PRÓLOGO

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Um menino corria ao redor do imponente carvalho, brincando com as folhas que caiam dos galhos altos, maior parte deles fora dos limites da visão oferecida pela janela através da qual um pouco da luz do sol entrava para a sala de estar.

Emily, bem aconchegada na poltrona, fechou o livro de capa dura que segurava e observou o filho se divertindo. Era um bom momento para terminar o romance policial que vinha desfrutando nos últimos dias, mas talvez estivesse com a imaginação suficientemente fértil para continuar mergulhada na ficção.

Tomaz não podia nem desconfiar de seus recentes pensamentos. As conversas já tinham rendido bastante e os dois haviam chegado ao consenso de que a casa em que moravam não tinha nada de errado. Pelo contrário: era bem localizada em uma área arborizada, acessível e com vizinhos simpáticos. Um lugar perfeito para uma jovem família. O marido sabia do que estava falando; afinal, ganhava a vida convencendo os outros a comprar imóveis, o que o fazia conhecedor das qualidades que uma residência tem a oferecer.

Emily ficou mais dócil às palavras tranquilizadoras de seu companheiro. No começo, logo que mudaram para a antiga casa de Oswald Campbell, pai de Tomaz, em um pacato subúrbio londrino, para que ela passasse o final da difícil gravidez do primeiro filho em um lugar mais calmo e arejado, a preocupação e a paranoia a acompanhavam.

Dizia sentir uma energia diferente circulando abaixo da pele, como se o corpo fosse explodir em fogos de artifícios a qualquer instante. Ansiedade de uma mãe de primeira viagem, os médicos insistiam, ressaltando que os exames não demonstravam nada de errado.

Após o nascimento do pequeno Derek, seu estado de nervos se estabilizou, embora ainda pudesse jurar que coisas se mexiam sem explicação nas madrugadas em que se levantava para ir ver o bebê. Chegou a perguntar ao marido se Oswald, já falecido, gostaria que eles morassem ali. Tomaz constantemente relembrava que o pai amava crianças, especialmente meninos espertos. Ele estava satisfeito, estando onde estivesse.

No aniversário de um ano do menino, aproveitaram os preparativos da festa para trocar a mobília e os papéis de parede, trazendo mais vida para o que passou a ser o lar definitivo do casal. Os relatos de portas rangendo sozinhas e vasos de flores trincando sem explicação cessaram, e Emily ficou em paz com a casa — pelo menos até Derek ficar mais crescidinho.

Ele já estava com seus cinco anos quando os pesadelos de Emily voltaram.

Desdobrando-se entre os afazeres domésticos e a atenção dada ao filho que vivia rolando pelo quintal, era ela que passava mais tempo em casa e, assim, tinha uma forte possibilidade de testemunhar algo fora do comum, como passou a ocorrer nos últimos dias.

Primeiro, foram estalos e ranger de portas, nada que não pudesse ser atribuído ao expandir e retrair da madeira de acordo com a temperatura ambiente, mas logo começaram os vultos semelhantes a rastros bruxuleantes rondando os arredores. Às vezes, podia jurar que folhas não caiam da árvore de maneira normal enquanto o filho brincava no balanço, como se elas atingissem uma presença invisível.

Tudo era muito nítido para ser mero fruto de sua mente, e ela se segurava para não contar a Tomaz. A última coisa que ela queria era que ele a olhasse como uma desequilibrada. O melhor mesmo era esquecer a ideia boba de fantasmas e parar de culpar a bela casa na qual moravam.

Emily se levantou da poltrona, empurrou o livro pela lombada, encaixando-o entre os outros na prateleira da estante, e foi acenar da janela, fazendo sinal para que o filho entrasse. O menino indicou que queria brincar só mais um pouquinho no pneu que o pai havia amarrado no carvalho para servir de balanço. Certamente não seria só mais uma ou duas balançadas, e não seria de se admirar que voltasse com o joelho ou cotovelo ralado mais uma vez. A mãe não deu importância. Ao menos dessa maneira ele lhe daria algum espaço para fazer o jantar em paz.

Derek Campbell contra a EfígieOnde histórias criam vida. Descubra agora