Capítulo dois

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A cadeia era um lugar frio e escuro.

Soraya estava em pé no meio da cela, tremendo e abraçando os cotovelos para não encostar, sem querer, em nada que a fizesse precisar tomar uma vacina antitetânica. Até então, a palavra "tortura" era somente uma descrição vaga de algo que ela nunca iria compreender. Mas, após quase seis drinques, tentar não fazer xixi em um vaso sanitário todo mofado era um tormento pelo qual nenhuma mulher deveria passar. A situação do banheiro do Coachella no fim da noite não chegava nem perto daquele vaso sanitário imundo zombando de Soraya de um canto da cela.

— Com licença? - pediu Soraya, cambaleando no salto alto até as barras. Não havia nenhum guarda à vista, mas ela estava escutando barulhinhos que só podiam ser do Candy Crush vindos de perto dali. - Oi, sou eu, a Soraya. Tem outro banheiro que eu possa usar?

— Não, princesa - respondeu uma mulher, com um tom bastante entediado. - Não tem, não.

Ela se balançou de um lado para o outro; a bexiga reclamava para ser esvaziada.

— Qual é o banheiro que você usa?

Um som de escárnio.

— O das pessoas que não cometeram crimes.

Soraya choramingou, embora a guarda tivesse passado um pouquinho dos limites ao dar uma resposta tão agressiva, sem hesitar.

— Mas eu não cometi nenhum crime - insistiu Soraya. — Isso aqui é um grande mal-entendido.

Gargalhadas estridentes ecoaram por aquele corredor monótono.

Quantas vezes ela já tinha passado em frente à delegacia na Wilcox Norte? E agora era uma das detentas. Mas, sério, foi uma festa e tanto.

A guarda caminhou devagar até a cela de Soraya, com os dedos enfiados na cintura da calça do uniforme bege. Bege. Quem quer que fosse o responsável pelo estilo dos agentes da lei deveria ser condenado por impor essa punição cruel e peculiar.

— Então, para você, duzentas pessoas invadindo a piscina de um hotel de madrugada é um mal-entendido?

Soraya cruzou as pernas e respirou fundo. Se por acaso ela se mijasse toda em um Valentino, faria questão de permanecer na cadeia.

— Acredita que o cartaz com os horários da piscina estava meio escondido?

— Essa é a defesa do advogado que vai te cobrar uma nota? - Dava para ver que a guarda estava achando graça. - Alguém teve que quebrar a porta de vidro para ter acesso e deixar os outros riquinhos entrarem. Quem foi que fez isso? O Homem Invisível?

— Eu não sei, mas vou descobrir - prometeu Soraya, solenemente.

A guarda abriu um sorriso.

— Tarde demais pra isso, meu bem. Sua amiga do cabelo roxo nas pontas já disse que você foi a líder do grupo.

Kimberly.

Só podia ser ela.

Na festa, era a única com as pontas do cabelo pintadas de roxo. Pelo que Soraya lembrava. Em algum momento, entre brincar de briga de galo na piscina e soltar fogos de artifício ilegais, ela perdeu a noção do número de convidados que estavam chegando. Mas deveria saber muito bem que não dá para confiar em Kimberly. Soraya era amiga dela, mas não tão próxima a ponto de Kimberly mentir para a polícia para protegê-la. A relação das duas se baseava em comentários em posts nas redes sociais e no incentivo para fazer compras absurdas, como uma bolsa de 4 mil dólares em formato de batom. Na maioria das vezes, esse tipo de amizade superficial era valioso, mas não naquela noite.
Por isso mesmo, a ligação a que tinha direito foi para Maya.

Aconteceu naquele verão | Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora