Currículos

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— Hey Anne? - Grace me chama e eu olho para ela — fui na administração ontem e a senhora Smith me perguntou se eu te conhecia, quando disse que sim, me pediu pra você responder a ela sobre alguma solicitação.
— Ah... vou responder sim.
Pedi transferência há 2 dias quando soube quem seria o meu professor de literatura, mas acabei sendo persuadida pelo mesmo a não levá-la a frente.
Ainda assim, não havia informado a Sra. Smith que cancelasse a solicitação de transferência.
Ainda bem que ela não contou a Grace sobre o que era, poderia gerar perguntas que eu preferia não responder...

Agora que havia desistido da transferência, pelo menos por enquanto, fico mais a vontade no meu novo grupo de quase amigos.
Sinto que Mary e May Jenna não me veêm como nada mais que uma colega de quarto, mas Grace e Caleb me acolheram como se me conhecessem a anos e isso facilita que eu, mesmo não sendo uma das pessoas mais sociáveis, me inclua pouco a pouco naquele grupo de amigos.
— O que tá olhando? - pergunto ao ver a cara de espanto de Grace enquanto pesquisa no seu notebook. As Jennas e eu nos aproximamos da tela simultaneamente.
— O currículo dele não tem fim?
— Já achou um namorado novo, Grace? - pergunta Caleb, se achegando por último atrás de mim.
Grace solta o ar — namorado só se for nos sonhos, olha só o currículo do cara, parece que não tem fim! - completa ela e finalmente percebo sobre quem ela fala.
Quase posso sentir a revirada de olhos de Caleb diante da admiração de Grace.

A foto de um Reid elegante e com cabelos perfeitamente escovados para trás está no canto esquerdo superior da tela e embaixo dela, seu nome completo e seus títulos acadêmicos.
Grace vai descendo a página e diversos artigos científicos e projetos de sua carreira se enfileiram na tela branca de seu currículo lattes.
Eu paro a mão dela pra ver uma das informações que me chama a atenção:

Atuação:
Consultor em análise comportamental para o FBI nos anos XXXX
Publicações:
Artigo científico: A relação e semelhança entre o perfil dos personagens de Edgar Alam poe e o comportamento dos psicopatas em crimes hediondos. Autor: Reid, Spencer. 2012.

Leio em voz alta e fico completamente em choque. Agora entendo porque dizem que ele
é maravilhoso em todos os sentidos, o cara trabalhou até pro FBI?
— Podemos todos admitir que é uma honra respirarmos o mesmo ar que alguém como Doutor Professor Spencer Reid, não podemos?
Grace pergunta dramaticamente e eu e as Jennas concordamos.
— Se vão continuar babando esse cara, eu tô fora - diz Caleb pegando sua mochila e me dando um aceno de despedida com a maior cara enfezada do mundo.
— Ah, ele tá com ciúmes porque existe um cara mais gato e talentoso que ele -May comenta e Mary cutuca ela com o cotovelo pra que parasse com a provocação, mas Caleb já havia sumido na multidão.

— Como alguém pode nascer tão bonito e inteligente assim? É injusto! - eu digo.
— Hello? Já se olhou no espelho, Anne? - diz May pra mim e eu dou um sorriso sem graça.
— Vão me dizer que olharam meu currículo também? - pergunto brincando e elas acenam que sim.
— Escreveu diversos artigos, fundou ligas acadêmicas e ficou em 1º lugar no concurso de Contos curtos que teve no sul do país. Uma verdadeira garota prodígio.
— Mary, não soe tão invejosa! - brinca May e todas sorriem. Como não quero pesar o clima faço o mesmo, contanto que elas não me perguntem...
— Depois do concurso em 2021, não tem mais nada... porque parou Anne? - continua Mary e meu sorriso desaparece enquanto os olhos das 3 se focam em mim.
É legal ver a vida de outras pessoas pela plataforma online de currículos e por alguns segundos esqueci que a minha vida também estava ali, parcialmente exposta, a um click de distância.
Eu engulo em seco.
— Tive que interromper a faculdade, por assuntos pessoais - respondo usando o meu melhor tom de "quero encerrar essa conversa".
— Que assuntos pesso-
— Tá na hora da próxima aula galera - Grace me salva da pergunta de Mary que parecia não ser muito boa em ler o ambiente e fecha o laptop.
Aproveito essa deixa e pego minha bolsa e meu livro pra segui-la. Nós 4 nos despedimos, as Jennas pra um lado e eu e Grace para outro.
Nós temos as mesmas grades de aulas e fico feliz por ela, apesar de ser uma pessoa super extrovertida, não ser entrona e invasiva.
Até o momento que sento na cadeira da sala de aula ainda penso no último assunto e em como eu deixei as coisas estranhas. Não era a minha intenção, mas o que eu deveria fazer?
"Então meninas, eu tranquei a faculdade no penúltimo semestre porque tive que usar todo o dinheiro que ganhava no meu trabalho de meio período pra pagar as despesas de casa que meu pai deixou quando largou eu e a minha mãe, então trabalhei até ano passado num jornal eletrônico de 3ª Classe escrevendo colunas de namoro mesmo que eu tivesse potencial para escrever contos e artigos literários muito mais interessantes!"
Eu balanço a cabeça espantando as memórias: Não Anne, ninguém precisa saber de como sua vida deveria ter sido maravilhosa e acabou sendo um fracasso.

Eu tento me lembrar do agora, de que ganhei uma bolsa para finalmente terminar a faculdade e de que apenas esse diploma já vai aumentar minha renda.
Sim, as coisas vão melhorar! Penso positivamente.
Sinto a mão de Grace tocar gentilmente meu antebraço e me viro para olha-la. Seus olhos verdes são curiosos e gentis.
— Parece que tem muita coisa que você vai nos contar sobre sua vida, mas por mais que eu esteja doida pra saber o que é, vou esperar até que esteja pronta pra falar sobre, okay?
— Minha cara tá tão ruim assim? - pergunto frente a sua fala reconfortante.
— Desde que entramos na sala você parece ta viajando em memórias nada agradáveis Anne...
Eu aperto meus lábios numa tentativa de sorriso e agradeço. Finalmente consigo focar na aula e quando ela acaba, Grace me chama:
— Vem, vamos comer algo diferente no the Club.
O nome me soa familiar e em alguns segundos lembro que é o mesmo restaurante em que conheci Reid.
Eu não deixo a preocupação tomar conta da minha mente e aceito sem pensar duas vezes, não é como se eu fosse me encontrar com ele novamente, certo?
Errado.

Meu perfeito opostoOnde histórias criam vida. Descubra agora