Capítulo catorze

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Havia uma diferença entre decidir reformar o bar e de fato começar a colocar a mão na massa.

As irmãs logo concluíram que não havia jeito de recuperar o piso do lugar. Porém, graças ao excesso de buracos do tamanho de um pé no assoalho, elas conseguiam ver o concreto abaixo dele, e assim a ideia de um estilo industrial-mais-náutico-chique nasceu.

Arrancar madeiras do chão era mais difícil do que parecia. Era um trabalho sujo, suado e asqueroso, sobretudo porque nenhuma delas conseguiu abrir as janelas, significando que, ainda por cima, tiveram que trabalhar sem direito à circulação de ar. Mas estavam fazendo progresso, e, ao meio-dia do sábado, conseguiram encher um saco de lixo gigantesco com o antigo piso do Sem Nome.

Soraya amarrou a ponta do saco com um floreio, tentando com muito esforço não chorar por causa do estado deplorável das suas unhas, e o arrastou até a rua
— ou pelo menos tentou. A droga do saco não se movia. — Ei, Ma, me ajuda a levar essa coisa lá para fora.

Sua irmã largou a barra de metal que comprara naquela manhã na loja de ferragens, ficou ao lado de Soraya e segurou o saco de lixo.

— Um, dois, três.

Nada.

Soraya se afastou, passando o punho na testa com uma careta.

— Não parei pra pensar na parte em que teríamos que movê-lo.

— Nem eu, mas sei lá. A gente pode separar o lixo em algumas sacolas, que aí não fica tão pesado.

Um gemido saiu dos lábios de Soraya.

— Como isso aconteceu? Por que estou passando o sábado revirando lixo?

— Irresponsabilidade. Uma noite na prisão...

— Grossa - bufou Soraya.

— Sabe que te amo. - Maya retirou as luvas. — Quer parar para o almoço?

— Quero. — Elas deram dois passos e se jogaram em bancos um ao lado do outro. Considerando a empreitada exaustiva e difícil que a reforma do bar acabou mostrando, se olhassem de certa distância, a quantidade de trabalho que tinham feito em algumas horas até que era meio satisfatória. - Será que conseguimos pintar o chão? Com, tipo, um azul-escuro como o oceano? Existe tinta para piso?

— Nem me pergunte. Sou só a DJ.

Agora que Soraya teve a ideia, ela queria saber.

— Quem sabe eu vá com você até a loja de ferragens da próxima vez. Só para dar uma fuxicada.

Maya sorriu, mas não ergueu o olhar.

— Tá bom.

Um minuto de silêncio se passou.

— Contei que invadi o memorial da esposa da Simone ontem à noite? Entrei com uma bandeja de bebidas como se estivesse nas férias de primavera em Miami.

A irmã virou a cabeça lentamente.

— Está me zoando?

— Não. - Ela puxou um fio condutor imaginário. — O trem Soraya segue desgovernado.

Para o crédito de Maya, ela levou quinze segundos inteiros para começar a rir.

— Meu Deus, não estou rindo disso... quer dizer, é uma coisa triste, um memorial. Mas, ah, Soraya. Só... meu Deus.

— É. - Ela bateu um pouco de poeira da calça de yoga.

— Você acha minha bolsa em formato de batom feia?

— Hum...

Maya foi poupada de ter que responder quando a porta da frente do Sem Nome se abriu. Simone entrou carregando uma bandeja de café e uma sacola de papel branca. Havia algo diferente nela naquela manhã, porém Soraya não conseguiu descobrir o quê. Não de cara. Ela vestia aquela combinação de suéter, e jeans de sempre, simples e já detonada, e trazia o cheiro do oceano, de café e açúcar.

Aconteceu naquele verão | Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora