Capítulo Quatro

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Simone Tebet foi a primeira moradora de Westport a avistar as mulheres.

Ela ouviu uma porta de carro batendo, perto da calçada, e se virou lentamente, sentada no barril que fazia as vezes de banco no Sem Nome. A garrafa de cerveja estava parada a meio caminho da boca; o falatório alto e a música tocando no bar dissipavam-se.

Pela janela imunda, Simone as observou sair das portas traseiras do táxi, uma de cada lado, e na mesma hora teve certeza de que eram duas turistas perdidas que haviam errado de endereço.

Isto é, certeza até elas começarem a tirar as malas do carro. Sete, para falar o número exato.

Ela deu um grunhido e tomou um gole de cerveja.

Elas estavam totalmente fora de qualquer roteiro turístico. Não havia nenhuma pousada nos próximos quarteirões. Além de errarem o destino, usavam roupa de praia à noite, no meio de uma chuva de fim de verão, sem nem sinal de um guarda-chuva... e estavam visivelmente desorientadas.

A de chapéu de abas largas, todo desengonçado, chamou sua atenção logo de cara, por um único motivo: parecia a mais ridícula, com a bolsa em formato de batom pendurada no braço e os punhos frouxos erguidos até a altura dos ombros, como se estivesse com medo de encostar em alguma coisa. Ela inclinou a cabeça para trás para contemplar o prédio e gargalhou. E as risadas foram se transformando no que parecia um choro com soluços, embora Simone não conseguisse escutar, pela interferência da música e da vidraça.

Ao notar que o vestido molhado pela chuva da Chapéu
Desengonçado estava justinho nos peitos dela, Simone desviou o olhar e retomou o que estava fazendo. Fingiu interesse pela aventura da queda de Randy no mar, aquela maldita história que ela já havia escutado oitenta vezes.

— O mar estava virado naquele dia - disse Randy, com uma voz metálica. - A gente já tinha atingido a meta e até passado um pouco, graças a esta capitã aqui. — Ele ergueu o copo com espuma e saudou Simone. - E lá estava eu, num convés mais escorregadio que brilhantina, já me imaginando nadar numa banheira cheia de dinheiro quando voltássemos pra casa. A gente estava puxando o último covo, e lá estava ele, o maior caranguejo dessa porra de mar, o filho da puta do vovozinho de todos os caranguejos, e ele me disse, com os olhinhos brilhantes, que não ia se entregar fácil, não. Naaaão, senhor. Randy escorou a perna no banco em que estava sentado antes e usou as feições brutas do rosto para potencializar o efeito dramático. Ele trabalhava nesse barco desde a época em que Simone ainda não era a capitã. Tinha testemunhado mais temporadas do que a maioria da tripulação somada. No fechamento de cada uma delas, dava uma festa para comemorar a aposentadoria. E, no fim das contas, aparecia para a temporada seguinte, pontualmente, depois de ter gastado tudo o que ganhara no ano anterior, até o último centavo.

— Quando digo que o desgraçado enroscou a pata em volta da manga da minha capa, através do covo, da rede, de tudo, não estou mentindo. Ele queria ir com tudo, sem pensar duas vezes. O tempo parou, senhoras e senhores. A capitã gritava comigo para puxar o covo, mas prestem bem atenção: eu tinha sido enfeitiçado. O caranguejo jogou um feitiço em mim... Podem acreditar. Foi nessa hora que bateu a onda, invocada pelo próprio caranguejo. Ninguém a viu chegando, e, assim, do nada, fui lançado no mar.

O homem que era como um avô para Simone fez uma pausa para tomar metade da cerveja.

— Quando me puxaram de volta... — Ele deu um suspiro. - Não tinha mais sinal daquele caranguejo.
As duas pessoas no bar lotado que ainda não haviam escutado a lenda riram e aplaudiram — e foi nesse momento que a Chapéu Desengonçado e a outra mulher resolveram entrar. Em segundos, fez-se um silêncio total. Dava para ouvir um alfinete cair, o que não surpreendeu Simone nem um pouco. Sem dúvida, Westport era uma parada turística, mas era raro um forasteiro aparecer do nada no Sem Nome. Não era um estabelecimento listado no Yelp.
Sobretudo porque funcionava ilegalmente.

Aconteceu naquele verão | Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora