Capítulo dez

204 31 5
                                    

Soraya estava presa em um pesadelo no qual ratos gigantes com narizinhos inquietos a perseguiam por um labirinto enquanto ela empunhava uma frigideira em chamas. Então, quando escutou a batida na porta na manhã seguinte, seu pensamento ao despertar foi:
"A rainha dos ratos veio me buscar". Ela se sentou rapidamente e bateu com a cabeça na cama de cima do beliche com tanta força que fez barulho.

— Ai - reclamou, levantando a máscara dos olhos até a testa e sentindo com o dedo o lugar onde havia batido. Já estava inchado.

Um bocejo veio de cima.

— Bateu a cabeça de novo?

— Bati - murmurou Soraya, tentando se lembrar do motivo para ter acordado. Não era como se muita luz solar conseguisse passar pelas janelas ou pelo prédio ao lado. Não quando mal um centímetro a separava da parede do vizinho. O apartamento estava todo escuro. O sol nem devia ter nascido ainda.
Bateram duas vezes na porta, e Soraya gritou, a mão voando para o peito.

— Rainhas dos ratos - ofegou.

Maya riu.

— O quê?

— Nada.

Soraya se concentrou e encarou a porta, cautelosa.

— Quem é?

— É a Simone.

— Ah.

Ela olhou para cima e soube que Maya também estava franzindo o cenho, como ela, mesmo que não conseguissem se ver. Do que a capitã razinza precisava que não podia esperar até um horário de gente normal?

Toda vez que Soraya pensava que elas tinham se visto pela última vez, ela voltava a aparecer, impossivel de ignorar. Confundindo-a.

Soraya não havia mentido sobre não saber como agir na presença dela. De modo geral, era fácil seduzir, flertar, elogiar e colocar quem ela quisesse na palma da sua mão. Até se entediarem e seguirem em frente, o que pareciam fazer cada vez mais rápido. Mas essa não era a questão. Simone havia roubado essa sua cartada de sedutora, e agora não dava mais para usá-la. Ela já tinha visto demais. Na primeira vez que se encontraram, Soraya estava num estado lamentável, toda molhada e ofendeu sua querida Westport. No segundo encontro, ela ofendeu sua falecida esposa. Da terceira vez, ela quase queimou aquela relíquia de prédio.

Apesar de que comer com ela tinha sido... legal.

Talvez essa não fosse a palavra correta.

Diferente. Com certeza tinha sido diferente. Ela tinha conversado com Simone sem tentar exibir seu melhor ângulo e rir do modo certo o tempo todo. Ela pareceu interessada no que ela tinha a dizer.

Será que estava mesmo?

Claro, Simone não se encantara de imediato com sua aparência. Os olhares sedutores ensaiados por Soraya só a tinham deixado mais rabugenta. Quem sabe ela quisesse que fossem amigas! Tipo, com base no caráter dela. Não seria legal?

— Hum - murmurou Soraya, em meio a um bocejo. - Amigas.

Balançando as pernas na beira da cama, ela enfiou os pés na sandália preta de veludo Dolce & Gabbana e andou até a porta. Antes de abri-la, cedeu à vaidade e limpou as remelas no canto dos olhos. Abriu a porta e esticou o pescoço para olhar para o rosto da capitã carrancuda.

Soraya começou a dizer bom-dia, mas Simone pigarreou alto e se virou, encarando o batente da porta.

— Vou esperar até você se vestir.

— O quê...? — Com o nariz franzido, ela olhou para a blusa regata e calcinha que vestia. - Ah.

— Aqui - chamou Maya, sonolenta, jogando um travesseiro para Soraya.

Aconteceu naquele verão | Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora