Mais uma semana havia se passado e Tijana estava fazendo o possível para acompanhar a nova rotina de sua vida. Estar dividida entre as empresas e a sua filha estava sendo um trabalho tortuoso, já que parecia que as empresas dependiam exclusivamente dela naquela semana. Mas ela agradecia aos céus por sua filha estar colaborando, na medida do possível.
Tudo ainda era novidade para a garotinha, mas ela estava feliz por finalmente poder passar mais tempo com a mãe.
Toda essa situação deixava a empresária sem o mínimo tempo para mais nada, inclusive para tentar conversar com Hande. Elas apenas se viam esporadicamente pelos corredores da empresa e a morena podia perceber o quanto a modelo também estava atolada em trabalho.
- Eu preciso dormir por 48 horas seguidas! – reclamou Vargas, assim que encontrou a amiga na hora do almoço. – O que é que está acontecendo com essa empresa? Não existe mais ninguém competente nessa cidade?
- A controladoria está me consumindo também. – Boskovic se juntou a amiga para reclamar. – Mas não vamos falar mais nada, antes que piore.
- Piore o quê, exatamente? – foi a vez de Magie se juntar a elas no restaurante. – Faz dois dias que eu não vejo a minha casa!
As três bufaram frustradas.
- Bom, pelo menos as minhas modelos estão dando conta do recado. – sorriu Magie. – E a sua filha ama uma delas.
- Acho meio difícil a Rose gostar de alguém. – pontuou Vargas.
- Eu concordo. – pontuou Boskovic.
- Vocês são exageradas. – a loira revirou os olhos.
– Eu tenho uns 20 minutos para comer, antes de ir ver a minha pestinha. Acho que eu não vou conseguir levá-la pra casa hoje. – comentou, se levantando da mesa.
- Talvez ela já tenha derrubado a o estúdio. – sugeriu Magie.
- Obrigada, Magie. Isso me deixa tranquila. – debochou Boskovic.
- São apenas fatos!
Reunindo toda a sua coragem, a empresária foi com Magie em direção ao estúdio infantil para checar se tudo estava bem.
- Magie! – uma das modelos correu ao encalço da morena – a Rose não quer mais brincar com a gente de boneca!
A loirinha estava sentada na cadeirinha próxima aos livros, completamente emburrada.
- Pode brigar comigo, mas eu não quero mais ficar nessa chatice! – ralhou.
- Por que eu brigaria com você? – Tijana se aproximou da garota.
- Não é isso o que os adultos fazem? – perguntou como se fosse óbvio.
- Adultos brigam quando você faz algo de errado. – disse. – E você não fez nada de errado.
- Mas ela não quer brincar com a gente! – a garota tentou novamente.
- Lizzie, não podemos ter tudo o que queremos. – Magie explicou para a menina. – E a sua amiga não é obrigada a brincar de algo que não quer, só porque você quer.
- Mas Magie...- tentou uma última vez.
- Ally, você ainda quer brincar de boneca? – perguntou a garotinha que estava indecisa.
- Bem, sim...- respondeu.
- Lizzie, você pode continuar brincando com ela. - Magie sugeriu para a garota, que a olhou contrariada. – Pode ser assim?
- Tudo bem. – deu de ombros, voltando para o lado de Ally e suas bonecas.
Rose assistia as amigas de longe, ainda emburrada.
- Rose? – Boskovic chamou a atenção da garota que a encarou. – Você gosta de montar?
- Depende. – pontuou, a olhando desconfiada. – O que seria?
Tijana sorriu internamente, pois faria a mesma pergunta caso alguém a interrogasse, quando tinha apenas seis anos.
- Eu comprei uma estação ferroviária, com alguns trens. – a explicou. – são peças de lego...
- Lego? – perguntou um pouco mais interessada.
- Sim. – respondeu. – Você gostaria de me ajudar a montar?
A menina pareceu considerar.
- Eu não sei como é que se monta. – bufou.
- Não há problemas. – tentou persuadi-la. – Eu posso ajudar você a interpretar os manuais, o que me diz?
- Eu acho que é melhor do que brincar de boneca. – revirou os olhos, descendo da cadeira e indo até a mãe.
- Ok. – sussurrou para si mesma. – Vamos montar naquela mesa de canto. – indicou a enorme mesa branca que a filha usava para pintar. – Pode me esperar lá enquanto eu busco as caixas.
- Você não quer ajuda? – perguntou sem jeito.
- Obrigada. – agradeceu o esforço da filha em parecer legal. – Mas eu consigo sozinha.
- Ok. – deu de ombros e seguiu para a mesinha.
- Eu preciso voltar agora. – Magie a avisou. – Vejo vocês mais tarde?
- Ainda não sei. – a respondeu. – Talvez a babá precise levar a Rose pra casa, se eu ainda estiver em reunião.
- Tudo bem então. – assentiu. – Meninas, se comportem.
- Sim. – as meninas responderam ao mesmo tempo.
A loira sorriu, antes de se retirar.
Dando uma última checada no relógio, Tijana foi em direção ao grande armário de brinquedos e buscou pela última prateleira, onde havia os legos. Lá, encontrou as três caixas que guardavam a enorme figura que elas iriam montar.
- Vamos começar lendo o manual de instruções. – disse colocando as caixas em cima da mesa e sentando ao lado da filha.
- Eu ainda não sei ler tão bem. – a garotinha lhe lembrou.
- Tudo bem. – a tranquilizou. – Eu leio e você presta atenção?
- Pode ser. – assentiu.
A sérvia tirou os três manuais de dentro da caixa e avaliou, juntamente com a filha, qual parte seria melhor para começar a montar.
- Se começarmos pela caixa um, teremos uma base melhor. – disse Rose. – Sem contar que as peças são quase da mesma cor e formato, o que é bem mais fácil de montar.
Tijana a encarou impressionada.
- Você fez uma decisão muito assertiva. – rebateu. – Se formos pela base, teremos facilidade em executar o resto.
- Sim! – sorriu minimamente para ela, que sorriu de volta.
- Você fica com essa parte então e eu fico com a caixa dois e depois montamos a caixa três juntas? – perguntou, um pouco mais animada com aquela interação.
- Ok. – assentiu e logo começou a pegar as peças, voltando toda a sua concentração para o que estava fazendo.
Boskovic fez o mesmo, parando apenas em alguns momentos para dar assistência a filha, quando ela sentia dificuldade em encaixar alguma peça.
Quando a porta do estúdio foi aberta, as duas direcionaram o olhar para quem havia aberto.
- Desculpem atrapalhar vocês, mas a senhora está sendo solicitada. – sua secretária a avisou.
- Eu preciso de cinco minutos. – disse, encarando a filha. – Preciso ir agora, meu amor.
- Tudo bem, mamãe. – sussurrou tristemente.
- Você pode continuar montando. – sugeriu, tentando animar a filha.
- Eu vou tentar. – rebateu.
- Talvez eu não volte para cá e você precise ir embora com a sua babá. – a avisou, beijando a testa dela em seguida. – Você promete pra mim que vai se comportar?
- Eu prometo tentar. – admitiu fazendo a mãe sorrir.
- Bom, já é um começo. – se levantou em seguida. – Eu amo você.
- Eu amo você. – repetiu as palavras da mãe, como sempre fazia.
Tijana deu uma última olhada na filha, antes de voltar ao trabalho.
Rose voltou a sua atenção aos legos e se distraiu pelo resto da tarde, até que chegou uma parte que ela não sabia como montar.
- Ai, graças a Deus! – exclamou Hande, assim que passou pela porta. – Um pingo de paz.
As crianças correram até ela para abraçá-la.
- Oi, meus pimpolhos. – sorriu animada, agarrando alguns deles ao mesmo tempo.
- Oi, tia Hande! – Alice foi a primeira a cumprimentar a interna. – Eu pensei que você não viria hoje.
- Você pensou certo, minha princesa. – admitiu.
As meninas sorriram para ela.
- Na verdade, eu estou aqui para me esconder. – confessou, olhando para o fundo da sala pela primeira vez, encontrando a loirinha concentrada. – Vou precisar me esconder ali, tudo bem?
- Se esconder de quem? – perguntou Alice.
- Alice, quando você crescer vai querer fazer a mesma coisa. – disse e a garotinha a encarou sem entender nada. – Mas isso ainda vai demorar muito. Então, se alguém entrar aqui, não digam que me viram, certo?
- Tá bom. – a menina deu de ombros e as gêmeas fizeram o sinal de positivo.
- Ótimo...- sussurrou Hande, indo até a menina que estava sentada mais distante das outras. – Se eu me sentar atrás dessa pilastra, ninguém vai me ver. – pensou em voz alta, sentando no local ao lado da garotinha.
- Olá, Hande...- sussurrou Rose.
A turca se perdeu por alguns segundos na imensidão dos olhos azuis da garota.
- Nossa, os seus olhos são lindos. – pontuou. – Você parece que foi feita a mão, de tão linda que é.
A menina sentiu as bochechas esquentarem e tentou desconversar.
- Obrigada. – agradeceu. - Você deveria estar trabalhando. – a lembrou. – O meu avô pode ficar sabendo que está aqui.
- Ele só vai saber, se você contar. – arqueou uma sobrancelha. – E você não faria isso, faria?
Rose pareceu refletir.
- Talvez se você me desse algo em troca...- sugeriu.
Hande a encarou incrédula.
- Nem pensar! – exclamou. – Eu não vou ser chantageada por você, mocinha!
- Mas...
- Não. – foi firme. – E você não pode chantagear os outros. Isso não é uma boa forma de se conseguir algo.
- Então eu vou contar tudo pro vovô! – ameaçou.
- Vai lá. – sugeriu, desafiando a menina. – Eu não ligo.
- Eu não posso sair daqui sozinha. – disse. – Você tem sorte por isso.
- Graças a Deus então. – rebateu, olhando para o que a menina estava montando. – Eu posso ver?
- Não. – Rose respondeu, mas a modelo a ignorou e se aproximou do brinquedo, pegando uma das partes e que ela não soube montar. – Pra quê você pergunta se pode, se vai ver de toda forma?
- Eu gosto de pensar que tenho educação. – admitiu, encaixando a pecinha perfeitamente. – Olha, encaixa aqui...
A menina escondeu a admiração ao ver que a mulher havia conseguido encaixar a peça, que nem mesmo a mãe havia conseguido e ela não havia nem lido o manual.
- Como você conseguiu?
- Eu tenho facilidade em montar legos. – a respondeu. – Tenho um monte deles no meu quarto.
- A mamãe também gosta. – falou.
- Gosta, é? – perguntou interessada. – Eu não sabia que a sua mãe gostava.
- Vocês seriam boas amigas. – sugeriu.
- Talvez. – deu de ombros. – E quanto a você?
- Eu?
- Deve ter muitas amiguinhas.
- Não tenho amigos. – admitiu. – As pessoas não são muito confiáveis.
Hande encarou a menina e entendeu do que se tratava. Assim como a mãe, Rose tinha a perspectiva de que as pessoas só se aproximam de outras por interesse.
- Rose, você só tem seis anos. – buscou a mãozinha dela. – Tem que brincar com as outras crianças, sem julgamentos.
- Mamãe não diz isso.
- Quando as pessoas se identificam com as outras, elas não precisam oferecer nada em troca para ter uma amizade. – explicou pacientemente. – E, caso alguém espere algo em troca da sua amizade, não é o seu amigo de verdade.
Rose refletiu sobre o pensamento.
- E se a gente voltasse a montar? - sugeriu Hande.
- Por quê? – perguntou Rose.
- Por que o quê? – respondeu com outra pergunta.
- Por que você quer me ajudar?
- Eu não quero ajudar você a salvar o mundo. – explicou pacientemente. – É apenas um brinquedo, Rose.
A menina ainda a encarava desconfiada.
- Jesus, você é tão traumatizada quanto a sua mãe. – refletiu. – Olha, não é de todo mundo que você precisa desconfiar. – pontuou. – É mais simples do que parece.
- Se você diz. – falou Rose.
Hande sorriu para ela, e recebeu um sorriso de volta. .
- Vamos terminar a parte superior do trem, o que você acha? – sugeriu.
- Eu não consigo montar. – Rose bufou frustrada.
- Correção: você não conseguia montar. – a corrigiu. – Você vai aprender com a melhor.
- A melhor, eu suponho que seja você. – sugeriu e a modelo sorriu.
- Nossa, como você adivinhou?
- Pude perceber pela sua modéstia. – a respondeu.
Hande gargalhou com a fala da menina, que mais parecia uma senhora do que uma criança de seis anos.
- Eu não faço ideia do que você está falando. – deu de ombros. – Agora vamos montar isso logo, porque eu não posso fugir por tanto tempo assim.
A loirinha assentiu, voltando a se concentrar no que a modelo fazia e Hande podia jurar que tinha visto um sorrisinho nos lábios dela. Talvez não fosse tão difícil assim lidar com a menina. Pelo menos ela torcia que não fosse.
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The loneliest
Fanfiction[FINALIZADA] Que foi real em nós? Que houve em nós de sonho? De que Nós fomos de que voz O duplo eco risonho Que unidade tivemos? O que foi que perdemos?