Capítulo sete

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Quando as compras já estavam organizadas na geladeira minúscula, as irmãs Thronicke resolveram sair para explorar as redondezas - e fugir da imundice do apartamento do andar de cima.

No porto, Soraya se equilibrava sentada na cerca de madeira com vista para o mar. A cabeça estava inclinada para permitir que a brisa do começo da tarde levantasse os cabelos na sua nuca; o rosto, iluminado pela luz do sol. Ela parecia inspirada e bem descansada, estilosa com seu body cavado nas costas, a calça jeans skinny e botas de cano curto Chloe que diziam: "Talvez eu suba num desses barcos, mas não sou eu que vou trabalhar."

— Ma - falou, quase sem mexer a boca. - Levanta o celular e vira mais para baixo.

— Meus braços estão cansando.

— Só mais uma. Sobe ali naquele banco.

— Soraya, já tirei pelo menos quarenta fotos em que você está parecendo uma deusa. Ainda precisa de mais opções?

Soraya forçou um bico.

— Por favor, Maya. Compro um sorvete para você.

— Eu não tenho sete anos - resmungou Maya, ao subir no banco de pedra. - Vou querer cobertura.

— Ah, isso daria uma foto sua muito fofa!

— É - respondeu a irmã, em um tom seco. - Não duvido que todos os meus dezenove seguidores iriam adorar.

— Se você me deixasse compartilhar só uma vez...

— Sem chance. A gente já falou sobre isso. Inclina a cabeça mais para trás. - Soraya obedeceu, e a irmã tirou a foto. — Gosto de manter minha privacidade. Nada de ficar compartilhando sobre a minha vida.

Soraya desceu da cerca e recebeu seu celular de volta.

— É que você é muito bonita, e todo mundo deveria saber disso.

— Não, é pressão demais.

— Mas por quê?

— Provavelmente, você já se acostumou tanto que não para e pensa que... todos esses desconhecidos e os comentários deles nos seus posts é que ditam as suas experiências. Tipo, agora você está aproveitando mesmo o porto ou só está imaginando a legenda que vai colocar na foto?

— Ui. Golpe baixo. - Ela deu uma fungada. - "Senti que este mar está pra peixe" fica legal?

— Fica - disse Maya, demonstrando irritação. - Mas não quer dizer que você pode me marcar.

— Tudo bem - retrucou Soraya, contrariada. Em seguida, enfiou o celular no bolso de trás. - Vou postar só depois, para não ficar checando o número de curtidas agora. E estou sem sinal mesmo. O que devo enxergar com meus olhos? O que a realidade tem a me oferecer? Seja minha guia, minha guru.

Com um sorriso complacente, Maya entrelaçou o braço no de Soraya. Elas compraram sorvete, um para cada, em uma lojinha e seguiram em direção às fileiras de embarcações de pesca ancoradas.
Gaivotas sobrevoavam em círculos de um jeito ameaçador, mas, depois de um tempo, aquela imagem e os grasnos estridentes das aves se tornaram parte do ambiente, e Soraya parou de se preocupar se iriam fazer cocô nela.

Era uma tarde excessivamente úmida de agosto, e turistas de sandálias e chapéu bucket passavam por placas divulgando a observação de baleias e subiam em barcos que oscilavam com o movimento das águas.

Outros ficavam em roda na beira do cais e jogavam o que pareciam ser baldes de metal no azul do mar.

Soraya avistou mais à frente o prédio branco que se proclamava o museu marítimo da cidade e lembrou o que Simone havia falado sobre o memorial de Henry
Cross.

Aconteceu naquele verão | Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora