Mal consegui dormir com aqueles homens andando para lá e para cá durante toda a noite. O som dos passos ecoava pelos corredores, e eu podia ouvir o vai e vem constante, o ruído das cortinas sendo mexidas no segundo andar enquanto eles observavam a rua. A sensação de estar constantemente vigiado me deixava inquieto. No meu sofá, estendido de forma desconfortável, estava o homem enorme com o rosto machucado e arranhões visíveis pelos braços e mãos. Tentava limpar seus ferimentos, cada movimento carregado pela sensação de impotência e pela responsabilidade que pesava sobre meus ombros.
— Adiante aí, doutor — disse Fernando, sua voz carregada de urgência e um cansaço visível. Conhecia Fernando bem; era um frequentador habitual da emergência, sempre com ferimentos profundos que contavam uma história de violência e risco. Boatos no hospital diziam que ele estava envolvido com o tráfico local da favela, algo que não ajudava a tranquilizar a situação. O pronto-socorro onde trabalho fica na base do morro que leva à favela, e frequentemente atendemos pessoas da comunidade que, muitas vezes, chegam em estado crítico.
— Por que não o levou para o hospital? — perguntei, agachando-me ao lado do corpo imóvel do homem. A dúvida e a inquietação se misturavam com a sensação de que algo estava profundamente errado. Cada momento que passava ali só me reforçava os boatos que ouvira, como se a presença daquele homem ferido fosse um alerta sombrio para problemas maiores.
— Tem coisas que você não precisa saber — respondeu um dos homens, com um semblante cansado e bravo, seus olhos demonstrando um cansaço profundo que parecia mais psicológico do que físico. Seu tom era uma barreira impenetrável, cortando qualquer tentativa de questionamento.
— Relaxa aí, — tentei suavizar, esforçando-me para manter a calma enquanto tentava acalmar a situação. — Só queria dizer que no hospital teríamos como fazer alguns exames e verificar se ele quebrou alguma coisa. — Meu sorriso era uma tentativa de oferecer um pouco de tranquilidade, mas a dúvida persistia. A incerteza sobre as circunstâncias daquele ataque estava me atormentando.
Fernando me olhou com uma expressão carregada de cansaço e preocupação, seus olhos revelando uma mistura de desespero e esperança. — Doutor, eu sei que é pedir muito, mas preciso da sua ajuda. Por favor... você é a única esperança que tenho agora.
— Ele só precisa descansar — afirmei, mas uma sensação de dúvida pairava no ar. Era claro que havia algo mais na história que não se revelava, e me perguntava se estava realmente fazendo a coisa certa ao manter aquele homem ferido em minha casa. Nitidamente, ele havia sofrido um ataque violento que o deixou inconsciente, e a incerteza sobre o que havia ocorrido me inquietava profundamente.
Acordei com um estrondo ensurdecedor que reverberava por toda a casa, cortando o silêncio da madrugada como uma faca afiada. Num instante, me vi de pé, com a arma que meu avô me dera durante o primeiro ano de residência em punho, os sentidos agudizados pela urgência do momento. Cada passo descendo pelas escadas ecoava no silêncio, amplificado pela adrenalina que pulsava em minhas veias, misturada com o medo e a apreensão.
O barulho persistia, uma cacofonia dissonante que parecia vir da cozinha. Avancei com a arma engatilhada, o coração batendo forte contra o peito, cada movimento carregado de apreensão enquanto tentava antecipar o que encontraria além da próxima esquina.
Ao chegar à entrada da cozinha, o cenário que encontrei era surreal. Fernando e Iago não estavam mais lá; o que restava era o vazio silencioso da casa, um contraste chocante com o tumulto que havia invadido meu lar. E ali, no centro da cozinha, de pé e sem camisa, estava o homem machucado com os curativos improvisados que fiz na noite anterior ainda visíveis. Seu olhar era uma mistura de perplexidade e hostilidade, um enigma ambulante em meio ao caos que se desenrolava.
A visão do homem, agora de pé e sem os sinais de vulnerabilidade que exibira anteriormente, era um choque profundo. Um instante de hesitação me envolveu, a sensação de estar paralisado diante do que não era mais um simples ferido, mas uma intrusão inesperada em minha vida já agitada. A presença daquele homem era um lembrete sombrio da noite anterior, uma realidade desconcertante que desafiava a tranquilidade que eu tentava desesperadamente recuperar. A casa, que antes parecia um refúgio, agora se sentia como um palco para uma crise que eu não estava preparado para enfrentar.
///Nota do Autor///
Oi, estou acompanhando vocês com os likes e alguns comentários, mas estou sentindo falta do engajamento de vocês com a história e com os fatos que vieram acontecendo... deixe nos comentários com está achando da história e o que vocês acham quem está por vir...
Um beijo e até a próxima.
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O Dono do Morro (romance gay) - REVISANDO
RomansaNuma reviravolta do destino, o médico Marcus se vê envolvido com um dos criminosos mais procurados do país, sem sequer saber sua verdadeira identidade. Ao salvar a vida de Lucas Ribeiro, um ex-policial corrupto e traficante fugitivo, Marcus se torna...