Capítulo nove

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Simone cumpriu a formalidade de conferir o menu na entrada do Boia Vermelha, embora soubesse muito bem que iria pedir peixe com batatas fritas. Todas as segundas, ela se encontrava com Fox para jantar naquele pequeno restaurante de Westport, que existia desde a época em que os avós deles trabalhavam nos barcos de pesca.

Simone jamais havia escolhido um prato diferente. Não fazia sentido mexer em time que estava ganhando, e o Boia Vermelha tinha o melhor peixe da cidade.

Moradores entravam e saíam do restaurante, cumprimentando-se com um "olá". A maioria fazia o pedido para viagem e levava a comida para casa em uma embalagem engordurada enfiada debaixo do braço.

Naquele fim de tarde, Simone e Fox ocupavam uma das três mesas do local e aguardavam seus pedidos ficarem prontos. Caso Fox tenha notado as várias olhadas que Simone dava para o Sem Nome, ele não comentou nada a respeito desse detalhe.

— Você está ainda mais calada do que de costume - observou Fox, inclinando-se tanto na cadeira que foi um milagre não ter tombado para trás. Mas Simone sabia que isso não iria acontecer. Era raro seu capitão substituto no Della Ray, que também vinha a ser seu melhor amigo, dar um passo em falso. - Está com a cabeça nos caranguejos, capitã?

Simone resmungou e espiou o outro lado da rua mais uma vez. Se não estivesse com a cabeça nos caranguejos, precisava fazer isso, com toda a certeza do mundo. Em algumas semanas, eles navegariam até o mar de Bering para a temporada de pesca. Ao longo de quinze dias, iriam caçar naquelas águas gélidas, porém familiares, fazendo seu melhor para encher a pança do barco com uma quantidade de caranguejos suficiente para sustentar uma equipe de seis pessoas até o ano seguinte.

Além de participarem da temporada, todos os integrantes da tripulação e os taifeiros do Della Ray trabalhavam durante o ano em outros empregos relacionados à pesca, fora do porto de Westport, mas o caranguejo-real era a chance de ganhar uma bolada, então os pescadores de Simone contavam com ela para atingir a meta.

— Tô estudando os mapas - disse Simone, por fim, o que a forçou a se concentrar na conversa, e não no prédio em frente. - Meu palpite é que os russos vão armar os covos onde lançamos os nossos no ano passado, por acharem que é um lugar garantido. Mas nenhuma temporada começou tão cedo quanto a deste ano, e as ondas estão mais imprevisíveis. Não se pode ter certeza de nada.

Fox refletiu sobre os planos.

— Tá pensando em ir mais para o oeste?

— Para o norte. - Eles trocaram um olhar perspicaz, cientes das águas mais perigosas naquela direção. - Não me lembro de nenhuma tripulação que tenha tido muita sorte lá pra cima, em direção à Ilha de São Lourenço, já faz muitos anos. Mas tenho um pressentimento.

— Opa. Seus pressentimentos sempre encheram meu bolso de dinheiro. — Ele deixou a cadeira tombar para a frente e saudou com a garrafa de cerveja. — Vamos para cima nessa porra.

Simone fez que sim, contente com o silêncio que haveria dali em diante.
Mas notou que Fox parecia estar contendo um sorriso.

— Tem alguma coisa para falar? - indagou, depois de um tempo.

Fox abriu o sorriso largo que sempre o fez ser um sucesso com a mulherada. Aliás, ele não tinha ido ao Sem Nome no domingo à noite por conta de uma viagem a Seattle para se encontrar com uma mulher que conheceu pela internet. Como Fox passara duas noites por lá, Simone concluiu, pela lógica, que o encontro tinha ido superbem, embora preferisse cortar a língua fora a perguntar os detalhes. Era melhor manter a privacidade em relação a essas coisas.

Por algum motivo, ela estava se sentindo mais incomodada do que o normal com o fato de seu melhor amigo ter jeito com as mulheres. Só não sabia dizer por quê.

Aconteceu naquele verão | Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora