O diário

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Sexta-feira, 21:00 p.m.

Antes de começar o semestre, já tinha decidido que acompanharia os novos alunos mais de perto. Queria ter um contato maior com a escrita de cada um para que pudesse guia-los da melhor forma possível nesse ano letivo.

Fico feliz que tenha decidido ter esses momentos à sós com cada aluno antes de conhece-la e não por tê-la conhecido.
Como você sabe, eu já tive problemas antes por me envolver com uma aluna que dava em cima de mim constantemente e por ter cedido.
Por sinal, fora isso que me fizera conversar com o diretor geral e mudar alguns dos termos de conduta que regiam a faculdade.

Apesar da mudança de termos flexibilizarem os relacionamentos aluno-professor e suas consequências, não imaginava que eu iria realmente precisar deles tão cedo.
Mas aqui estava eu, com um interesse inegável na mulher de cabelos negros e olhos cor de mel que conheci a cerca de uma semana.

Eu cronometrei o tempo que passei com os alunos antes dela. 10 minutos. Com uma margem de erro de 1,5 minuto em cada reunião.
Mas desde que Anne entrou na minha sala, discutimos sobre diferentes autores da literatura e posso dizer que me surpreendi com a facilidade que tenho em falar com ela e o quanto gosto de ouvi-la. Tenho certeza que passarei mais do que 10 minutos conversando com ela, sem ou com margem de erro.

Antes que ela entrasse na sala, fiz o possível para ser casual e não demonstrar interesse. Pelo que já vi em seu comportamento anterior, ela tende a fugir e se afastar quando a observo.
Por isso, estrategicamente continuei a ler uma apostila que tinha na minha sala, apesar de já ter memorizado cada palavra dela, apenas para que Anne tivesse tempo para se sentar e se sentir confortável.
Pela visão periférica vi que ela observava a minha sala. Seu cabelo cortado em camadas caíam sobre seus ombros e em sua blusa branca, que contrastava com sua pele levemente bronzeada.
Eu a observei por alguns minutos e apesar da minha vontade de continuar admirando sua beleza, sabia que ainda havia uma aluna com quem me reuniria após ela.
Eu chamo seu nome duas vezes e apenas na terceira ela se vira pra mim.
Eu juro que tento ser o mais profissional possível J.G.
E acho que consigo, porque ela parece mais confortável e me conta sobre quais autores pensa em usar. Sua escolha me surpreende, mas como você dizia, a dedução da análise comportamental nem sempre é a mais correta...
Nossa conversa flui e o despertador me diz que é hora de tomar minhas vitaminas, mas eu apenas clico no adiar e percebo que já se passaram cerca de 30 minutos.
Eu a informo sobre o cronograma das reuniões e sei que nossa reunião chegou ao fim.
Ela está se despedindo e se levanta em direção a porta.
Não quero que ela vá.
30 minutos não foram o suficiente pra eu entender se aquilo é apenas uma atração física, por Anne ter uma beleza exuberante, ou se é algo a mais que isso.

— Senhorita Hills, tenho alguns exemplares que seriam boas inspirações, caso queira emprestado.
Eu sugiro e ela parece animada com a ideia e logo vai até a estante pra escolher algum livro.
Eu aproveito a oportunidade e paro alguns centímetros atrás dela. Alcanço 3 livros que estão duas prateleiras acima da sua altura e entrego a Anne.
Ela é mais baixa que eu, então descanso uma das pernas e me aproximo um pouco do seu ouvido.
— Acredito que esses 3 serão uma boa base pra o seu trabalho.
Nesse momento estamos tão próximos que posso sentir o seu perfume adocicado.
Seu cabelo deixa à mostra uma parte do seu pescoço que parece me convidar a descansar um beijo sutil.
Mas sei que se eu cedesse aquele instinto, ultrapassaria os limites.
Eu respiro fundo, ponho minhas mãos nos bolsos e cerro meus punhos, na tentativa de me manter longe de toca-la.
Anne se vira finalmente e estamos tão próximos que seus sapatos se tombam com os meus.
Ela segura os livros que a emprestei entre nós e nesse momento eu tiro meu tempo para analisar seu comportamento.
Anne abraça os livros entre nós, o que indica que ela quer criar uma barreira entre nossos corpos, impondo um limite.
Provavelmente, ao contrário da maioria das alunas que tenho e se jogam em cima de mim a cada oportunidade, ela sabe que um relacionamento entre professor e aluno dificilmente tem consequências boas para alunos comuns, quanto mais para bolsistas.
Mas eu prefiro me atentar à minha segunda análise.

Sua respiração está pesada, vejo seu torso subir e descer profundamente.
Vejo o caminho que seus olhos levemente esticados traçam.
Observam a minha camisa, meu pescoço, minha mandíbula, meus lábios.
Seus olhos encontram os meus por uma fração de segundos e voltam para minha boca. Anne inconscientemente deixa os lábios entreabertos como os meus.
E esse detalhe quase me faz perder a compostura.
A teoria da ação e reação.
Quando vemos alguém bocejar, sentimos vontade de bocejar. De modo parecido, se observamos algo com muita intensidade, tendemos a repetir inconscientemente aquele movimento que é o foco de nossa atenção.
E é isso que me dá a certeza de que apesar da lógica de Anne lhe dizer para se afastar de mim, seu corpo a denuncia com micro expressões e movimentos que me dizem o contrário.
Anne Hills me deixaria beija-la nesse momento.
Melhor dizendo, ela não deixaria que a beijasse, ela queria que eu a beijasse.

— Talvez com ciúmes -eu continuo nossa conversa - apesar da minha mente estar à mil por hora, dividida entre analisar seu comportamento e controlar o meu próprio —Acho que você é interessante o bastante para isso...

A cabeça de Anne se eleva mais para cima, numa tentativa de se aproximar de mim. Eu me inclino para ela, e minhas mãos que inutilmente tentei manter seguras dentro do bolso, ganham vida própria e vão em direção a sua cintura.

Por algum milagre divino, o meu lado racional e a minha memória me lembram de que ela quase se mudou de sala apenas porque eu a tinha visto bêbada no The club.
Se eu a beijasse agora, poderia apostar todos os meus títulos científicos de que ainda hoje receberia uma carta de transferência de turma.
Mais uma vez, junto todas as minhas forças e ao invés de agarrar sua cintura e puxar seu corpo ao meu, pego o 2º livro que estava quase ao lado de sua cintura.
Esse é um dos momentos que agradeço pro ter uma memória fotográfica J.C., pois sei exatamente qual livro se encontra naquele lugar.
Eu toco sutilmente a testa de Anne com o livro e tento desfazer toda a tensão que está em ambos os nossos corpos.

— Se alguém visse essa cena nossa, acharia que eu estava prestes a te beijar, não acha? Mas eu não faria isso, não na faculdade e não agora...

Ouço alguém bater na porta e dou dois largos passos para longe de Anne.
Audrey aparece na fresta da porta, faz uma pergunta e eu fico feliz por vê-la. Talvez se ela não aparecesse, eu seria atraído novamente por aqueles olhos cor de mel e por seus lábios...

— A senhorita Hills e eu tínhamos muito o que discutir sobre o trabalho, mas já acabamos. Pode entrar Audrey.

Anne sai da sala num ímpeto que malmente registro a saída dela e a entrada de Audrey.
Não vou te contar sobre minha reunião com esta última, J.G.
Ela é apenas mais uma estudante razoavelmente bonita que não esconde seu interesse em mim. Mas em breve, se meus planos de ir devagar com Anne derem certo, volto para te escrever sobre ela.
Como você sabe, tem momentos que me recuso a esquecer, mesmo que um dia, aquela velha companheira que agora tornou-se a amiga mais íntima da minha mãe, resolva me visitar...

Meu perfeito opostoOnde histórias criam vida. Descubra agora