem de aflição, algo como uma lembrança de decepção; trazia nos olhos o temor dos decepcionados. "Mas como pode uma moça como esta estar se enamorando por mim?", indagava-se Porfírio ao sentir que para ele aqueles olhos desconfiados sorriam. "Devo estar ficando louco, essa moça quer apenas a minha atenção, deve gostar de mim como uma sobrinha que admira a um tio!", e este pensamento em verdade o tranquilizava. "Mas como pode ser, esse olhar é de paixão!" – e se assustava de novo Porfírio.

Do mais, Norma era uma mulher muito bonita. E esta beleza logo não mais passara desapercebida a ele. Pernas grandes, normalmente cobertas até o joelho por saias ou vestidos que comumente ela usava lhe demarcava perfeitamente as formas. Formas de boneca. Seios grandes, pescoço longo e afinado, braços compridos, cintura estreita. Já no alvorecer da maturidade era Norma digna de maiores atenções! Olhos caramelo, tez alva, voz suave, espírito altivo. Como não despertar a atenção a Porfírio?

Mas ainda assim ele não se entregou. E mais, tinha ela umas atitudes que francamente, o ofendiam. Norma, cada vez mais se atirava a ele na esperança de alcançar-lhe o coração.

Então, se por um lado o fato de a biblioteca estar cada vez mais vazia, sendo frequentada por poucos e aplicados leitores, tranquilizava a Porfírio pois que sentia que o curso normal dos acontecimentos levariam aquele local à escassez de frequentadores e, de certa forma, fazia-o atingir o seu objetivo primeiro, enfim, o seu projeto principal, ou seja, um recanto mavioso dedicado aos imortais!, pois bem, se por um lado o fato de a biblioteca estar se esvaziando de pessoas que não faziam outra coisa senão zum-zum-zum, coisa que o irritava consideravelmente; se por um lado ele se via contente, intimamente feliz pelo silêncio conseguido a custo de paciência, por outro lado uma coisa o incomodava: Norma.

Outros iam, Norma ficava.

Se de início as intenções dela estavam envoltas em brumas, logo os raios de um desejo louco se fizeram claros, desnudando seus intentos mais voluptuosos. Se Norma aparecera discreta entre os muitos que procuravam a ajuda de Porfírio já não escondia sua pertinácia em lhe atarracar os sentimentos. Perturbou tanto a moça a ele que este só não desistiu inclusive daquele cargo na Biblioteca por dois motivos a saber: porque sabia ser impossível viver longe dali, daí preferir ficar ali com ela a estar sem ela mas também sem sua Biblioteca; e também porque já chegara até a pensar que ela, Norma, estava fazendo tudo isto exatamente para o espantar dali, abrindo o caminho para suas pretensões. Seria ela então uma impostora que, para conseguir a posse daquele lugar mágico teria primeiramente de afugentar o velho mago que habitava e reinava no ambiente. Jamais, Porfírio jamais arredaria o pé dali!

O Fantasma do meio-diaOnde histórias criam vida. Descubra agora