Capítulo três

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Mas, pelo visto, não estava tudo bem.

Muito pelo contrário.

Isso segundo o padrasto delas, David Thronicke, produtor de cinema reverenciado, vencedor do Oscar, filantropo e velejador profissional.

Soraya e Maya tentaram passar pela entrada de serviço da mansão em Bel-Air, para não serem notadas.
Haviam se mudado para lá quando Soraya tinha quatro anos e Maya, dois, logo após o casamento da mãe delas com David, e nenhuma das duas se lembrava de ter morado em outro lugar. De vez em quando, ao sentir a brisa do mar, a memória de Soraya transmitia um sinal através de um nevoeiro em sua mente, fazendo-a se lembrar da sua cidade natal, no noroeste do Pacífico, mas não havia nada significativo a que se apegar, e esse indício sempre sumia antes que ela pudesse compreendê-lo.

Agora, a fúria do padrasto? Isso ela compreendia plenamente.

Estava gravada nas rugas da pele bronzeada daquele rosto tão conhecido, nos apertos de mão desanimados que ele deu nas irmãs, conforme elas se sentavam uma ao lado da outra no sofá do escritório da mansão. Atrás dele, havia prêmios reluzentes nas estantes, pôsteres de filme pendurados na parede e um telefone em cima da mesa em formato de L, cuja luzinha acendia a cada dois segundos, apesar de o aparelho estar silenciado para o sermão que estava por vir. A mãe delas estava no pilates e por fora de tudo? Isso era o que deixava Soraya mais nervosa.

Marisa costumava tranquilizar o marido... e, neste momento, ele estava tudo, menos tranquilo.

— Hum, David? - Soraya arriscou, de um jeito animado, colocando uns fios do cabelo sem volume atrás da orelha. — Nada disso é culpa da Maya. Tudo bem se ela for para o quarto dormir?

— Ela vai ficar - ele afirmou, lançando um olhar duro para Maya. - Você estava proibida de pagar a fiança dela e, mesmo assim, foi lá e pagou.

Soraya direcionou sua perplexidade para a irmã.

— Você fez o quê?

— O que eu devia ter feito, então? - Maya tirou rápido o boné e o prendeu entre os joelhos. - Deixado você lá, Sory?

— Pois é - disse Soraya, devagar, ao encarar o padrasto, cada vez mais horrorizada. - O que você queria que ela fizesse? Que me deixasse lá?

Nervoso, David ajeitou o cabelo com os dedos.

— Pensei que você já tivesse aprendido a lição há muito tempo, Soraya. Ou melhor, as lições, no plural. Você continuava saracoteando por aí, indo a todas as festas, daqui até o Valley, mas pelo menos não dava prejuízo nem me fazia passar por um idiota de merda.

— Essa doeu. — Soraya voltou a afundar no sofá. - Não
precisava falar desse jeito.

— "Não precisava falar desse..." - David, exaltado, apoiou o dorso do nariz entre os dedos. — Você tem 28 anos, Soraya, e nunca fez nada na vida. Nada. Recebeu todas as oportunidades possíveis, teve todos os caprichos atendidos, e a única coisa que tem para nos mostrar é uma... uma vida na internet. Isso não significa nada.

Se isso for verdade, eu também não significo nada, então, pensou Soraya.

Soraya agarrou uma almofada de repente e a colocou no colo, próxima ao estômago, que estava revirando. Ela olhava com gratidão para Maya enquanto a irmã pousava a mão no joelho dela para fazer um carinho.

— David, desculpa. Meu namorado terminou comigo ontem, foi horrível, e fiz besteira. Nunca mais vou fazer algo desse tipo.

David pareceu relaxar um pouco. Ele deu uns passos para trás para se encostar na beirada da mesa.

Aconteceu naquele verão | Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora