Capítulo 12

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“ Dois dias depois”

“Hande Pov”

- Droga! Eu preciso achá-la, antes que esgote...- me encaminhei para a sessão de fantasia, rezando para encontrar a minha coleção favorita, quando a avistei.

O que ela fazia ali? Pelo que aparentava, ela não tinha cara de quem frequentava uma biblioteca. Então, o que seria?

Ao ficar mais alguns segundos presa na minha própria reflexão, não reparei que ela também havia reparado a minha presença. Ela me encarou por alguns segundos e desviou o olhar, então eu resolvi me aproximar sorrateiramente.

- Tijana? – chamei a atenção dela. – O que faz aqui?

- Oi, Handem. – sorriu pra mim. – Eu estou procurando por algo novo para ler e um presente para alguém.

- Tem alguma preferência?

- Acho que terror ou suspense policial. – me respondeu.

- Se eu fosse você, procuraria por algum livro do Stephen King. Ele é realmente um Deus da escrita! – indiquei.

- Eu já li alguns livros dele. – deu de ombros.

- Já leu O iluminado?

- Ainda não.

- Então você não sabe o que tá perdendo! É uma obra prima atemporal!

- Vou procurar por ele então! – rebateu, me dando costas.

- Perfeito! – sussurrei e continuei encarando as costas dela por alguns segundos.

Como vi que ela não falaria mais comigo, sorri gentilmente ao me lembrar do que havia ido fazer ali, e me direcionei para o que realmente me interessava, para a saga mais incrível do mundo.

Foi quando eu dei as costas para ela e peguei o meu box da estante, que ouvi sua voz ao longe.

- Harry Potter? – disse um pouco mais próxima de mim.

- Esse é o momento que você vai me julgar? – a encarei sorrateiramente.

- Por que eu julgaria? – me questionou.

- Talvez seja pela minha idade. – me apressei em dizer. – As pessoas geralmente associam a saga as crianças e adolescentes.

- Pouco importa a opinião dos outros, Hande. – deu de ombros. – Você deveria saber disso.

- Deveria? – sorri, tentando quebrar o clima.

- Creio que sim.

- Ok, mal humorada...- revirei os olhos e ela me encarou, como se aquela ação fosse a coisa mais absurda do mundo.

- Não faça isso. – me repreendeu. – Não é educado.

- Certo...- murmurei e desviei a minha atenção dela, não sabendo como diabos conseguiria progredir naquele diálogo.

Quando eu já estava prestes a me afastar totalmente, ouço sua voz novamente.

- Isso implicaria se importar com as consequências das suas ações e como as pessoas se comportariam diante delas. – disse. – Diz mais sobre o que as pessoas pensam de você e não do que você realmente é.

- Bem, Boskovic. – falei, ignorando totalmente a carranca que ela fazia. – Depois de todo esse sermão, você tem licença poética para caçoar de mim.

- Eu não. – ralhou. – Não vou te julgar, já que também tive a minha fase de literatura fantástica.

- Eu não sabia que era uma fase. – pontuei, dando as costas para ela e a olhando por cima de meus ombros.
Ela se aproximou de mim, e também pegou um dos boxes da saga.

- Eram bons tempos...- disse nostálgica.

- Falando assim, faz parecer que você é uma balzaquiana. – falei, mas me arrependi um segundo depois, quando ela estreitou os olhos e se afastou. – Desculpa, eu não quis ofender...

Tentei remediar, mas ela pareceu reflexiva, então eu murmurei outro pedido de desculpas e me afastei novamente.

- 27. – ouço sua voz novamente.

- 27, o quê? – perguntei, sem realmente entender.

- Anos. – respondeu. – Eu tenho 27 anos.

A encarei, surpresa com a informação. Eu sabia que ela era um pouco mais velha, mas não imaginava que fosse tão pouco.

- Ah, sim. – respondi ainda desconcertada. – Eu tenho 26. – ela arqueou uma das sobrancelhas. – Ok, agora você está me julgando!

- Como eu já disse, não estaria julgando o que você lê...

- Não é o que os seus olhos dizem. – rebati e ela me encarou profundamente.

– É um livro... peculiar. – pontuou pensativa.

- Eu não sou daquelas fãs fissuradas, tá legal? – interrompi sua fala, mentindo descaradamente.

- Sei...- rebateu desconfiada.

- Eu apenas coleciono as obras! – concluí a minha fala e vi uma leve curva se formar em seus lábios. – E você não acreditou numa única palavra do que eu disse, não é?

- Não completamente – me zoou e eu revirei os olhos. – Mas, acredite em mim, eu não estou te julgando! Eu também coleciono livros infantis.

- Você está querendo dizer que Harry Potter é um conteúdo exclusivamente infantil? – perguntei chocada.

- Bem, não exclusivamente...- tentou explicar, mas eu lhe dei as costas, em uma falsa encenação. – Se você for levar por esse lado...

- Ao insinuar que os livros que eu gosto são infantis, você está dizendo que eu também sou infantil. – me voltei pra ela, encarando seus olhos castanhos.

- Não! – tentou se justificar, e eu me contive muito para prender o riso. – Olha, eu não quis...

- Me chame pelo nome – pedi.

- Olha, Hande...- começou a explicar. – Talvez não tenha sido a melhor forma de dizer...

- Não está melhorando em nada! – a interrompi.

- Olha, Baladin...- tentou, mas eu a interrompi novamente.

- É H-A-N-D-E.  - falei cada letra do meu nome separadamente.

- Que seja! – bufou irritada. – Eu não disse que era infantil, só disse que era peculiar.

Encarei o jeitinho dela, enquanto ela tentava se explicar e comecei a sorrir.

- Alguém já te disse que você é absurdamente linda? – meus lábios, que geralmente são os meus piores inimigos, resolveram se manifestar.

A mulher, que até então parecia segura de si, estancou, parada feito uma estátua no mesmo lugar.

- Você é louca? – perguntou, visivelmente desacreditada. 

- Não. – respondi simplesmente. – A propósito, eu não me importaria se você estivesse me chamando de infantil.

- Não se importaria em ser julgada? – me perguntou, agora um pouco menos chocada.

- Não. – disse. – Porque eu sei que eu não sou.

- Você está pensando em seguir carreira na psicologia? – me encarou.

Eu gargalhei com a pergunta.

- O quê? Eu sou mais pra lá do que pra cá das ideias. – pontuei. – Coitados dos pacientes.

- Faz sentido. – falou e me encarou em profundidade.

- Eu sou modelo e vou seguir para a fotografia, esqueceu? – respondi e ela ainda me encarava, de forma desconfiada. – E você?

- Eu o quê? – perguntou sem entender.

- Sempre quis ser empresária? – rebati a pergunta, como se fosse o óbvio.

- Ah, sim...- pareceu entender. – Eu acho que o assunto não seja pertinente.

Bufei frustrada, desistindo de manter qualquer diálogo com ela, já que ela não fazia a mínima questão de conversar comigo. Era impressionante a forma como ela mudava quando não tinha uma garrafa de whisky por perto.

- Se você diz! – pontuei mal humorada, dando as costas a ela, para poder sair definitivamente dali.

- Eu sempre quis o mundo dos negócios...- ouço sua voz ao longe, interrompendo os meus pensamentos.

Quando me virei para encará-la, vi que ela estava acanhada.

- Droga! – bufei frustrada, fazendo todo o meu caminho de volta. – É mesmo?

- Bem, eu sou a primeira filha a seguir os negócios do meu pai. - começou a explicar.

- Então foi por isso que você sempre quis? Para ser diferente?

- Não! – rebateu como se eu tivesse xingado a mãe dela. – Foi um caso de amor a primeira vista. -disse. – Como se eu precisasse apenas conhecer para amar.

- Muita coisa a gente precisa apenas conhecer para amar.

- Eu sou um exemplo disso. – deu de ombros. – Você precisa apenas me conhecer para que me ame.

Gargalhei internamente, sentindo que se eu risse ali, na cara dela, ela provavelmente iria embora na mesma hora.

- Interessante. - murmurei pensativa, tentando mudar de assunto. – E o que o ilustríssimo Romeu faz desse lado da livraria, se me permite te perguntar, já que você questiona a leitura alheia.

- Talvez essa seja a notícia que você não imaginava. – disse. – Eu estou procurando alguns livros para a minha filha.

- Por que eu não imaginaria? Eu conheço a Rose. – a encarei confusa.

- Bem, são para ela e para a minha outra filha. – explicou acanhada.

Arregalei os olhos, assim que a informação deixou seus lábios.

- Você tem outra filha? – perguntei perplexa. – Espera, Você não é casada e nem nada do tipo, é? E, porra, quantos filhos você tem!?

Ela ponderou para responder, assim como sempre fazia.

- Não, Hande. – respondeu, sem me encarar. -  Eu não sou casada e tenho duas filhas.

- Graças a Deus! – suspirei aliviada. – Eu sou bonita demais pra ficar careca.

- Por que você ficaria careca? – me perguntou, sem entender.

- Esqueça o que eu disse. – desconversei. – Então, você tem outra filha...

- Sim, - respondeu alguns segundos depois. – O nome dela é Bella e ela tem dez anos.

- Uau. Eu fico imaginando o porquê de você não ter alguém...- a olhei desconfiada.

- Não é como se eu fosse a Angelina Jolie. – ela rebateu.

- Não, mas é tão linda quanto. – a respondi rapidamente e vi quando ela ficou envergonhada. – Você está com vergonha?

- Não. – ela respondeu, sem me encarar e eu achei a cena muito fofa.

- Você mente tão mal. – a provoquei, olhando sorrateiramente para ela.

- Para de me olhar assim. – pediu.
- Assim como?

- Como se já tivesse me visto nua...- sussurrou, ainda envergonhada.

Eu não consegui conter a risada.

- Deve ser porque eu já te vi nua uma porção de vezes...- a lembrei. – Confesso que acabei de ter um vislumbre na minha memória.

- Hande! – me repreendeu.

- O quê? Eu não me lembro de você ser tão tímida assim! – ralhei com ela.

- Estamos em público! – me lembrou. – As pessoas podem nos ouvir.

Olhei em volta e havia somente nós duas no lugar.

- Não tem ninguém aqui. – disse. – A não ser que você esteja vendo alguém que eu não esteja. Daí você tem que procurar um pai de santo, ou um centro espírita...

Ela gargalhou, me empurrando levemente pelo ombro. Por alguns segundos, esqueci o que eu tinha pra falar e me perdi no som daquela risada.

- Você não tem o mínimo filtro e eu novamente estou percebendo isso. – sorriu de lado. – E eu não estou vendo ninguém, sua doida.

- Graças a Deus! – suspirei aliviada. – Eu esqueci de adicionar que era pra você procurar um psiquiatra, em caso de esquizofrenia.

- Engraçadinha...- revirou os olhos.

- Vai rindo assim...- a provoquei. – Quando menos perceber, vai estar nua na minha cama.

Ela me olhou como se eu tivesse um terceiro olho no meio da testa, ficando com os olhos petrificados em minha direção.

- Não vai mais acontecer? – perguntei, a encarando.

Ela estreitou os olhos, provavelmente sem entender nada, já que aquela pergunta não fazia o mínimo sentido.

- Acontecer o quê?

- O que eu acabei de dizer. – pontuei, como se fosse o óbvio.

- Seja mais específica, Hande. – rebateu.

- Você e eu...- apontei para nós duas.

Ela suspirou profundamente.

- Você é sempre tão direta assim? – tentou desconversar.

- Não estamos na agência, senhora Boskovic. – a provoquei.

- Então não me chame assim. – rebateu e eu sorri.

Eu só poderia ser masoquista, porque aquela marra toda estava me ganhando.

- Eu sou capaz de ouvir as engrenagens do seu cérebro daqui. – ela me tirou dos meus pensamentos.

- Eu estou me perguntando se você está me dando uma desculpa. – coloquei pra fora. – Se você não gostou...

Ela me encarou desacreditada.

- Não gostei da nossa última noite?

Assenti, sem diz uma única palavra.

- O problema...

- Se você disser que o problema é você e não eu, eu nunca mais transo na vida! – a interrompi.

Ela gargalhou novamente.

- Eu não ia dizer isso! – se defendeu.

- Você tem cara de quem diz isso, Boskovic. – a encarei, com os olhos entreabertos.

- Não é nada disso, sua boba. – rebateu. – Meu pai não permite nenhum contato entre os funcionários, que seja de cunho amoroso.

- O quê?

- É isso mesmo. – respondeu. – Na empresa é proibido. – disse. – Não é como se as pessoas não se relacionassem as escondidas, mas eu sou a filha dele.

- Algum trauma em específico? – perguntei curiosa.

- Eu prefiro não falar sobre...- disse e eu resolvi respeitar o silêncio dela.

- Bem, seja lá o que for, você irá superar. – disse e a encarei. – Tenho certeza que sim.

- Tem certeza de que você não irá cursar psicologia?- gargalhei com a fala dela. 

- Tenho certeza. – respondi. – Mas não é preciso ser psiquiatra ou psicóloga pra entender que tudo é uma fase e que toda fase passa.

- Menos a fase dos livros infantis. – disse e eu revirei os olhos.

- Você continua batendo na mesma tecla, Tij!

- Não me chame assim!

- Você não gosta de apelidos? Mas você me disse que tinha um...

- Não quando eu tenho um nome para ser chamado. – pontuou sarcástica.

- Você vai de 0 a 100 muito rápido e de 100 a 0 também. – disse, revirando os olhos. – Nos falamos depois, Boskovic.

Eu apenas dei as costas para ela, e fui adentrando ainda mais na parte reservada. Aquela mulher iria me enlouquecer com tantas emoções praticamente ao mesmo tempo. Será que ela sofria de algum transtorno de personalidade ou ela só era idiota mesmo?

Decidi não me questionar tanto e arqueei uma sobrancelha, ao ouvir os passos dela, me seguindo novamente.

- Eu não devia ter falado daquela forma. – falou baixinho. – É apenas um apelido que me deixa triste.

A última frase me fez odiá-la um pouco menos.

- Eu não tive a intenção. – me desculpei.

- Tudo bem. Você não teria como saber. – rebateu. – Os meus avós me chamavam assim e eles não estão mais aqui.

Fez uma pausa momentânea e resolveu me encarar, se aproximando.

- O que eu posso fazer para me remediar? – perguntou, assim que parou ao meu lado. – Me desculpe se fui grossa, isso irá se repetir diversas vezes...

Gargalhei com a constatação dela, gostando um pouco mais de sua presença.

- Um depósito de um milhão de dólares na minha conta. – respondi.
Ela me encarou surpresa, mas logo recuperou a pose.

- Bem, eu poderia...

- Espera, o quê? – perguntei, fingindo surpresa.

- Bem...- tentou explicar.

- Essa é a hora que você me diz que foi amor a primeira vista, - comecei a falar e ela arregalou os olhos. – que você jamais viu uma criatura tão linda e que iremos casar e ter lindos filhos turcos, porque o meu gene é extremamente forte...

- Hande! – ela interrompeu o meu devaneio. – Você jamais pode se casar com alguém que acabou de conhecer.

- Você acabou de destruir todos os melhores contos da Disney!

Ela tornou a me encarar, mas dessa vez com uma expressão mais suavizada.

- Então você se considera uma princesa? – perguntou. – E eu seria o seu príncipe, num cavalo branco?

- Uma princesa num cavalo branco, se formos ser mais específicas. – retruquei. – E você consegue ser tão linda quanto uma.

Ela corou novamente.

- Você está flertando comigo?

Parei subitamente. Ela só tinha percebido isso agora?

- Oh, não! – disse. – Eu não flerto com pessoas que eu acabei de conhecer. – vi um fino traço de um sorriso em seus lábios, mas logo se desfez. – Mas se você sorrir pra mim, eu confesso que...

- Isso parece um flerte para mim, - rebateu de forma metódica, e eu não disfarcei a risada. – Do que está rindo?

- De você! – respondi ainda rindo.

- Não seja tola! – tentou se afastar, mas eu a segurei pelo braço. – Eu não estou vendo a mínima graça!

- Você que é muito engraçada! – continuei segurando seu braço, e ela tentou se desvencilhar novamente. – De que século você veio? Do dezoito?

Ela me encarou aborrecida.

- Eu peço que me solte! – me pediu e eu quase cedi.

- Não me obrigue a querer ser sua amiga, - disse.

- Você está rindo de mim! – rebateu e eu gargalhei novamente. – Me solte!

- Isso pelo menos serviu para alguma coisa...- disse, enquanto ainda segurava o seu braço.

- Para o quê? – me perguntou, já sem paciência.

- Para eu perceber que você fica linda quando está emburrada. – murmurei encarando o biquinho que estava formado em seus lábios.

Ela pareceu perder a postura por alguns segundos, mas logo recuperou.

- Pare de me galantear! – puxou o braço de uma vez.

- Tudo bem...- levantei às mãos em sinal de rendimento. – Não vamos ter a nossa primeira briga conjugal!

Ela revirou os olhos.

- Não revire os olhos para mim! – exclamei. – Não é educado da sua parte!

- Você fez isso diversas vezes! – rebateu e eu apenas a encarei segurando o riso. – E está caçoando de mim novamente!

Eu gargalhei ainda mais alto, quando ela deu as costas e ia se retirar do local em que estávamos.

- Espera, Boskovic! – comecei a segui-la, quando ela parou de repente.

- Hande? – parou de repente.

- Sim? – me aproximei dela por trás, não entendo a parada súbita.

- Eu acho que nós estamos trancadas! – disse aflita.

Olhei por cima dos ombros dela, e vi que a porta da livraria estava fechada e a maioria das luzes da recepção estavam apagadas.






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