PRISIONEIRO

57 14 87
                                    


A claridade oferecida pelas lâmpadas nas paredes não passava de um sonolento lusco-fusco que descortinava as sombras da gruta apenas o suficiente para revelar a parte mais aguda das estalactites apontando como dedos acusatórios para o rapaz sentado no piso frio bem abaixo.

Ele não tinha certeza se as grades douradas se fechando em cúpula ao seu redor significavam alguma proteção contra aqueles dentes pontiagudos pendendo perigosamente do teto da caverna em que tinha acordado. Não era possível ter consciência de quanto tempo esteve naquele lugar, se era dia ou noite, ou se realmente estava sozinho, trancado dentro da estranha cela.

A própria prisão era um mistério: não aparentava ter trancas ou portas, e as grades terminavam em um piso liso de ouro puro – ou no que pensava ser o metal precioso. Não conseguia acreditar no desperdício que era o uso daquele material caríssimo na confecção da gaiola e não havia a quem perguntar o sentido daquilo.

A única presença humana que viu foi a de um segurança armado que tinha aparecido para verificar se ele estava acordado. Confirmando, ofereceu um pouco de água e saiu apressado, como se fugisse ou precisasse dar um recado urgente. Desde então, Derek esteve sozinho, ouvindo os ecos dos próprios gritos reverberarem pela câmara subterrânea de tamanho desconhecido. Aparentava ser muito grande e não dava pistas do que poderia despontar das sombras.

Estampidos semelhantes a ferrolhos se abrindo se propagaram, e o rapaz olhou para todos os lados à procura de onde estava vindo o barulho. O olhar repousou em um rosto familiar que se aproximava através da luminosidade tacanha.

Maciel estava vestido com um terno azul escuro, acompanhado de uma garota da mesma idade de Derek. Ela não usava brincos, colares ou qualquer outra joia, e os cabelos estavam armados em um coque trançado, deixando à mostra os ombros nus e as alças do vestido amarelo sem decote que terminava em uma saia sanfonada abaixo dos joelhos. O rapaz desviou os olhos dela e se voltou para o outro visitante.

– Veio me tirar daqui, Maciel? – Ele se encostou à grade e observou a passividade do homem que mantinha uma prudente distância. – Por que estou preso?

– Antes de tudo, gostaria de dizer que lamento que tenhamos de chegar a esse extremo. – Maciel observou o construto que isolava o prisioneiro. – Por mim, estaríamos rindo em volta de uma mesa, acredite, mas todo o cuidado é pouco. Você compreende, não é? Principalmente considerando o que aconteceu com seus pais.

Derek sentiu a vertigem de quem se mexia bruscamente, embora não tenha se movido de forma alguma.

– Não devia ficar pálido de surpresa – disse Maciel, fitando o rapaz na pouca luz. – O que você achava? Que não existiam outros como você? Que ninguém nunca descobriria o que você é?

– Não sei do que está falando. O que sabe dos meus pais?

– Um corretor de imóveis e sua bela esposa encontrados mortos no quarto do filho de cinco anos em um pacato subúrbio inglês. Uma morte trágica em um lugar tão tranquilo. E a situação fica mais surpreendente quando lemos os dados da autópsia. Afogados? Dentro do quarto de um garoto? Não se vê isso todo dia. Por sorte, temos muitos contatos em hospitais, jornais e órgãos públicos, o que nos possibilitou sondar casos como o seu. – Maciel começou a dar passos lentos próximo à acompanhante e tirou o relógio do bolso. – Quando a senhorita Gutierrez se juntou a nós, não foi difícil farejar magia nos envolvidos em situações inexplicáveis e chegar até você, o primeiro mago encontrado em séculos. Há coisas que ficam maravilhosas quando se unem por um bem maior, não é? Sei que você mal pode esperar para se unir conosco também. Venha! Vamos mostrar do que estamos falando.

A jovem olhou para a prisão, resignada. Ergueu os braços e as grades brilharam como se refletissem a luz do sol. Derek se afastou para trás rapidamente, quase atingindo o outro lado da gaiola.

Ele viu a moça fazer com as mãos o gesto de quem abria uma cortina invisível; as grades verticais começaram a se afastar, enquanto as horizontais, apenas um pouco mais finas, se dobravam como arames maleáveis, sendo que um instante antes eram barras douradas muito firmes.

Pela passagem aberta na cúpula de ouro, ela entrou pisando no piso metálico após Maciel entregar-lhe uma pequena corrente feita do mesmo material.

Derek pressionou as costas contra a grade contrária e manteve o olhar hostil para a jovem.

– Estenda as mãos – ela pediu, não tendo nenhuma resposta do prisioneiro.

– Você sabe o que fazer se ele se recusar a colaborar – disse Maciel.

– Ele vai me ouvir! – Ela elevou um pouco a voz, de olho no rapaz. – Não resista, por favor. Apenas estenda as mãos. – A jovem se esforçou para amenizar o senso de ameaça das palavras, mas estava claro que havia muitas possibilidades para o caso de desobediência, todas bem desagradáveis para Derek.

Ele estendeu os braços, como se esperasse algemas, e a corrente voou das mãos femininas, se enrolando nos pulsos dele em um lampejo dourado. Imediatamente, uma força atraiu o metal para baixo, pondo o prisioneiro de joelhos.

A moça se aproximou e o ajudou a se levantar, levando-o para fora da gaiola.

– Não vamos mais perder tempo – Maciel falou quando os dois passaram por ele. – Sabe que se fizer uma gracinha, ela pode apertar essas correntes até seus membros caírem, não é? – completou, andando ao lado deles pela caverna até uma porta escondida na penumbra.

No corredor permeado por vigas de madeira por onde passavam, dois homens armados acompanharam o trio em direção à saída.

Derek Campbell contra a EfígieOnde histórias criam vida. Descubra agora